Script = https://s1.trrsf.com/update-1765905308/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Nostalgia: o que está por trás do fascínio pelo passado?

Escrevo essa coluna em meio à enxurrada de notícias sobre bebês reborn; mas não vou tratar deles aqui, e sim do fenômeno que pode estar por trás desse movimento nostálgico

17 jun 2025 - 16h47
Compartilhar
Exibir comentários

Escrevo essa coluna em meio à enxurrada de notícias sobre bebês reborn. Mas não vou tratar deles aqui, e sim do fenômeno que pode estar por trás desse movimento nostálgico. Músicas da infância, filmes antigos, roupas retrô e brinquedos estão em alta, entre homens e mulheres adultas. A busca por elementos do passado que marcaram diferentes gerações como a dos millennials têm crescido.

Podemos compreender a nostalgia como um movimento para além de uma simples saudade; leia para saber mais detalhes
Podemos compreender a nostalgia como um movimento para além de uma simples saudade; leia para saber mais detalhes
Foto: Canva Equipes/ludmyla//Sarah Richardson's Images//Pexels/Matthias Groeneveld / Bons Fluidos

Não pretendo problematizar e patologizar movimentos que ocorrem em decorrência das mudanças de hábitos, comportamentos próprios de cada momento da sociedade que vivemos. A coluna pretende, então, refletir e compreender como esses movimentos fazem parte do dia a dia e como interferem e produzem novos comportamentos. O que esse movimento carrega como manifestação emocional?

Nostalgia como regulação emocional

Podemos compreender a nostalgia como um movimento para além de uma simples saudade. Trata-se de uma tentativa inconsciente de regulação emocional diante da incerteza do presente e de uma enorme falta de um passado sentido como bom, prazeroso e seguro. E não, ela não é um problema, mas o excesso fala sobre necessidades maiores de recriar realidades já passadas e vividas.

Passado como refúgio

Fred Davis, sociólogo americano que escreveu 'Yearning for Yesterday: A Sociology of Nostalgia', acredita que a nostalgia é especialmente ativada em momentos de transição ou crise. Quando sentimos que perdemos o controle do presente, ou que o futuro parece ameaçador, o passado se torna um lugar simbólico de refúgio. É um ambiente seguro que parece que conhecemos bem, nos conforta. A questão é que, por vezes, essa volta não é para um passado qualquer, mas sim para um passado idealizado, filtrado pela memória afetiva, que nos oferece a ilusão de estabilidade e segurança. 

Nostalgia do ponto de vista clínico

A nostalgia funciona como uma forma de defesa psíquica, uma "muleta" emocional para tempos instáveis. Do ponto de vista clínico, a nostalgia pode ter efeitos benéficos, já que fala a respeito dos arquivos de memórias, vivências e experiências que fizeram parte da construção humana.

Pesquisas recentes, como as de Constantine Sedikides e colegas, da Universidade de Southampton, mostram que relembrar momentos positivos do passado pode fortalecer a autoestima, aumentar a sensação de pertencimento e até aliviar sintomas de solidão. Porém, quando esse sentimento se cristaliza em uma recusa ao presente, pode dar lugar a estados melancólicos, dificultando o enfrentamento da realidade. O desafio, portanto, está em reconhecer a nostalgia como parte do nosso funcionamento psíquico, sem permitir que ela se torne um refúgio permanente.

Perspectiva de gênero

Quando olhamos para esse fenômeno sob uma perspectiva de gênero, nuances importantes emergem. As mulheres, historicamente associadas à esfera do cuidado e da preservação da memória familiar, tendem a desenvolver uma relação ainda mais intensa com a nostalgia. Isso se expressa em práticas como montar álbuns de família, conservar objetos de infância ou reviver rituais afetivos, como cuidar de bonecos. Para algumas mulheres, esses bonecos representam um espaço de elaboração simbólica de lutos, lutos por filhos que cresceram, que não nasceram, ou mesmo por identidades maternas que não se realizaram, inclusive elas são usadas como recursos para esses momentos.

Importante não patologizar

Do ponto de vista psicológico, esses objetos funcionam como transicionais, como no sentido proposto por Donald Winnicott, intermediando a realidade e a fantasia, ajudando a lidar com perdas e reorganizações internas. É importante, contudo, não patologizar esse tipo de manifestação. A nostalgia, mesmo em suas expressões mais inusitadas, pode ser compreendida como uma linguagem psíquica legítima. Ela revela desejos de cuidado, de reconexão consigo mesma, de continuidade afetiva em meio às rupturas que a vida adulta impõe. Em vez de ridicularizar ou reduzir essas práticas a "excentricidades femininas", como muitos vimos, é preciso escutá-las com empatia e atenção, pois elas falam de dores, ausências e formas criativas de reparação. 

Vivemos um tempo em que o passado tornou-se mercadoria e refúgio ao mesmo tempo. Como psicóloga, vejo nisso tanto um sinal de sofrimento, quanto de resiliência. A nostalgia pode ser ponte ou prisão e a linha é sempre tênue. Cabe a nós, profissionais, mulheres, cidadãos decidir o que faremos com as lembranças que voltam como fenômeno cultural. Elas podem nos paralisar, mas também nos lembrar de quem fomos, de quem ainda somos, e até nos inspirar a recriar o presente com mais afeto, profundidade e sentido. É preciso equilíbrio para entender até onde isso é natural ou não.

Sobre a autora

Artigo escrito por Blenda Oliveira, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e  psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). É autora do livro Fazendo as pazes com a ansiedade, publicado pela Editora Nacional, que foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2023. A especialista também palestra sobre saúde mental e autoconhecimento e vem se dedicando ao tema do envelhecimento.

Bons Fluidos
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade