Apuração de estudantes de jornalismo alemães liga drones misteriosos à Rússia
O ano de 2025 registrou nada menos que 2.000 sobrevoos de drones não identificados sobre o espaço aéreo da Alemanha, levando ao fechamento de aeroportos e a uma permanente tensão ao redor de bases militares do país. Em meio ao segredo da investigação da polícia federal alemã, um grupo de estudantes de jornalismo conseguiu traçar a conexão entre os drones, navios cargueiros de tripulação russa e a estatal de energia nuclear russa Rosatom.
Gabriel Brust, correspondente da RFI em Düsseldorf
A desconfiança é geral: de que têm origem russa os chamados enxames de drones que foram avistados ao longo de 2025 sobre a Alemanha. A polícia federal alemã trata com cautela o tema e divulga informações esparsas, que sugerem essa ligação com a Rússia.
O que a investigação feita por um grupo de sete estudantes de jornalismo da Axel Springer Academy de Berlim traz, pela primeira vez, são indícios fortes de que os drones podem ser mesmo espiões russos. O grupo de alunos chegou a perseguir um navio suspeito pelo Mar do Norte usando o seu próprio drone.
A apuração foi validada por respeitados veículos de jornalismo alemão, o jornal Zeit e a revista Bild, que publicaram a história na íntegra.
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Navios cargueiros suspeitos
Tudo começou com o cruzamento de informações sobre as datas em que drones foram avistados sobrevoando bases militares alemãs e a movimentação de navios cargueiros com alguma ligação com a Rússia pelo Mar Báltico e pelo Mar do Norte, ambos ao norte da Alemanha. Somados a isso, veio o vazamento de relatórios da BKA, a polícia federal alemã.
A apuração conseguiu estabelecer correlações temporais e geográficas entre os avistamentos de drones e as posições de três navios. Usando rastreamento por satélite, eles identificaram que os cargueiros Lauga, HAV Snapper e HAV Dolphin fizeram trajetos suspeitos, em zigue-zague, algo completamente atípico para cargueiros comerciais, que em geral navegam em linha reta.
Estas movimentações anormais ocorreram justamente em maio deste ano, quando drones foram avistados na baía de Kiel, no norte da Alemanha, onde ficam bases navais e indústrias de defesa, como a ThyssenKrupp Marine Systems.
Ligação com a estatal russa Rosatom
Depois dos incidentes com drones, o navio Lauga seguiu para São Petersburgo, na Rússia, atracando no terminal da Petrolesport, uma empresa ligada à estatal russa de energia nuclear Rosatom. Antes disso, em 2024, ele havia permanecido por um período no porto sírio de Tartus, que era um importante ponto de apoio militar russo no Mediterrâneo.
Já os navios HAV Snapper e HAV Dolphin têm histórico de permanecer longos períodos no Pregol, em Kaliningrado, na Rússia, estaleiro que mantém estreitas ligações com o Exército russo, inclusive com a Rosatom. O HAV Dolphin inclusive passou um mês ancorado em Kaliningrado pouco antes de se dirigir à Alemanha.
Para completar, dois destes três navios foram inspecionados pela polícia federal alemã, que comprovou que toda a tripulação era russa, mas não encontrou drones. A própria polícia, no entanto, reconhece que a equipe era pequena e não tinha condições de procurar em todos os contêineres.
Caça ao navio suspeito
Durante a investigação, o grupo de estudantes de jornalismo descobriu que um dos navios suspeitos, o HAV Dolphin, estava naquele momento ancorado em um porto no norte da França. Eles foram até lá, mas o cargueiro já tinha partido.
A partir daí, iniciou-se uma perseguição de 2.500 quilômetros, de porto em porto, pelas costas da França, da Holanda e da Bélgica. O navio suspeito de carregar drones russos continuava andando em zigue-zague, parecendo que ancorararia no próximo porto, mas de repente mudava sua rota, em um comportamento estranho e similar ao verificado na costa alemã. Por fim, ele ancorou em um banco de areia a 25 quilômetros da costa, bem em frente a uma base militar belga.
Foi então que os estudantes de jornalismo usaram seu drone: saindo da costa, eles sobrevoaram o HAV Dolphin e fizeram imagens detalhadas do navio. Fontes de segurança da Alemanha depois confirmaram que a tripulação era composta 100% por homens de nacionalidade russa.
Os detalhes dessa investigação estarão em um documentário que será lançado ainda este ano.