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Retomada de Raqqa representa o fim do Estado Islâmico?

Grupo chegou a controlar territórios habitados por cerca de 10 milhões de pessoas; ao perder seu último bastião, EI hoje tem muito menos terras, mas ainda oferece perigo.

18 out 2017 - 18h22
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Abu Anis só percebeu que havia algo estranho quando ouviu o som de explosões vindas da cidade antiga, na margem oeste do rio Tigre, que atravessa Mossul, no Iraque.

"Eu liguei para alguns amigos que estavam lá e eles contaram que grupos armados tinham dominado a cidade, alguns estrangeiros e outros iraquianos", disse o técnico de computação.

"Um homem armado disse para eles: 'A gente veio se livrar do exército iraquiano e ajudar vocês.'"

Nos dias que se seguiram, os invasores cruzaram o rio e tomaram a outra metade da cidade. O exército iraquiano e a polícia, que estavam em número muito superior ao dos rebeldes, fugiram. Os primeiros a debandar foram os líderes, seguidos pelos soldados, que arrancavam os uniformes para se juntarem à multidão de civis em pânico.

Era 10 de junho de 2014 e a segunda maior cidade do Iraque, com uma população de 2 milhões de habitantes, havia acabado de ser dominada por militantes do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI).

O exército iraquiano, reconstruído, treinado e equipado pelos norte-americanos desde 2003, abandonou grandes quantidades de veículos e armas sofisticadas, que foram avidamente tomadas pelos militantes. O EI também teria se apropriado de cerca de US$ 500 milhões da sede do Banco Central em Mossul.

De 'amigáveis' a violentos

No início, integrantes do Estado Islâmico se "comportaram bem", segundo Abu Anis. "Eles eram amigáveis e dispostos a ajudar."

Mas a "lua de mel" em Mossul durou apenas algumas semanas e em outras regiões do Iraque e da Síria, por onde os militantes passavam para ampliar o território dominado, atos de extrema violência já estavam em curso.

Exumação de corpos
Exumação de corpos
Foto: BBC News Brasil

Ao dominarem a base militar chamada de Camp Speicher, em Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein, os militantes separaram em grupos os centenas de recrutas iraquianos que viraram prisioneiros. Os que pertenciam ao braço da religião islâmica chamado shia foram executados a tiros.

Em vez de tentar esconder a atrocidade, o Estado Islâmico a revelou para o mundo, postando vídeos e fotos na internet de prisioneiros shia sendo assassinados.

Em termos de exultação da crueldade e brutalidade, o pior ainda estava por vir. O EI dominou, ainda em 2014, amplas áreas do norte do Iraque dominadas pelos curdos, entre elas a cidade de Sinjar, majoritariamente composta por yazidis, um antigo grupo religioso minoritário considerado "herege" pelos radicais islâmicos.

Centenas de homens yazidi foram mortos. Mulheres e crianças foram separadas e vendidas como objetos, para serem usadas como escravas sexuais. Centenas ainda estão desaparecidas.

Em agosto de 2014, o Estado Islâmico divulgou um vídeo de um militante seu com sotaque britânico perfeito, apelidado de "Jihadi John", decapitando o jornalista americano James Foley.

Nas semanas seguintes, mais americanos e britânicos seriam executados - Steven Sotloff, David Haines, Alan Henning e Peter Kassig apareceram sendo mortos de maneira similar, em vídeos divulgados na internet pelos militantes.

Vítimas do EI
Vítimas do EI
Foto: BBC News Brasil

Ápice e queda do controle territorial do EI

Naquele ano, em 2014, o Estado Islâmico alcançou o auge da expansão territorial, ocupando áreas no Iraque e na Síria habitadas por cerca de 10 milhões de pessoas.

A cidade de Raqqa, a segunda mais populosa da Síria, foi escolhida pelo grupo extremista como a sede de seu autoproclamado "califado", com a adoção oficial de uma interpretação rigorosa do islã.

Raqqa era considerada último bastião do Estado Islâmico, mas grupo não foi completamente derrotado e ainda oferece perigo
Raqqa era considerada último bastião do Estado Islâmico, mas grupo não foi completamente derrotado e ainda oferece perigo
Foto: BBC News Brasil

Moradores que descumprissem as regras eram decapitados e crucificados. A cidade também se tornou refúgio de milhares de jihadistas de todo o mundo, que atenderam aos chamados do líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, para que migrassem para lá.

O mundo reagiu. Com a participação de forças militares locais e estrangeiras e investimentos de países como Estados Unidos e Rússia, os territórios dominados pelo Estado Islâmico foram sendo retomados.

Nesta semana, Raqqa foi dominada pelo chamado Força Síria Democrática, grupo militar apoiado pelos Estados Unidos.

O Observatório Sírio para Direitos Humanos, grupo de monitoramento com sede no Reino Unido, afirma que pelo menos 3.250 pessoas morreram nos últimos cinco meses na cidade e seus arredores, entre os quais 1.130 civis.

Tomada de Raqqa é o fim do Estado Islâmico?

A redução territorial das terras dominadas pelo EI foi significativa entre 2014 e 2017. Mas o grupo jihadista ainda controla algumas áreas, a maior parte ao longo do rio Eufrates, na província de Deir al-Zour, na Síria.

Mas tanto os grupos armados sírios apoiados pelos Estados Unidos e quanto os controlados pelo presidente do país, Bashar al-Assad, têm lançado ofensivas para retomar os territórios.

Áreas dominadas pelo Estado Islâmico foram retomadas por forças sírias e iraquianas entre 2015 e 2017
Áreas dominadas pelo Estado Islâmico foram retomadas por forças sírias e iraquianas entre 2015 e 2017
Foto: BBC News Brasil

Embora tenha perdido boa parte das áreas que dominavam em 2014, o Estado Islâmico ainda oferece perigo, segundo o correspondente da BBC Paul Adams.

"Não, o Estado Islâmico ainda não foi derrotado. O sonho de um califado ou Estado Islâmico acabou. Mas o EI ainda pode provocar estragos", afirmou.

Adams destaca que, além de presença no Iraque e na Síria, o EI tem presença ativa no Afeganistão, Iêmen e Líbia, e seguidores espalhados pelo mundo.

"Sim, ainda haverá ataques no ocidente. Londres, Barcelona e Paris. Não podemos sempre afirmar que esses ataques foram, de fato, planejados e financiados pelo grupo. Mas esse não é o ponto", diz.

"O ponto é que a ideologia por si só é muitas vezes suficiente para inspirar esses ataques. E a ideologia está viva", afirma Adams.

Ele cita como agravantes a prolongada guerra civil na Síria, as divisões no Iraque e as divergências entre líderes de potências mundiais que buscam maior presença no Oriente Médio, como Rússia e Estados Unidos.

"Enquanto essas rivalidades existirem, o Oriente Médio continuará sendo uma região instável, com a presença de pessoas que não se importam em combinar violência extrema com uma versão medieval do islã", afirma Adams.

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