Horário de verão: entenda por que medida, que chega mais curta, está no limbo
Ajuste no relógio para economizar energia durante o verão traz resultados cada vez menores e está sob debate em vários países do mundo.
O horário de verão "deixou de se justificar pelo setor elétrico" e cabe agora avaliar se deve ou não ser mantido em anos futuros, tem dito o governo brasileiro. Nesse ínterim, as autoridades decidiram manter a medida no verão de 2018-19, embora, por causa das eleições, sua aplicação tenha sido adiada em 21 dias.
Assim, neste ano, o horário de verão terá início à 0h do dia 4 de novembro, o próximo domingo, e terminará à 0h do dia 17 de fevereiro.
Na prática, ele segue em um limbo que já perdura desde 2016. Ele fica ou não fica?
Entenda a seguir por que o horário de verão existe, conheça sua história, os argumentos a favor e contra a medida em diferentes países do mundo e saiba o que pensam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A posição do setor de energia
Quanto mais longe ficamos da Linha do Equador, maior é a variação na quantidade de luz diurna ao longo do ano. No verão, o Sol nasce mais cedo e os dias ficam mais longos. No inverno, o Sol nasce mais tarde, os dias ficam mais curtos.
Portanto, adiantamos o relógio em uma hora no verão para acordarmos mais cedo e aproveitarmos ao máximo a luz do dia. Quando saímos do trabalho no final da tarde, ainda há claridade.
Para o setor que abastece o país com energia, no entanto, as implicações da medida podem ser bem mais profundas.
"Tem havido muita especulação de que o horário de verão possa acabar, mas, no fundo, o setor elétrico agradece que não tenha acabado, porque, embora em fatores financeiros a economia tenha diminuido, ainda é uma economia razoavelmente boa", disse Ivo Leandro Dorileo, engenheiro eletricista e presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético.
Segundo Dorileo, a economia obtida com a prática de adiantar relógios no verão atingiu seu ponto máximo em 2013, quando o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) acusou uma economia de R$ 400 milhões. "Bem interessante, 2,5 gigawatts (GW)", disse.
O ONS, órgão que coordena, controla e planeja a operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no país, não divulgou o resultado da análise feita no último verão (2017-18), mas baseado em estimativas, o especialista sugeriu um valor: "Em 2017-18 (a economia) deve ter sido em torno de R$ 140 milhões".
Por que a economia com o horário de verão diminuiu?
Antes de respondermos a essa pergunta, vamos entender como é que se dá a economia de energia ao adiantarmos nosso relógio no verão. Segundo os especialistas, ela acontece de duas maneiras.
Primeiro, quando os brasileiros deixam de usar a energia elétrica. Por exemplo, quando deixam de acender a luz no final do dia porque ainda existe luz natural.
Essa economia foi diminuindo com o passar do tempo. Uma das razões para isso é que cada vez mais brasileiros usam aparelhos de ar condicionado para refrigerar ambientes durante os verões - que estão cada vez mais quentes. (Ou seja, você não precisa acender a luz, mas liga o ar condicionado.)
Mas existe a segunda forma de de economia que o ajuste no relógio proporciona. É a economia obtida quando poupamos os recursos da matriz energética no horário de pico de consumo de energia, entre 18h e 21h, quando boa parte da população chega em casa e utiliza a energia doméstica, e quando boa parte de comércio e indústria continuam ativos.
Durante o horário de verão, enquanto a população aproveita a luz natural disponível no final da tarde, o pico de consumo é reduzido, ou seja, o uso da eletricidade fica mais distribuído ao longo do dia, e não por volta das 18h, como acontece no resto do ano.
Aqui, a economia é possível porque não é necessário acionar energia extra, por exemplo, das usinas termelétricas, para garantir o abastecimento do país nos horários de pico. Ao longo dos anos, novamente por conta de mudanças nos padrões de consumo da população - como o maior uso dos condicionadores de ar - essa economia também se reduziu. Mas ainda é importante, dizem os especialistas.
"Segundo dados disponíveis, o que se observa é que o deslocamento do relógio não representa economia significativa na quantidade de energia consumida ao longo do dia. No sistema sudeste-centro oeste, ela foi de 0,5%, no sistema sul, também", disse à BBC News Brasil o engenheiro eletricista e presidente do instituto de pesquisas Acende Brasil, Cláudio Sales.
"Esses números não são expressivos, não justificariam nem o custo operacional de implantação do horário de verão", diz, referindo-se do primeiro tipo de economia - a luz que não foi acesa.
No entanto, Sales apontou que o horário de verão continua gerando economia significativa ao reduzir a demanda no horário de pico - a chamada demanda de ponta.
"Por outro lado, representa, sim, diminuição razoável da demanda de energia no horário de ponta do consumo - na ordem de 3,7%. Isso equivale a uma usina de 1.600 megawatts (MW) que não precisaria estar ligada naquele dia, ou um terço do consumo de uma cidade como o Rio", acrescentou.
Com base nessas estimativas, tanto Ivo Dorileo quanto Cláudio Sales são favoráveis à manutenção do horário de verão no Brasil.
"Toda economia, toda forma de eficiência energética, contribui para a conservação de energia no sistema elétrico", disse Dorileo. "Se economizamos em casa, no setor de transporte, no setor industrial, isso tudo é importante."
Sales, por sua vez, lembra que a economia final quem faz é o consumidor.
"Considerando-se que o consumidor de energia no Brasil tem sido onerado por diversos custos na conta de luz decorrentes de imperfeições regulatórias combinadas à incidência de tributos e encargos próximos de 50% - é o que se paga na conta - diante desse cenário, a busca de alguma economia, por menor que seja, deve ser perseguida", disse Sales.
