Contra abate de gado, agricultores franceses bloqueiam estradas, antes de votação de acordo com Mercosul
Agricultores franceses continuam os protestos contra o abate obrigatório do gado contaminado com um tipo de dermatite no país. Estradas foram bloqueadas no sudoeste da França durante a madrugada deste sábado (13), levando a confrontos com a polícia, que usou gás lacrimogêneo. Dois policiais ficaram feridos.
Os casos de dermatose nodular contagiosa do gado começaram em junho e a ameaça de epidemia levou o Ministério da Agricultura francês a determinar o abate dos animais que tiveram contato.
Pela manhã, um trecho da autoestrada A64, na região do País Basco, continuava paralisado pelo protesto, por cerca de 150 quilômetros. Em todo o país, as autoridades registraram cerca de dez bloqueios e tentativas de bloqueio.
"É inconcebível que animais saudáveis sejam abatidos simplesmente por pertencerem a um rebanho do qual, supostamente, surgiu um animal doente", declarou à AFP Léon Thierry, copresidente da Coordenação Rural da região dos Pireneus Atlânticos. "É o extermínio de vacas e dos agricultores", insistiu, exigindo "ferramentas que permitam a reposição dos rebanhos durante crises sanitárias".
"Se sairmos daqui sem resultados, recomeçaremos tudo amanhã", alertou.
A doença já se espalhou por quatro regiões do sudoeste. Diante da "deterioração repentina da situação sanitária", o governo estabeleceu uma zona de vacinação que abrange departamentos vizinhos. Quase um milhão de bovinos serão vacinados, anunciou a ministra da Agricultura, Annie Genevard.
Duas crises sanitárias simultâneas
A dermatose nodular contagiosa (DNC), uma doença viral não contagiosa para humanos e transmitida entre bovinos ou pela picada de moscas, foi detectada pela primeira vez em uma fazenda na região de Savoie, onde mais de 70 cabeças de gado foram abatidas. Até o momento, 3 mil cabeças de gado foram abatidas na França.
Segundo o Ministério da Agricultura, até agora foram detectados 110 surtos em todo o país, afetando 75 fazendas. Além da dermatose nodular, a gripe aviária continua sendo um problema: as autoridades anunciaram um novo surto na sexta-feira na região de Landes (sudoeste), principal produtora de patos para foie gras da França e renomada por sua avicultura.
Essas crises sanitárias ocorrem em um momento em que diversos setores emblemáticos da produção agrícola francesa, do trigo aos vinhedos, atravessam uma crise sem precedentes. A França é obrigada a importar cada vez mais, a ponto de enfrentar, pela primeira vez em 50 anos, um déficit comercial em 2025.
Rejeição ao acordo com o Mercosul
As dificuldades do setor tornam a possibilidade de assinatura do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul ainda mais rejeitada no país. O tratado visa facilitar as importações de carne bovina, aves e açúcar no bloco europeu, em troca de impulsionar as exportações europeias de automóveis, máquinas e vinho para os sul-americanos.
A próxima semana é decisiva para o futuro da negociação. A Comissão Europeia pretende obter a aprovação do bloco antes de 20 de dezembro, data em que o Mercosul espera assinar definitivamente o tratado, negociado há mais de 25 anos entre as duas partes. A votação do acordo está prevista para a próxima reunião do Conselho Europeu, com os chefes de Estado e de Governo dos 27 países do bloco, no dia 18 de dezembro.
Na sequência, a adoção do texto pelo Parlamento Europeu ocorreria no início de 2026. Entretanto, Paris tem se movimentado para adiar a apreciação do Conselho para janeiro, o que atrasaria todo o calendário imaginado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, favorável ao tratado.
O governo brasileiro tem insistido que a assinatura ocorrerá durante a cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu, no próximo sábado (20).
Incertezas sobre os subsídios da Política Agrícola Comum
Os agricultores da França e outros países, como Holanda e Polônia, denunciam a concorrência desleal devido a padrões de produção menos rigorosos na América Latina. Eles temem o impacto nos já fragilizados setores agrícolas europeus.
"Há anos que alertamos: a agricultura francesa está à beira do colapso, presa num dilema entre regulamentações cada vez mais rigorosas e concorrência estrangeira desleal (...) E o que o governo fez? Nada", acusam representantes da Coordenação Rural, o segundo maior sindicato agrícola francês.
As propostas da Comissão Europeia para a Política Agrícola Comum (PAC) do bloco aumentam a preocupação: o próximo orçamento (2028-2034) poderá sofrer um corte de 20%, com impacto maior na França, principal beneficiária da PAC. Os agricultores franceses recebem cerca de € 9 bilhões de ajuda a cada ano, o que representa dois terços dos seus rendimentos.
Os subsídios constituem uma rede de segurança vital para muitas fazendas, em dificuldades desde o início da guerra na Ucrânia, que aumentou os custos dos cereais no bloco.
Com informações da AFP e Reuters