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Modern Love: Ter problemas no casamento não significa fracassar no casamento

Minha esposa me expulsou de casa cinco vezes. Outra vez, eu mesmo fui embora. Por que ainda estamos juntos?

21 nov 2022 - 05h10
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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Sozinho em uma noite no início da primavera, sentado em um banco de parque ao lado do Rio Charles em Cambridge, Massachusetts, esperei por Deb. O sol estava se pondo e a temperatura caindo, e eu estava vestindo minha camiseta de softball e calções e desejando ter me lembrado de trazer minha camisa de flanela grossa.

Agora, décadas depois, em minha casa em Iowa, procuro aquele banco no Google Maps. Aqui está. Parque Riverbend. Aqui está a ponte. A ponte John W. Weeks. Aqui está o nosso banco. Os arcos da ponte. A água parada. Meu corpo dói ao vê-lo novamente. O lugar onde éramos jovens.

Tínhamos combinado de nos encontrar ali, naquele parquinho simples. Eu esperei por ela. E esperei. Eu a imaginei saindo do trabalho na Legal Sea Foods do Copley Plaza. Sacando dinheiro. Entrando no ônibus. Caminhando. Aproximando-se.

Imaginei alguém nos observando enquanto ela chegava. Eles pensariam que estávamos loucamente apaixonados? Iriam nos confundir com estudantes de Harvard? Pessoas com futuros brilhantes? A lua estava brilhando. O sol era uma mancha de cor a oeste. Eu estava com frio. Minha camisa de flanela grossa estava em casa no meu armário.

Voltei para a faculdade aos 26 anos, depois de cumprir meu estágio no comércio de refrigeração. Eu a notei pela primeira vez em minha aula de autores selecionados. No primeiro dia, o professor perguntou se alguém sabia uma citação de Emerson, e ela, corando, levantou a mão. Três meses depois, eu a pedi em casamento. Ela disse sim.

Dividimos meu minúsculo e superaquecido apartamento em Cambridge e caímos na rotina noturna dos bares. Íamos ao Plough and Stars, ao Cellar e ao Drumlin's. Ao The Cantab. Após as três primeiras rodadas, eu a acusaria de estar apaixonada por seus cigarros. Então ela me acusaria de não estar verdadeiramente apaixonado por ela. E eu juraria pela Bíblia como a amava com a intensidade de dez sóis enquanto erguia minha mão para pedir outra rodada.

Sabíamos que precisávamos acabar com essa rotina infantil. Imaginamos uma nova cidade sem pessoas como nós. Algum lugar limpo e inocente.

Depois de menos de um ano guardando dinheiro em um pote em cima da geladeira, deixamos que o aluguel expirasse, levamos nossos móveis (um futon e um abajur) para a calçada, pagamos nossas multas de estacionamento, subimos em minha motocicleta e sem um destino final em mente, deixamos a cidade.

Tínhamos dinheiro suficiente quando chegamos a Iowa para alugar uma pequena casa de tijolos ao lado de um cercado de suínos nos campos de milho de Iowa. Logo encontramos trabalho e começamos uma família.

Quando Deb me expulsou de casa pela primeira vez, já tínhamos nossos dois primeiros filhos. Mudei-me para um duplex em East Washington, em Iowa City. O interior do lugar me lembrou um rústico pavilhão de caça. As paredes e o teto estavam manchados de marrom escuro. Lembro-me de deslizar para dentro do meu saco de dormir Coleman naquela primeira noite, me acomodando na minha esteira de dormir e pensando: "É isso, estou destinado a ser assim. Sozinho."

Reatamos depois de um ou dois meses. Depois tivemos os gêmeos.

Nas noites de sábado, caminhávamos até o George's, onde, depois de três cervejas, Deb mais uma vez me acusava de não amá-la o suficiente. E eu fazia o possível para despertar o antigo entusiasmo, mas não estava enganando nenhum de nós.

Ao longo dos 32 anos de nosso casamento, ela me expulsou de casa cinco vezes. Uma vez, subloquei um apartamento de porão de frente a um pequeno parque com uma quadra de basquete, o que foi uma grande vantagem. O porão estava cheio de pequenos vermes brancos que, quando morriam, se enrolavam como tatuzinhos.

Em outra ocasião, mudei-me para o Le Chateau, um complexo de apartamentos de aluguel barato. Havia uma piscina externa na propriedade, mas não estava aberta quando eu morava lá. Acho que não estava aberta há muito tempo, daí a lama preta e as folhas no fundo. Havia uma lavanderia, que era meu cômodo preferido no local. Uma única máquina de lavar que funcionava com moedas e uma única secadora. Estava sempre quente e bem iluminado, havia uma cadeira dobrável de metal e o ar sempre tinha um cheiro de limpeza.

