Sem surpresas, Chile deve eleger neste domingo 1º líder de extrema direita desde o fim da ditadura
A ansiedade gerada pela imigração e pelo aumento da criminalidade impulsiona o candidato José Antonio Kast à presidência do Chile. De acordo com as pesquisas, ele deve ser eleito neste domingo (14), no segundo turno da eleição presidencial e se tornar o primeiro líder de extrema direita desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, há 35 anos. Kast supera com folga a candidata da coalizão de esquerda Jeannette Jara.
Até o início dos anos 2000, o Chile era considerado um dos países mais seguros da América Latina. Mas, com a chegada de gangues ultraviolentas do Peru, Equador, Colômbia e, sobretudo, da Venezuela — especialmente o grupo Tren de Aragua — a realidade mudou.
A violência ligada ao crime organizado aumentou cerca de 40%, segundo estatísticas oficiais. A taxa de homicídios subiu 50%, de acordo com dados da ONU. Pesquisas indicam que a maioria dos chilenos considera o crime o problema mais grave do país.
"O país está desmoronando", alerta José Antonio Kast, que provavelmente comandará o Chile pelos próximos quatro anos. O político de extrema direita, três vezes candidato à presidência e pai de nove filhos, está a um passo da vitória. O advogado ultraconservador, candidato pelo Partido Republicano, promete deportar centenas de milhares de migrantes irregulares, fechar a fronteira norte e declarar estado de emergência.
Medo cresceu mais do que criminalidade
Apesar da percepção generalizada, dados e depoimentos contrariam a ideia de que o Chile vive uma crise profunda. Autoridades policiais afirmam que, embora o crime tenha aumentado e se tornado mais violento, isso ocorreu a partir de uma base muito baixa.
Uma pesquisa recente do governo apontou que 88% dos chilenos acreditam que a criminalidade cresceu no último ano. No entanto, apenas 6% da população foi vítima de delitos violentos. Estatísticas policiais indicam que a taxa de crimes violentos se estabilizou e, em alguns casos, está até diminuindo.
Hassel Barrientos Hermosilla, chefe da unidade contra sequestros e extorsões da Polícia de Investigações, disse à AFP que, apesar da percepção pública, é raro os chilenos serem alvo desses crimes específicos. Ele explicou que gangues peruanas tendem a atacar peruanos, e as venezuelanas, venezuelanos — pressionando famílias das vítimas em seus países de origem para obter resgates.
"O medo cresceu muito mais rápido que a taxa de criminalidade", afirma Christian Bolívar, ex-general do Exército e chefe de segurança municipal de Las Condes, bairro da periferia de Santiago. Com 450 agentes sob seu comando e um moderno centro de monitoramento, ele explica que uma de suas maiores tarefas é conter esse medo. "Quando as pessoas têm receio de sair de casa, as ruas ficam mais vazias e, portanto, menos seguras: um círculo vicioso de ansiedade."
A mídia, que muitas vezes transmite ao vivo até operações menores contra drogas, estaria alimentando os temores. Uma pesquisa da UDP-Feedback mostrou que telespectadores têm 25% mais probabilidade de considerar o crime violento um problema do que leitores de jornais.
Duas visões da sociedade
Duas visões opostas sobre direitos individuais estarão em jogo neste segundo turno. A adversária de Kast é Jeannette Jara, comunista moderada de origem humilde, representante da coalizão governista de esquerda e ex-ministra do Trabalho. Ela defende mais direitos para as mulheres, incluindo a descriminalização do aborto, enquanto Kast, católico fervoroso, se opõe a qualquer flexibilização.
O Chile só autorizou o divórcio em 2004 e levantou a proibição total da interrupção voluntária da gravidez em 2017. Hoje, o aborto é permitido apenas em casos de estupro, risco para a vida da mãe ou inviabilidade do feto.
Após a eclosão social de 2019 contra as desigualdades, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado no fim de 2021. O atual presidente de esquerda, Gabriel Boric, que assumiu em 2022, implementou avanços nos direitos das mulheres. Mas a provável eleição de Kast deve representar um freio ou retrocesso. Uma das promessas de Boric — garantir o direito ao aborto legal, seguro e gratuito — continua sendo objeto de debate em um Parlamento dividido.
No primeiro turno, em 16 de novembro, Kast ficou em segundo lugar, logo atrás de Jara, que obteve 26,8% dos votos. As pesquisas indicam que ele deve vencer a segunda votação com ampla maioria, ao conquistar apoios de outros candidatos conservadores. No dia 30 de novembro, último permitido para divulgação de sondagens, Kast tinha quase 60% dos votos válidos, enquanto Jara ultrapassava um pouco os 40%.
Mais de 15 milhões eleitores são esperados nas urnas neste domingo para escolher quem ocupará a Presidência do país entre 2026 e 2030.
(Com AFP)