Menina leva choque em tomada e sofre lesão cerebral no litoral de SP
Família de Sophia Andrade da Silva busca ajuda para pagar tratamento não disponibilizado pelo SUS
A vida da família de Sophia Andrade da Silva, de 2 anos, mudou do dia para a noite. Os pais foram dormir com a menina, mas acordaram durante a madrugada com um forte cheiro de queimado e perceberam que ela estava desacordada após levar um choque elétrico. Em decorrência disso, a pequena teve uma parada cardiorrespiratória e lesão cerebral, que a deixaram com graves sequelas. Agora, eles buscam por um tratamento para tentar reverter o quadro.
Ao Terra, a mãe da pequena, Shirley de Jesus Andrade, contou que o caso ocorreu em 19 de dezembro de 2024, e que desde então, a pequena não anda e nem fala mais, precisando da ajuda dos pais para tudo.
“A gente foi dormir, ela acordou em silêncio e quando eu acordei ela já estava na tomada, já tinha levado choque e já estava desacordada. Eu só senti o cheiro de queimado. Peguei ela correndo, e eu e meu marido corremos para o UPA, que é bem perto, coisa de três minutos”, explica a autônoma.
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Segundo Shirley, Sophia já deu entrada na unidade em parada cardíaca, mas conseguiram reanimá-la. Sophia foi entubada e, poucas horas depois, transferida para a Santa Casa de Santos, onde permaneceu entubada por seis dias. Após a extubação, a pequena ficou ainda por um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foi para o quarto, mas próximo de ter alta, teve uma pneumonia, o que a obrigou a ficar mais um mês no hospital.
A mãe conta que a menina foi “precoce”, aprendeu a andar com oito meses e já falava, mas, agora, não consegue fazer mais nada. “Minha filha é muito esperta mesmo, já estava começando a contar até 10, e agora não faz mais nada disso. Assim que acordou da intubação, ela não estava se mexendo mais, não reagia. Ela fez vários exames e constou a lesão”, afirma
Conforme o laudo médico, as sequelas ocorreram por falta de oxigênio no cérebro secundária à parada cardiorrespiratória, ocasionada pelo choque, e foi constatada a tetraparesia espástica, condição na qual se perde a força nos quatro membros, perda de controle do tronco e distúrbio de sono.
Família busca por ajuda
Desde 12 de fevereiro, Sophia está em casa. Mas devido a sua condição, precisa dos pais para tudo. Shirley trabalhava como designer de sobrancelhas e cílios em um salão, mas precisou deixar o trabalho para cuidar da filha. A renda da família vem exclusivamente do marido, que trabalha como motorista de aplicativo.
Sophia faz acompanhamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), onde passa por consultas e fisioterapia, além de conseguir parte dos remédios. Mas o canabidiol, que custa em média R$ 200 e dura cerca de 15 dias, os pais ainda precisam comprar. Para tentar a gratuidade, Shirley conta que uma advogada se ofereceu para entrar com uma ação contra o estado pleiteando o medicamento.
Eles também tentam uma cadeira de rodas via SUS, já que a menina não consegue andar, mas ainda não há uma previsão para a entrega, podendo chegar até um ano e meio de espera.
“Estou carregando a minha filha no colo, as minhas costas doem muito, porque a minha filha tem 2 anos, mas se você vê ela pessoalmente, a minha filha parece que tem 4, ela é enorme, e muito pesada. Comprei um carrinho de bebê, mas ela não coube, então, tive que doar. Tem que ser uma cadeira especial, que é muito cara”, explica.
Para tentar reverter o quadro, Shirley recebeu a recomendação para fazer um tratamento chamado estimulação transcraniana por corrente contínua, mas não está disponível pelo SUS. O procedimento custa em torno de R$ 4 mil a cada 10 sessões.
“Sei que ela vai precisar de bastante sessões, ainda mais para uma melhora muito boa. Não tenho essas condições porque eu não estou nem conseguindo trabalhar. Ela deu uma evoluída boa [até agora], mas para mim já é muita coisa. Ela dá uma risada, coisa que não fazia desde o hospital. A médica falou que é como se ela tivesse nascido de novo, está começando tudo do zero, como se fosse um bebezinho que acabou de nascer. A minha vida mudou muito. Eu não tenho nem mais força, eu não tenho força para chorar, não tenho força para nada, eu tô sendo forte pela minha filha, porque sei que eu tenho que lutar por ela”, desabafa.
Para tentar pagar o tratamento e conseguir comprar a cadeira de rodas o mais rápido possível, a família abriu uma vaquinha online. Até o momento, eles já conseguiram arrecadar R$ 30 mil.
Condição e tratamento
Ao Terra, o neurocirurgião Wanderley Cerqueira de Lima explicou que o choque elétrico é danoso para o organismo todo, mas é muito mais para o cérebro, dependendo da intensidade e duração, devido a água que existe no órgão.
“É diferente do osso, do músculo, a pele também tem bastante água e, às vezes, pode causar queimaduras. Quando tem um eletrochoque, pode levar a deficiência dos neurônios, aquele que a gente chama neurônio motor, que vai controlar as funções motoras do nosso organismo”, aponta.
Esse choque pode levar ao desmaio, coma, e até morte. “O paciente pode ter uma parada cardiorrespiratória, ou só cardíaca, ou só respiratória. Consequentemente, cai a pressão arterial, a temperatura do corpo diminui, eu vou ter um choque neurogênico”, explica.
É como se o cérebro “fritasse”, o que causa o dano no órgão e também na medula. No caso de Sophia, em que ela desenvolveu tetraparesia espástica, o comando que vem do cérebro foi lesado, e portanto, não vai controlar direito os outros neurônios que passam pela medula e pelos músculos.
“Então, você vai ter déficits motores, que podem ser progressivos a partir do momento que instala, ou até definitivos. Quanto mais tempo fica com as lesões, ou mais tardias as lesões, vai ter uma diminuição da recuperação do paciente”, pontua o neurocirurgião. Por isso, são importantes os cuidados médicos e fisioterapêuticos do paciente para que haja uma evolução no quadro.
Quanto ao tratamento de estimulação magnética transcraniana, Cerqueira de Lima aponta que é algo relativamente novo, de 20 anos para cá, e não invasivo, indolor e de baixo risco para o paciente. Nele, são colocados aparelhos junto ao couro cabeludo, usando um campo de ondas elétricas magnéticas através da pele.
“Vai modular os neurônios, as células nervosas, focado numa área do cérebro que tem dano. Então, vem lá umas cargas elétricas no neurônio, que ele vai modular numa corrente elétrica, que despolariza o neurônio, muda um pouquinho a carga dele e vai liberar esses neurotransmissores que são importantes para mexer o braço, a perna, para melhorar a depressão, para melhorar outras coisas quando tem um dano neurológico”, afirma.
Ainda segundo o especialista, ainda há dúvidas se o tratamento funciona ou não, pois ainda não há muitas evidências científicas. Para um caso como o de Sophia, para que haja evidências contundentes, precisa haver muitos casos em análise para que se chegue a uma resposta.
“Ele tem falha terapêutica? Tem, falando no geral. Se vai resolver? Não sei se vai resolver. Mas como é um processo não agressivo, é indolor, através da pele e de baixo risco, sempre vale a pena tentar”, finaliza.
Respostas
O Terra procurou a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para saber qual o prazo para a menina receber a cadeira de rodas, mas não teve retorno até o momento. O espaço permanece aberto para manifestações.