Da última vez, a sexta, Deb não me expulsou. Eu mesmo saí. Cansado de nossa rotina de acusações e indignação, aluguei outro duplex em um bairro tranquilo na zona sul de Iowa City. Dividi o lugar com formiguinhas vermelhas. Elas gostavam muito da esponja que eu usava para lavar a louça. Eu fervia água e mergulhava a esponja nela para matá-las, depois jogava-as no ralo.

Eu não fiz nada neste apartamento. Não cozinhei, li ou ouvi música. Se eu chegasse em casa cedo do trabalho, ia para a cama. Se eu chegasse tarde em casa, ia para a cama. Eu me deitava sob meu cobertor azul e branco de pato, virava de lado e pensava: "Sim. Estou destinado a ser assim".

De acordo com o proprietário, a jovem que morava lá antes de mim já namorou o jovem que morava do outro lado da rua com os pais. Depois que ela terminou a relação, o jovem continuou a enviar mensagens de texto para ela. Ele até batia na porta dela em horários estranhos. Foi quando a jovem saiu que eu me mudei para o local.

Às vezes, quando estava escuro, eu olhava da janela da frente para aquela casa e pensava no jovem. Gostaria de saber como alguém deve encontrar o amor. Onde procurar? Como começar?

Nas manhãs de fim de semana, eu fazia caminhadas pelo bairro. Ainda estava frio o suficiente para precisar de gorro e jaqueta. Um dos meus vizinhos tinha um local para troca de livros. Escolhi uma coleção de contos de Kafka e, mais tarde naquele dia, sentei-me nos degraus de concreto da frente de casa e comecei a ler.

Mas continuava pensando em Deb. Ficava pensando em como ela gostaria desse bairro tranquilo e de classe trabalhadora. Com o local para troca de livros e as formigas vermelhas. E o Cinema Sycamore perto o suficiente para ir caminhando até lá. E nenhum som de trânsito. E grandes árvores de folha caduca. E degraus da frente instáveis. E ar fresco. E sol quente.

Liguei para ela e perguntei se ela queria tomar um café. Sentamo-nos na mesinha da cozinha e tomamos nosso café. Ela disse que gostou da minha casinha. Ela gostou dos meus degraus instáveis na frente.

Sempre pensei em Deb onde quer que eu estivesse. Com quem estivesse. Sempre que experimento algo bom. Eu quero que ela experimente a mesma coisa. Não suporto assistir a um bom filme sem ela. Vou sair depois de meia hora se não puder me virar para ela no escuro e sussurrar: "Isso não é ótimo?" Não posso andar de moto nas Montanhas Rochosas. Não consigo entrar em uma pequena lanchonete com assoalho de pinho desgastado e uma velha caixa de torta com fatias de doce de banana dentro. Não posso pegar um voo sem desejar que ela ocupasse o assento ao meu lado.

Acho que temos uma ideia errada do casamento. Não é como administrar um negócio, onde há créditos e débitos registráveis. Ou comprar uma casa, onde você paga sua hipoteca ou a perde. Ou ter um animal de estimação, onde, em troca de companhia, você é obrigado a alimentá-lo, levá-lo para passear e limpar sua sujeira.

É mais como aprender, depois de mil ressacas, a parar de beber tanto. Ou aprender, depois de ter sido falso muitas vezes, a ser verdadeiro uma vez só, na esperança de poder continuar sendo verdadeiro. Ou aprender, depois de se odiar habitualmente, a se amar apenas uma vez, na esperança de continuar se amando. E então aprendendo, amando a si mesmo, a amar outra pessoa.

Eu sempre amarei Deb. Mesmo quando ela me odeia. Mesmo quando eu a odeio. Não porque ela é especialmente indulgente. Ou bonita. Ou uma companhia agradável. Ou culta. Ou espiritual. Não por ela poder ou não ser uma dessas coisas. Amá-la não é transacional. Eu a amo porque não posso evitar. Há algo nela que me deixa fraco. Algo vulnerável e invencível. Algo fugaz e imóvel.

Depois de alguns meses na casa com degraus instáveis, voltei a morar com Deb. Em breve, estarei sozinho à beira do sono. Assim como estou sozinho no limite de todas as coisas. É assim que eu sou. Talvez todos sejamos assim. Ainda sozinho. Esperando. E ainda apaixonado. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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Estadão
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