Sem sustentabilidade, não acaba a desigualdade
Enquanto alcançamos o patamar de quinta economia mundial, festejando os alicerces de construção de um grande país de classe média, o último relatório do Fórum Econômico Mundial indica que permanece a desigualdade entre os salários dos brasileiros e alerta para o risco de se incrementar na próxima década, distanciando o nosso modelo de crescimento econômico de patamares de sustentabilidade, particularmente de justiça social.
Segundo dados do Ipea, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional aumentou 14,8% entre 2004 e 2010. No mesmo período, o nível de desigualdade de renda caiu 10,7%, enquanto na década de 1970, época do 'milagre brasileiro', a desigualdade entre os salários havia crescido quase 22%. Entretanto, a concentração das novas vagas de trabalho no setor de serviços, com baixa remuneração, impediu que houvesse crescimento nas faixas médias do mercado de trabalho. A proporção das ocupações com renda superior a três mínimos caiu de 28,7% para 16,4% entre 2000 e 2009.
Todos sabem que isso não é propriamente uma novidade, mas o fato de essa preocupação de desigualdade entre salários arrolar movimentos sociais de protesto também na Europa e nos Estados Unidos exige que essa questão não esteja exclusivamente pautada pelos Ocupantes de Wall Street (e no nosso caso mascarada pelas oportunidades de consumo da nova classe média) e exige reações dos centros de reflexão e decisão política.
A tendência para um aumento das disparidades entre os assalariados é um fenômeno experimentado pela sociedade brasileira e, apesar das grandes conquistas das classes emergentes, pode ter graves consequências. Persistem políticas equivocadas, como a combinação entre não atribuir à parte bem mais rica da sociedade uma maior parcela da carga tributária e não enfrentar o permanente desvio de fluxo de recursos públicos destinados às reais demandas da sociedade. Essas situações repercutem direta e desigualmente na redução da renda individual dos tributados das diversas classes médias e na diminuição de bens e serviços públicos colocados à disposição da sociedade, redundando em maior vulnerabilidade social.
Conflitos entre ricos e pobres são cada vez mais percebidos em sociedades industrializadas, conforme destaca interessante pesquisa do Centro Pew e, no caso dos Estados Unidos, ganha dimensões mais importantes que as históricas tensões raciais. É certo que a globalização retirou centenas de milhões de pessoas da pobreza, entretanto persiste a desigualdade, aonde os 50% mais pobres do planeta não chegam a apreender 1% da riqueza mundial enquanto o 1% mais rico detém quase a metade.
A OCDE, que há muito destaca a relação entre desigualdade e insegurança cidadã, relatou no final de 2011 o incremento dessa relação nos países desenvolvidos entre 1988 e 2008, sem considerar o impacto da atual de crise na zona do euro.
O crescimento econômico do Brasil na última década permitiu que grande parcela da força de trabalho saísse da pobreza e passasse ao nível inferior da pirâmide ocupacional (ganhos de até 1,5 salário mínimo). Dessa forma, a política de valorização real do salário mínimo reduziu, ainda que parcialmente, a desigualdade da renda do trabalho.
As Contas Regionais do Brasil - 2005/2009, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final de 2011, mostram apenas uma pequena redução na desigualdade entre as regiões do País. Segundo o levantamento, as Regiões Nordeste e Centro-Oeste aumentaram sua participação em 0,4% no PIB do País entre 2008 e 2009 cada. Com isso, o Nordeste, que detinha uma fatia de 13,1% do PIB, foi para 13,5%, enquanto a representatividade da economia do Centro-Oeste passou de 9,2%, para 9,6% nesse período.
Por sua vez, o Sudeste saiu de uma participação do PIB de 56% em 2008 para 55,3% em 2009, ao passo que Sul e Norte, que detinham uma proporção de 16,6% e 5,1% da economia brasileira, passaram a ter 16,5% e 5%, respectivamente.
Enfim, a economia do país cresce, há uma redução na desigualdade entre as regiões do país, mas a desigualdade entre os salários (entre tantas outras) persiste. Há que afrontar o problema se efetivamente queremos ser um grande país de classe média. É necessária a ampliação da oferta de empregos que sejam de melhor remuneração e que estejam em sintonia com a especialização e formação crescente dessa força de trabalho. Para evitar (e aprender com) os problemas hoje vividos pelas economias do Norte, devem ser adotadas políticas sociais, laborais, econômicas, tributárias etc. inteligentes e adaptadas à nova realidade do País, fundamentalmente comprometidas com um modelo de crescimento em equilíbrio com a sustentabilidade, já que é evidente que não basta crescer e eliminar a miséria.
Fernando Rei, ex-presidente da Cetesb, é graduado em Ciências Sociais e Jurídicas e doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e em Direito Ambiental pela Universidad de Alicante.