Sete gráficos para entender as relações EUA-América Latina
Estados Unidos têm laços profundos com seus vizinhos do sul. Esforços do governo Trump para exercer poder econômico e militar na região fazem parte de uma longa história de envolvimento e intervenção.No primeiro ano de seu segundo mandato, o presidente americano, Donald Trump , aumentou a presença militar dos EUA na América Latina, se envolveu pessoalmente em eleições de países da região, pressionou líderes do continente sobre migração, colocou cartéis na lista oficial de grupos terroristas e abalou relações comerciais com uma política agressiva de tarifas.
A nova Estratégia de Segurança Nacional publicada em seu governo promete adicionar um "Corolário Trump " à Doutrina Monroe - uma referência à ambição histórica de exercer hegemonia no continente americano, uma posição defendida originalmente por James Monroe, o quinto presidente dos Estados Unidos, em 1823.
Para compreender melhor a relação entre os Estados Unidos e seus vizinhos do sul, a DW preparou sete gráficos que colocam em contexto tendências recentes de migração, segurança, geopolítica e comércio internacional.
Migração: metade dos migrantes e 90% dos deportados
Mais de 50 milhões dos 340 milhões de habitantes dos Estados Unidos nasceram no exterior, segundo dados anuais publicados pelo Departamento do Censo dos EUA. Cerca de 25 milhões vieram da América Latina e do Caribe.
Os mexicanos são o maior grupo de migrantes latino-americanos nos Estados Unidos: aproximadamente 11 milhões. Com cerca de 1,7 milhão de migrantes, Cuba aparece em segundo lugar, seguida por El Salvador, com 1,5 milhão.
Uma grande quantidade de latino-americanos começou a migrar para os Estados Unidos ainda na década de 1960. A partir de 2020, no entanto, houve um aumento na migração vinda de várias partes do mundo, e o crescimento no número de migrantes vindos da América Latina foi um dos maiores.
A Venezuela e a Colômbia estão entre os principais países de origem dessas migrações mais recentes, segundo o Pew Research Center, que faz projeções com base em dados de pesquisas mensais.
Em 2015, na sua primeira campanha à presidência, Trump associava migrantes mexicanos ao tráfico de drogas, estupro e outros crimes. Dez anos depois, ele continua usando a mesma retórica. Trump afirma, por exemplo, que o governo da Venezuela soltou criminosos das cadeias do país e os enviou aos Estados Unidos, mesmo sem evidências de que isso tenha acontecido.
Além de insistir na linguagem inflamatória, Trump tem tomado medidas para cumprir uma de suas principais promessas de campanha: deportações em massa. Ele, por exemplo, retirou proteções temporárias de aproximadamente 600 mil venezuelanos que antes podiam viver e trabalhar nos Estados Unidos.
Mesmo antes de Trump reassumir a presidência, porém, latino-americanos já eram a maioria esmagadora entre os migrantes deportados pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE).
Segurança: cartéis na lista de organizações terroristas
Nos últimos meses, a associação retórica de Trump entre países latino-americanos e tráfico de drogas se expandiu para uma postura geopolítica mais ampla. Para justificar ataques a barcos que estão supostamente transportando drogas no Caribe, Trump afirmou que os Estados Unidos estão em guerra contra grupos terroristas.
Em 2025, os EUA colocaram 24 novos grupos na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs, na sigla em inglês), o que permite que o governo americano confisque bens e processe pessoas ligadas a tais organizações. Desses, 14 são cartéis e gangues latino-americanas, como o Cartel de Sinaloa , do México, e o Tren de Aragua, da Venezuela.
Antes de Trump, apenas oito organizações latino-americanas estavam listadas. Todas eram grupos guerrilheiros de esquerda, como o Sendero Luminoso, do Peru, e o Exército de Liberação Nacional, da Colômbia.
A prática de classificar cartéis e gangues como grupos terroristas não tem precedentes. A lista de Organizações Terroristas Estrangeiros foi iniciada em 1997, e nenhum documento publicado pelo Departamento de Estado americano até 2025 menciona o tráfico de drogas e a criminalidade como justificativa para inclusão no documento. A grande maioria das organizações terroristas listadas anteriormente vinha da África, do Oriente Médio e de outras partes da Ásia.
Em uma análise publicada na revista Foreign Policy, Tricia Bacon e Daniel Byman, professores da American University e da Universidade Georgetown, respectivamente, escrevem que essas inclusões, podem criar tensões com os governos dos países onde os cartéis atuam. "Ao mudar a narrativa de crime para terrorismo, há uma implicação de que esses governos estão conscientemente abrigando terroristas, uma acusação muito mais grave do que simplesmente ter vínculos com organizações criminosas", dizem no texto.
