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América Latina

Argentina lembra 20 anos do pior atentado terrorista no país

Familiares de vítimas do atentado a sede da associação israelita em Buenos Aires, em 1994, ainda aguardam por respostas e justiça

18 jul 2014 - 11h55
(atualizado às 22h25)
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Há 20 anos, no dia 18 de julho de 1994, mais precisamente às 9h53min da manhã, a explosão de um carro-bomba matou 85 pessoas, a maioria judeus, chochando um país. O grupo terrorista Hezbollah foi responsabilizado pelo crime. Não trata-se de um país do Oriente Médio. Trata-se de uma nação vizinha ao Brasil, a Argentina. 

<p>Bombeiros e equipes de resgate procuram sobreviventes entre os escombros do centro da Comunidade Judaica em Buenos Aires, depois de um carro-bomba destruir o edifício em 18 de julho de 1994</p>
Bombeiros e equipes de resgate procuram sobreviventes entre os escombros do centro da Comunidade Judaica em Buenos Aires, depois de um carro-bomba destruir o edifício em 18 de julho de 1994
Foto: AP

O atentado à sede da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), localizada no bairro de Once, em Buenos Aires, completa hoje 20 anos. Como acontece todos os anos, o ato pela memória das vítimas tem início exatamente no mesmo horário em que a explosão ocorreu.

“Eles previam golpear a comunidade judia, mas não temeram em golpear a sociedade argentina. Eles colocaram uma bomba com a qual não morreram somente judeus, senão 85 vítimas, das quais alguns eram estrangeiros e os demais eram argentinos. Por isso, nós dizemos que a bomba vitimou a sociedade argentina em geral e, em particular, a AMIA”, explica o tesoureira da instituição, Ariel Cohen Sabban .

Um dia de dor  e homenagem para familiares e vítimas

Sofía Guterman perdeu sua única filha, Andrea Judith Guterman, na época com 28 anos, no atentado. Ela conta que naquele dia, a filha havia ido até a sede da AMIA para inscrever-se em um programa de emprego mantido pela organização. A professora estava desempregada e reservara aquela manhã para fazer mais uma tentativa de conseguir um novo trabalho.

<p>Sofía Guterman perdeu sua única filha, Andrea Judith Guterman (foto), na época com 28 anos, no atentado</p>
Sofía Guterman perdeu sua única filha, Andrea Judith Guterman (foto), na época com 28 anos, no atentado
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Assim como a filha, Sofia é professora e dá palestras a estudantes dos ensinos fundamental e médio de Buenos Aires sobre o episódio da AMIA. “Meu objetivo é que não caia no esquecimento e que esses jovens saibam que as vítimas não eram apenas um número. Eu quero que eles conheçam a história, as vidas envolvidas ali, para que possam se identificar e estar conscientes de que essa não foi uma tragédia para o povo judeu, mas para todo o povo argentino”, explica.

Apesar de haver criado a filha no mesmo bairro onde ficava a sede da AMIA e pertencer a comunidade judia de Buenos Aires, Sofia não tinha qualquer ligação com a Associação na época. Mesmo apos a tragédia, a professora demorou um ano para se unir a outros familiares na busca por consolo e justiça.

“Eu não sabia como tudo funcionava dentro da AMIA, muito menos como se moviam as questões judiciais. Eu tive que aprender tudo do zero”, confessa. Sofía foi membro do grupo de familiares denominado “Memória Ativa”, que teve papel fundamental na ajuda psicológica dada  aos envolvidos, bem como nos primeiros movimentos pela apuração do caso. Além disso, o “Memória Ativa” homenageia as vítimas acendendo velas em frente a sede da AMIA todos os dias dezoito de cada mês, na mesma hora em que ocorreu o atentado. Sofia, como outros familiares, desligou-se da Associação em função de divergências com relação as decisões judiciais e políticas que essa apóia.

