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Por que os testes de anticorpos não ajudam muito?

Realizar um teste de anticorpos para ver se você contraiu a covid-19 há alguns meses é inútil, segundo novas diretrizes emitidas esta semana

24 ago 2020 - 12h10
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Realizar um teste de anticorpos para ver se você contraiu a covid-19 há alguns meses é inútil, com base nas novas diretrizes emitidas esta semana por uma importante sociedade médica. Muitos testes são imprecisos, alguns buscam os anticorpos errados e mesmo aqueles corretos desaparecem, afirmam os especialistas da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, que emitiu o novo protocolo.

Como os testes vigentes não conseguem determinar se uma pessoa está imune, a sociedade "não pode acatar decisões para descontinuar o distanciamento físico ou reduzir o uso de equipamento de proteção pessoal".

Os testes de anticorpos, no geral, devem ser usados apenas para pesquisas de população e não para diagnosticar a doença em indivíduos, afirmam os especialistas. Mas as diretrizes emitidas descrevem as situações em que o teste deve ser usado quando testagens normais de diagnóstico do vírus - os chamados testes PCR - falham ou apresentam uma probabilidade de erro.

As pessoas que ficaram enfermas há semanas ou meses e se perguntam se estão imunes à covid-19 "provavelmente não devem se preocupar" em realizar um teste de anticorpos, disse a Dra. Angela M. Caliendo, especialista da Alpert Medical School da Brown University e membro do painel de especialistas da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas.

Muitos nova-iorquinos que adoeceram entre março e maio não foram testados na época e agora perguntam se tiveram a doença e ficaram imunes. O painel concluiu que os atuais testes de anticorpos não elucidam essa dúvida.

"Não sabemos se um teste positivo significa que a pessoa está protegida", disse Caliendo. "Se você adoeceu em março, provavelmente não tem mais anticorpos; e se ficou ligeiramente doente pode nem ter criado anticorpos".

Além disto, disse ela, "se você vive numa área de baixa contaminação tem maior probabilidade de ter um teste falso-positivo, o que significa que pode achar que está protegido e não está".

Apesar das falhas observadas nos testes de anticorpos, estudos recentes de pacientes que foram realmente infectados sugerem que eles têm uma imunidade duradoura e que é muito improvável contraírem de novo a doença.

Isto talvez porque as células brancas, conhecidas como B, e as células T, que estão "armadas" para reconhecer e atacar o coronavírus, continuam circulando muito tempo depois de os anticorpos desaparecerem. Mas as células B e T não são analisadas por testes de anticorpos comuns.

Outros especialistas reafirmaram a recomendação da sociedade médica contrária aos testes de anticorpos individuais.

Michael T. Osterholm, diretor do Center for Infectious Disease, Research and Policy, da Universidade de Minnesota, qualificou as clínicas de diagnósticos que cobram dos indivíduos por testes de anticorpos de "vendedores de óleo de cobra".

Os testes de anticorpos - que analisam o sangue em busca de proteínas produzidas pelo sistema imunológico que grudam na parte externa do vírus e o neutralizam - são mais úteis para pesquisas de grandes populações para se verificar quantas pessoas aproximadamente tiveram a doença. Mesmo para esse fim, somente os testes que são mais de 96% das vezes corretamente positivos e 99,5% corretamente negativos devem ser usados, segundo as diretrizes.

Bem poucos das dezenas de testes realizados nos Estados Unidos, Europa e Ásia examinados pelo painel atenderam àqueles critérios, disse Caliendo. Nenhum pode ser feito em casa ou imediatamente nos consultórios médicos e os melhores são os testes conhecidos como Elisa ou CIA (imunoensaio por quimioluminescência). Testes usando tiras de papel foram bem menos precisos, segundo o painel.

O CDC - Centros de Controle e Prevenção de Doenças - também expediu diretrizes para o uso dos testes de anticorpos, que foram atualizados em primeiro de agosto. A orientação se baseou nas validações de kits de testes pelo Instituto Nacional do Câncer, ao passo que a sociedade de doenças infecciosas analisou resultados de testes de todo o mundo, disse a Dra. Kimberly E. Hanson, especialista em testagens no hospital da universidade de Utah, que também é membro do painel de especialistas.

O painel concluiu ser difícil decidir qual teste vale a pena recomendar.

A decisão, em abril, da FDA - agência de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos - de aprovar testes sem mesmo analisar sua segurança e eficácia dos dados "acabou se tornando um problema", disse Hanson. "O mercado foi inundado de testes com péssimo desempenho".

Depois das duras críticas por parte de especialistas e o Congresso, a FDA reverteu sua decisão em maio e deu aos fabricantes o prazo de 10 dias para provarem que seus testes eram precisos ou seriam proibidos de comercializá-los.

Os que estão no mercado agora são melhores, mais ainda não são bons o bastante, dizem os especialistas.

O painel examinou 9.500 estudos descrevendo a validação do teste e concluiu que valia a pena avaliar apenas 47 deles. "Era uma miscelânea de coisas", disse Hanson.

"Nós ingenuamente achamos que seria simples", disse Caliendo. "Não há muitos resultados de alta qualidade nesses testes".

E até nos 47 estudos selecionados os mesmos testes eram melhores ou piores em estudos diferentes, disseram os especialistas.

Testes que não detectam os chamados anticorpos IgG, que começam a surgir duas semanas após a infecção, não são úteis, disse a doutora Hanson.

Existem dois outros tipos: os anticorpos IgM, que aparecem nas infecções do Sars-Cov-2 mais tarde do que no caso de outros vírus, são menos específicos do que os anticorpos IgG e os níveis flutuam mais, disse ela.

Os testes de anticorpos IgA não distinguem eficazmente o Sars-Cov-2 de outros coronavírus que causam as gripes comuns.

Mesmo nas pesquisas por população, os testes precisam ser extremamente acurados, dizem os especialistas. Em populações com apenas algumas pessoas infectadas, mesmo uma taxa de imprecisão de 1% pode resultar em amplas margens de erro.

Os testes de anticorpos são diferentes dos testes de antígeno, que se concentram numa proteína na superfície do vírus. Não são considerados muito precisos, mas oferecem resultados em 15 minutos. Como os laboratórios tinham reservas e havia escassez de reagentes para o teste, isto retardou por duas semanas os testes PCR mais precisos em algumas cidades e muitas instituições passaram a utilizar os testes de antígeno.

Hanson disse que a sociedade sabia que havia "um grande interesse" nos testes de antígeno.

"Mas não pudemos obter nenhum para avaliar", disse ela. "Havia muitos fabricantes com autorização para produzir o teste para uso nas situações de emergência e a demanda era alta".

Um resultado positivo no caso de um teste de antígeno é em geral considerado acurado, disse a médica. "Mas um resultado negativo significa que o paciente deve se submeter a uma testagem PCR."

Caliendo disse que seu hospital em Rhode Island não usou testes de antígeno e as escolas locais os utilizaram apenas em crianças que estavam claramente enfermas.

"Estamos fazendo coisas que são menos do que o ideal porque não conseguirmos ter acesso aos materiais que precisamos", acrescentou a médica. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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