Por outro lado, ele acrescenta que "a diminuição de consumo no horário de ponta não é tão grande. O sistema poderia suprotar sem o horário de verão. Então, a discussão fica em torno de hábitos de consumo da sociedade brasileira."
O que pensam os ambientalistas
Outro grupo que acompanha atentamente a discussão sobre o horário de verão são os ambientalistas.
Décio Semensatto Júnior, professor de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que, do ponto de vista ambiental, em um país continental como o Brasil, mesmo uma pequena conservação de energia já é significativa.
O professor lamentou que o ONS não tenha divulgado os resultados das análises sobre a economia de energia durante o verão de 2017-18.
"Ao não divulgar o estudo, o governo interrompe uma série histórica de divulgação dos resultados que é importante para que se façam estudos e interpretações dos ganhos e perdas", disse.
Finalmente, disse Semensatto, o horário de verão proporciona algo que é difícil de quantificar: bem-estar.
"O fato de termos um pouco mais luz no final da tarde, quando as pessoas voltam do trabalho, é positivo. Parece que o dia rendeu mais, você ainda tem mais dia para aproveitar. É um ganho de bem-estar."
O povo brasileiro foi convidado a se pronunciar sobre esse tema. Tramita no Senado um projeto de lei que propõe a extinção definitiva do horário de verão. A medida foi proposta pelo senador Airton Sandoval, do PMDB de São Paulo.
O público foi chamado a opinar por meio de uma enquete no site do Senado. Até o momento, o projeto tem apoio da maioria: cerca de 5,8 mil pessoas, contra 3,5 mil que não querem o fim do horário de verão.
O debate sobre horário de verão na Europa
A prática de adiantarmos o relógio no verão e atrasá-lo no inverno está sendo questionada no mundo inteiro.
No início deste ano, o parlamento europeu decidiu que seja feita uma revisão completa da medida para avaliar se a prática de adiantar relógios no verão deve ser mantida entre países membros.
Mas, se no Brasil o principal argumento a favor da medida é a economia de energia, na Europa, o impacto do ajuste nos relógios sobre a vida da população é bem mais profundo.
No caso de Londres, por exemplo:
No dia 21 de dezembro de 2018, o Sol nascerá às 8:04 da manhã na capital britânica e se recolherá às 15:53. Será o dia mais curto do ano no hemisfério norte, o chamado solstício de inverno.
No dia 21 de junho de 2019, o Sol nascerá às 4:43 na cidade e se retirará às 21:21. Esse será o dia mais longo do ano, o solstício de verão.
Ou seja, a variação na quantidade de luz diurna entre as estações é imensa.
Os argumentos pró e contra a medida apresentados durante o debate no Parlamento Europeu revelam um pouco sobre o impacto da variação na luz do Sol sobre a vida dos cidadãos.
A parlamentar francesa Karima Delli disse que adiantar relógios no verão deixava as pessoas cansadas e aumentava o número de acidentes.
"Estudos que mostram um aumento no número de acidentes nas estradas e nos problemas de sono no período de mudança (nos relógios) devem ser levados a sério", ela argumentou. E as estimativas sobre economia de energia "não são conclusivas", acrescentou.
Por outro lado, a representante da Bélgica Hilde Vautmans rebateu que deixar de fazer o ajuste anual dos relógios significaria ou perder uma hora de luz diurna todos os dias durante sete meses no verão ou mandar as crianças para a escola no escuro durante cinco meses no inverno.
Na Rússia, depois de um experimento em que o horário de verão foi mantido durante um ano inteiro, as autoridades decidiram, em 2014, manter o país permanentemente em horário de inverno. Parlamentares russos disseram que o horário de verão permanente provocou estresse e problemas de saúde, especialmente na região norte do país, onde manhãs ficaram escuras durante os meses de inverno rigoroso.
História do horário de verão
Não há consenso sobre que país teria primeiro adotado o horário de verão. Durante uma temporada em Paris em 1784, em tom de brincadeira, o inventor e diplomata americano Benjamin Franklin, um dos autores da Constituição dos Estados Unidos, sugeriu em um artigo que os parisienses se levantassem uma hora mais cedo durante o verão para aproveitar a luz diurna e economizar velas no final do dia.
A medida teria sido proposta em seriedade em 1895 pelo especialista em insetos neozelandês George Hudson, que queria mais luz no final da tarde.
Na Europa, o horário de verão foi instituído pela primeira vez durante a Primeira e a Segunda guerras mundiais, mas suspenso após o fim dos conflitos. Na década de 1970, durante a crise de energia, voltou a ser adotado, permanecendo desde então na maioria dos países do continente. Em 1981, a Comissão Europeia criou legislação unificando as datas de início e término do horário de verão entre países membros.
Globalmente, o horário diferenciado é adotado em 70 países, atingindo cerca de um quarto da população mundial. Japão, China e Índia não o adotam.
No Brasil, a medida foi instituída pela primeira vez no verão de 1931-32, durante o governo do presidente Getúlio Vargas, mas foi suspensa no verão seguinte e só passou a ser adotada sem interrupções a partir de 1985. A medida só foi regulamentada por decreto-lei em 2008, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com o decreto da Presidência, o horário de verão deve vigorar nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal.
Estados do Norte e Nordeste são excluídos porque, por estarem situados próximo à Linha do Equador, não existe variação significativa na quantidade de luz diurna entre o verão e o inverno, ou seja, nessas regiões, o Sol nasce e se põe mais ou menos no mesmo horário ao longo do ano.