O fato de uma organização estar na lista, no entanto, não autoriza legalmente o uso de força militar. "Politicamente, rotular um grupo como 'terroristas' pode ajudar a justificar ações militares e agradar ao público dos EUA, mas a designação, por si só, não concede poderes ampliados", acrescentam.
Geopolítica: interferência americana na política da América Latina
Trump começou seu governo prometendo retomar o Canal do Panamá e trocando o nome do Golfo do México para "Golfo da América ". Em agosto de 2025, ele aumentou tarifas sobre importações brasileiras em uma tentativa fracassada de impedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) condenasse o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado.
Quando a Argentina se preparava para votar em eleições legislativas em outubro, Trump vinculou um empréstimo de 20 bilhões de dólares ao sucesso da coalizão do presidente Javier Milei - bloco que acabou conquistando a maioria dos votos. Trump enviou ainda o maior porta-aviões do mundo ao Mar do Caribe para ameaçar o líder venezuelano Nicolás Maduro , e não descartou invadir a Venezuela.
Para muitos, essas ações lembram as intervenções dos EUA na América Latina durante a Guerra Fria. Na época, governos americanos rotineiramente se envolviam na política da região, seja com intervenções militares diretas ou com planos secretos que incluíam apoiar grupos dissidentes, tentar assassinar líderes e influenciar eleições.
Em seu livro, Covert Regime Change: America's Secret Cold War, Lindsey O'Rourke, professora de ciência política no Boston College, identificou 23 casos em que os Estados Unidos tentaram derrubar governos na América Latina entre 1949 e 1989. Eles incluem o apoio oculto a golpes de Estado no Chile e no Brasil, repetidas tentativas de matar o cubano Fidel Castro, e a invasão do Panamá para derrubar o ditador (e ex-aliado) Manuel Noriega.
De acordo com o trabalho de O'Rourke, essas ações não foram exclusivas da Guerra Fria, mas parte de uma estratégia geopolítica centenária de dominar o Hemisfério Ocidental - e frequentemente resultaram em maior instabilidade política nos países-alvo.
O atual secretário de Estado americano, Marco Rubio , afirma que a política externa dos EUA negligenciou seus vizinhos nos últimos anos. Agora, diz Rubio, os Estados Unidos devem focar trabalhar com governos latino-americanos para proteger fronteiras e deter o que ele descreve como uma invasão migratória.
"Alguns países estão cooperando conosco com entusiasmo - outros, nem tanto. Os primeiros serão recompensados", escreveu em um artigo para o Wall Street Journal em janeiro, pouco antes de embarcar em sua primeira viagem oficial à América Central em fevereiro. "Quanto aos últimos, Trump já mostrou que está mais do que disposto a usar a considerável influência dos EUA para proteger nossos interesses."
Comércio: perda de liderança incontestável
Os dados mais recentes da UN Comtrade, uma plataforma das Nações Unidas que rastreia fluxos globais de comércio, mostram que os Estados Unidos ainda são o maior parceiro comercial dos países latino-americanos, mas já não são tão dominantes como no passado.
Em 2024, os EUA foram a origem de cerca de 29% das importações feitas por países da América Latina, uma queda em relação aos aproximadamente 50% registrados em 2000. Atualmente, os Estados Unidos são também o destino de 45% das exportações latino-americanas - outra queda na comparação com o percentual de 59% na virada do milênio.
A dependência da América Latina em relação aos mercados americanos varia de país para país. Alguns, como o México, têm nos Estados Unidos o principal parceiro comercial, ainda muito acima de qualquer outro. Algumas nações, no entanto, têm buscado alternativas.
Ao mesmo tempo, laços comerciais com a China aumentaram em toda a América Latina. Em 2024, a superpotência asiática já era o principal parceiro comercial do Brasil, Peru, Chile e Bolívia.
A política tarifária de Trump atingiu diretamente alguns países da região. O Brasil, por exemplo, enfrenta uma taxa de 50% sobre suas exportações para os Estados Unidos, embora muitos produtos estejam isentos . O México negocia para evitar a imposição de uma tarifa de 25%. Encargos adicionais sobre produtos como cobre e aço também podem atingir outras economias.
"Nós vamos ter que procurar outros parceiros para comprar nossos produtos. Não é essa coisa que a gente não pode sobreviver sem os Estados Unidos. Não é assim", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando a tarifa foi anunciada pela primeira vez em julho. " Se os Estados Unidos não querem comprar, vamos procurar quem quer".