A desintegração dos grupos que lutam por justiça no caso AMIA se vê refletida na homenagem desta sexta-feira, que não ficou concentrada na rua Pasteur 633, local do crime, mas sim, pulverizada em outros pontos da cidade. O Memória Ativa, por exemplo, realiza uma ato em frente à sede ao edifício de Tribunales, o que o jornal La Nación chamou de “um desafio aberto” à AMIA e a Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA).  Outra organização de familiares e vítimas, o 18-J, também teve seu ato independente. Esse último ocorre na Praça de Maio.

Segundo afirmou o vice-presidente da DAIA, Waldo Wolff, também ao La Nación: “Os familiares são todos nossos irmãos, ainda que, lamentavelmente o contexto nacional impulsione divisões. O tempo colocará as coisas no seu lugar”, profetizou.

A cerimônia organizada pela AMIA estava marcada para às 9h53 – hora exata da explosão – desta sexta-feira e tem como um dos oradores Luis Czyzewski. Ele é pai de Paola Czyzewski e marido de Ana Maria Czyzewski, ambas estavam no edifício da Associação, mas somente a filha, na época com 21 anos, faleceu. 

Ele e a esposa trabalhavam como auditores externos da instituição. Em função da grande quantidade de trabalho, somada ao tempo livre que Paola dispunha, pois eram as férias de inverno daquele 1994, Luis e Ana Maria pediram que a filha os ajudasse com as tarefas pendentes. “Foi a primeira e a última vez em que ela entrou na AMIA”, relembra Luis.  Ele conta ter tido que aprender a conviver com a dor, e isso foi a maior lição que a perda da filha o ensinou. “Essa é uma carga que você terá que carregar a vida inteira”, diz Czyzewski.

<p>Paola Czyzewski estava no edifício da Associação, na época com 21 anos</p>
Paola Czyzewski estava no edifício da Associação, na época com 21 anos
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Assim como Sofía, Luis foi parte de uma associação de vítimas mas também a abandonou por conta de divergências sobre o caso. Hoje, ele segue sua luta de forma independente, prefere ter a liberdade de não associar sua opinião a nenhum grupo político: “Eu quero poder aprovar aquilo que estiver bem feito e criticar o que discorde com relação ao processo de julgamento dos responsáveis”, explica.

A busca por justiça

O julgamento possui duas instâncias, como explica o funcionário da AMIA, Ariel Cohen Sabban, uma internacional e uma nacional. Segundo a instância internacional, os responsáveis já teriam sido identificados como oito funcionários do governo iraniano, membros do grupo terrorista Hezbollah. Já no que compete às investigações feitas em território argentino faltam muitos dados sobre quem e como se obteve o veículo usado como carro-bomba para explodir a AMIA. “Nós pedimos à Justiça argentina desde 2009, quando a causa se reabriu e permitiu conhecer com mais detalhes algumas questões que nos esclareça detalhes da conexão local. Afinal: quem recebeu o carro? Onde foi, como foi, quem entregou os explosivos?”, protesta Ariel.

Para o tesoureiro da AMIA, as forças da Organização Policial Internacional, a Interpol, têm que ser acionadas no sentido que os acusados iranianos possam ser julgados segundo os termos da justiça argentina, país vitima do crime.

Uma das reivindicações feitas pelas vítimas do atentado é de que o governo argentino entre em contato com o governo iraniano para pedir a extradição dos acusados, para que seu julgamento seja feito no país sul-americano. “Há 20 anos eu estou em um círculo que não tem saída. É como se a cada 18 de julho eu voltasse a cruzar a porta desse círculo e permanecesse um ano mais sem enxergar uma saída”, resume Sofía sobre o sentimento de impotência diante do lento avanço da condenação dos responsáveis.

O Hezbollah é um grupo terrorista libanês de orientação xiita, que conta com uma base política e outra militar, seu objetivo é difundir a revolução islâmica. “Eu não acredito que seja possível adorar um Deus que mande matar pessoas para que se alcance o céu. Para mim, são depredadores da vida”, ressalta Sofía sobre o Hezbollah. “A religião não prega a morte, a religião prega a vida, para mim é impossível entender e aceitar o porquê de terem matado os nosso filhos”, questiona Luis. 

Fonte: Especial para Terra
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