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Ásia

Medo faz paquistaneses questionarem fama de Malala, um ano após atentado

Diante da ameaça talibã, o Paquistão vive com um sentimento ambivalente: sua cidadã mais famosa seria uma personagem criada pelo Ocidente?

9 out 2013 - 12h06
(atualizado às 12h29)
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<p>Foto de novembro de 2012 mostra o cartaz com a foto de Malala que estava no saguão de sua escola, em Mingora; hoje, devido ao medo dos talibãs, o cartaz não está mais lá</p>
Foto de novembro de 2012 mostra o cartaz com a foto de Malala que estava no saguão de sua escola, em Mingora; hoje, devido ao medo dos talibãs, o cartaz não está mais lá
Foto: AP

Um ano depois de que uma bala disparada por um militante talibã tentou silenciar as reivindicações de Malala Yousafzai por educação para meninas, ela publicou um livro e é forte candidata ao Prêmio Nobel da Paz. Mas o Talibã ameaça matá-la caso ela ousar voltar para casa, no Paquistão. A diretora da escola onde a paquistanesa de 16 anos estudava diz que, assim como a fama de Malala cresceu, o medo dos seus ex-colegas também aumentou.

Embora Malala siga no Reino Unido e seu algoz continue solto, a polícia disse que o caso está encerrado. E muitos paquistaneses se perguntam se o atentado foi encenado para que o Ocidente pudesse ter um herói para adotar. Logo depois do ataque, estudantes paquistaneses foram às ruas carregando cartazes com as palavras: “Eu sou Malala”. Um ano depois, o refrão mudou, e agora questiona o status conquistado por ela após o atentado: “Por que Malala?”

<p>Crianças a caminho da escola na cidade de Mingora</p>
Crianças a caminho da escola na cidade de Mingora
Foto: AP

Na região paquistanesa do Vale do Swat, um outdoor gigante que identificava a escola de Malala já não existe mais. Riquixás buscam um lugar para parar enquanto meninas, com suas cabeças cobertas e com suas faces escondidas nas sombras, pulam da condução e correm para o prédio. A escola não tem planos para hoje, quando o atentado faz um ano, embora crianças de outras partes do país tenham lembrado a data. Professores e estudantes têm medo. Mesmo um pôster gigante de Malala que antes adornava o hall do colégio foi retirado.

As crianças fogem para se esconder das câmeras e a diretora da instituição, Selma Naz, procura falar rápido e em voz baixa. “Nós fomos ameaçados, e há tantos problemas. Ficou muito mais perigoso para nós depois que Malala foi baleada, depois de toda a atenção que ela recebeu”, disse Selma. “O Talibã é muito perigoso. Eles não estão mais no Swat, mas a presença deles ainda é sentida aqui. Estão escondidos, mas estão aqui. Nós temos medo em nossos corações”. Seguranças particulares armados guardam o portão de ferro da escola.

<p>"Nós desejamos ser Malala", diz o cartaz de alunos de uma escola da cidade de Rawalpindi</p>
"Nós desejamos ser Malala", diz o cartaz de alunos de uma escola da cidade de Rawalpindi
Foto: AP
<p>Professora e alunos de uma escola de Rawalpindi reunidos durante uma celebração pela lembranda de um ano do atentado contra Malala; em Mingora não houve comemoração</p>
Professora e alunos de uma escola de Rawalpindi reunidos durante uma celebração pela lembranda de um ano do atentado contra Malala; em Mingora não houve comemoração
Foto: AP

O atentado

Em 9 de outubro de 2012, Malala saiu da escola pela mesma porta que hoje está fortemente guarnecida, rindo com suas amigas enquanto subiam em um pequeno caminhão utilizado como transporte para as crianças. Todos riam e conversavam enquanto o veículo avançava nas ruas esburacadas da cidade de Mingora, até que o motorista entrou em uma ponte estreita que atravessa um córrego. De repente, homem mascarado e armado com uma pistola parou o caminhão. Um segundo homem saltou para a parte de trás, também com uma pistola.

<p>"Eu sou Malala", o livro de memórias lançado pela garota paquistanesa</p>
"Eu sou Malala", o livro de memórias lançado pela garota paquistanesa
Foto: AP

“Quem é Malala?”, ele gritou. Ninguém disse nada, mas automaticamente todas as cabeças viraram em direção a ela. Ele ergueu a arma e atirou. E atirou novamente. Uma bala atingiu Malala na cabeça. Duas outras estudantes, Shazia Ramazan e Kainat Riaz, também foram atingidas, mas seus ferimentos não foram graves. Malala foi transferida para Islamabad.

