Como o Comando Vermelho conseguiu dominar as periferias de Belém, sede da COP 30?
Facção do Rio de Janeiro domina capital, enquanto o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem presença menor, no interior
Após quase exterminar a facção amazônica com a qual manteve parceria por uma década, crime organizado do Rio de Janeiro se estabeleceu em Belém e, em outras cidades do estado, disputa territórios com grupos nacionais e locais.
O que explica o reinado do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, nas periferias de Belém é a expansão das facções e o controle das rotas do tráfico internacional, que partem de países da América Latina e atravessam rios, igarapés e estradas amazônicas até conexões no exterior, tendo cidades como a capital do Pará como ponto estratégico.
O estudo Cartografias da Violência na Amazônia mostra que, das 52 cidades paraenses com presença de facções, 37 estão sob domínio do Comando Vermelho (CV). Nas periferias de Belém, a facção impõe “regras como a proibição de assaltos e de brigas entre vizinhos, a cobrança de taxas de comerciantes e o controle de serviços de transporte clandestino”, entre outras práticas, segundo pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA) publicada neste ano.
O Primeiro Comando da Capital (PCC), menos presente, atua no interior em cidades estratégicas para rotas logísticas e de fronteira, como Altamira, Conceição do Araguaia e Parauapebas. Em alguns municípios, a facção paulista disputa território com a carioca, em conflitos que podem envolver grupos locais, como o Comando Classe A (CCA). Mas como essa situação se instaurou?
Comando Vermelho e Família do Norte (FDN)
O Comando Vermelho (CV) foi aliado da Família do Norte (FDN), facção surgida em 2007 no Amazonas que controlava rotas de tráfico nas fronteiras com Bolívia, Colômbia e Peru. Após uma década de parceria, o CV rompeu com a FDN, que acabou quase dizimada, enquanto o CV assumiu o controle.
Para compreender esse rompimento e a atual presença de facções nas fronteiras do Brasil com países produtores de drogas, é preciso voltar a 2016, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) assassinou Jorge Rafaat, chefão do tráfico no Paraguai. Ali o caldo entornou.
Ao assassinar Rafaat e assumir o tráfico na fronteira paraguaia, o PCC — que até então mantinha relações com o CV — entrou em guerra com a facção carioca. A disputa se espalhou por estados brasileiros, envolvendo também facções locais.
Sequência macabra de mortes em presídios
A guerra entre PCC e CV criou dois blocos: as facções chamadas “tudo dois”, com siglas de duas letras, e “tudo três”, com três letras. Aas coalizões reorganizadas após a morte do “rei da fronteira” no Paraguai desencadearam uma onda de massacres em presídios do Norte e Nordeste.
Em 2 de janeiro de 2017, uma rebelião na penitenciária de Manaus resultou na morte de 56 detentos ligados ao PCC, brutalmente assassinados por integrantes da FDN, no segundo maior massacre prisional da história do Brasil. Quatro dias depois, o PCC retaliou em uma penitenciária de Roraima, matando 30 presos da FDN e do CV.
Passada uma semana, no Rio Grande do Norte, um confronto transmitido ao vivo resultou na morte de mais 30 presos na disputa entre o PCC e o Sindicato do Crime (SDC). Já no Pará, em 2019, outro massacre em uma penitenciária deixou 57 mortos: o Comando Classe A (CCA), aliado do PCC, executou integrantes do CV, que avançava pela região.
Trégua entre PCC e CV dura pouco
No início deste ano, um anúncio do mundo do crime surpreendeu: teria sido decretada uma trégua entre PCC e CV. Mas ela durou pouco. “Um dos motivos para não ter funcionado foi que, nos estados do Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste, as dinâmicas criminais locais não permitiam”, afirma o pesquisador Vinícius Figueiredo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O crescimento e a autonomia de facções locais chegam a ponto de desobedecer ordens do PCC e do CV. “Volta o racha das facções depois de três meses, no contexto de reorganização. Algumas facções menores se estruturam a partir das nacionais, mas outras atuam sozinhas”, explica Figueiredo.
Enquanto isso, em Belém, foi criada a Delegacia de Repressão às Facções Criminosas, que passou a contar com lanchas rápidas — seis delas blindadas — além de equipamentos aprimorados para inteligência, investigação, perícia e treinamento de cães farejadores. Quanto mais o crime se organiza, desorganiza e reorganiza, mais trabalho dá.