Sua cabeça inchou perigosamente. Médicos conduziram uma cirurgia de emergência. Seu pai, Ziauddin, certo de que sua filha não sobreviveria àquela noite, enviou uma mensagem ao seu cunhado, que estava no Swat, para preparar um caixão e um carro para levar o corpo de volta. Malala acordou uma semana depois em um hospital em Birmingham, no Reino Unido, onde foi tratada por especialistas. Ela gradualmente recuperou a visão e a voz, e voltou a ver os pais.

Sentimentos antiocidentais

Mas os muitos prêmios recebidos por Malala desde então, incluindo a indicação para o Nobel da Paz, que será anunciado na sexta-feira, atiçaram sentimentos antiocidentais no Paquisão, onde uma brutal insurgência mata civis aos milhares e já vitimou 4 mil soldados. Frustrados com as implacáveis exigências do Ocidente para que “se faça mais”, muitos paquistaneses enxergam a aclamação internacional de Malala como um drama Ocidental encenado para aumentar ainda mais as críticas ao país. Em dezembro, estudantes de uma escola no Vale do Swat protestaram contra a decisão do governo de renomear a instituição para "Escola para Garotas Malala Yousufzai". A decisão não durou muito, e a escola readotou o nome original. 

A luta de Malala por educação para meninas começou quando ela tinha 11 anos de idade. Naquela época, o Talibã circulava livremente pela região, explodindo escolas, assassinando membros das forças de segurança e deixando corpos desmembrados nas praças das cidades.

“Foi uma época muito, muito difícil. Malala foi à TV e aos jornais. Ela foi ameaçada, seu pai foi ameaçado”, disse Ahmed Shah, educador amigo da família cuja luta por uma causa semelhante à de Malala também fez com que ele fosse ameaçado pelo Talibã. Segundo ele, o governo do Paquistão foi o primeiro a reconhecer a bravura de Malala com o Prêmio Nacional da Paz de 2011, um ano antes do atentado. Para Shah, Malala está pagando o preço de sua notoriedade.

“Outro dia eu estava conversando com o pai de Malala, e ele me disse que ela chorava e dizia, ‘Quando eu vou estudar? Eu vou para os Estados Unidos, para a Áustria, para a Espanha por tantos dias, mas eu sequer tenho aula de geografia’”. 

Selma, que assumiu a diretoria da escola de Malala três meses atrás, diz que o fato de o algoz de Malala seguir solto preocupa a todos. Ela diz que provavelmente ele nunca será pego, já que a polícia raramente investiga um incidente se o Talibã assume a responsabilidade por ele. 

Volta do Talibã e o medo

O medo também faz com que juízes absolvam os envolvidos, diz o advogado Aftab Alam. “Ninguém pode ousar aparecer diante da corte, mesmo a polícia não ousa investigar” um ataque por medo de retaliação, afirma Alam. “É apenas impossível”. Militares dizem que o homem que atacou Malala, identificado como Attaullah, fugiu para o Afeganistão, enquanto a polícia diz que o caso está fechado.

<p>Policial paquistanês no centro de Mingora; medo de retaliação dos Talibãs</p>
Policial paquistanês no centro de Mingora; medo de retaliação dos Talibãs
Foto: AP

A irmã de Attaullah, Rehana, disse não saber onde ele está, e se está vivo ou morto. Seu tio Painda Khan diz que seu sobrinho está sendo perseguido. “Nós não sabemos por que as pessoas estão o culpando. Ninguém nos disse o motivo.”

O Talibã, expulso do Vale do Swat em uma operação sangrenta realizada há quase quatro anos, começa a voltar. Nos últimos meses, militantes mataram o comandante regional, assim como dezenas de homens de comitês de paz pró-governo, além de anunciar mais assassinatos até que a repressiva lei islâmica seja imposta no Paquistão.

Os militantes seguem sem mostrar arrependimentos por ter atacado Malala. No final de semana passado, o Talibã ameaçou matá-la caso ela retorne ao Paquistão, o que ela já disse várias vezes ser seu sonho. “Se nós a acharmos novamente, nós vamos definitivamente tentar matá-la”, disse o porta-voz do grupo, Shahidullah Shahid. “Nós nos sentiremos muito orgulhosos com a sua morte”.

Fonte: AP AP - The Associated Press. Todos os direitos reservados. Este material não pode ser copiado, transmitido, reformado o redistribuido.
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