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Estudantes com mais de 30 anos apontam desafios no mercado de estágios

Na concorrência com candidatos mais jovens, estagiários usam experiência em seu favor; especialistas veem preconceito etário diminuir com programas de diversidade

10 out 2021 - 05h11
(atualizado em 11/10/2021 às 15h27)
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A caminhada de Adriana Renosto, de 31 anos, até o estágio como estudante de Psicologia foi marcada por um drama pessoal. Mulher negra, mãe de duas meninas e casada, ela já era graduada em Recursos Humanos quando decidiu cursar a segunda graduação, após sua primeira filha ser diagnosticada com leucemia, em 2015.

O apoio de uma psicóloga, além de ajudar a enfrentar aquela fase, relembrou a Adriana o sonho antigo de seguir a profissão, após a conclusão do tratamento em 2018. Anos depois, ao buscar uma vaga como estagiária já mais velha, ela percebeu que as vivências da maternidade, tão decisivas em sua vida acadêmica, poderiam ser consideradas uma barreira para o mercado.

"Eu cheguei a temer não passar no processo (seletivo) por essa questão. Eu tenho duas filhas, uma com menos de um ano, e cheguei a participar de processos seletivos em que os recrutadores questionavam: 'Se seu filho tiver febre, o que você vai fazer?'", diz ela, lamentando que este seja um tipo de resposta geralmente exigida apenas para as mulheres. "Tive que quebrar muitos paradigmas, internamente mesmo, para viver esse sonho de acreditar que eu posso vir a ser uma psicóloga."

As dificuldades e expectativas da vida adulta que preocuparam Adriana, atualmente estagiária no setor de talent acquisition da Corteva, empresa agrícola em São Paulo, também estiveram presentes na trajetória do estudante de Marketing Victor Laeber, de 33 anos, que estagiou no primeiro semestre deste ano. Com a pandemia abalando a estabilidade de uma carreira nas áreas de comércio exterior e de fotografia, em Vitória (ES), ele resolveu fazer, em 2020, o curso com que sonhava. Já que receberia uma bolsa-estágio, reorganizou as finanças e enfrentou o desconforto de lidar com a expectativa dos amigos.

"A sensação é que, aos 30 anos, nossa vida já deveria estar totalmente resolvida. Então, isso pode, sim, gerar uma insegurança. Foi um pouco estranho explicar para os amigos, que já estão estabelecidos em suas profissões, os motivos de eu ter escolhido recomeçar como estagiário. No começo, sentia um pouco de desconforto, mas, à medida que eu explicava o porquê de tomar essa decisão, todos me apoiaram", conta Laeber, contratado em agosto como analista de marketing do clube de vinhos Wine, após oito meses de estágio.

Reflexo de programas de diversidade e inclusão

Os cadastros de estudantes acima de 30 anos têm crescido nos recrutamentos para estágio, ainda que sejam um porcentual menor diante dos outros universitários. Dados da plataforma Companhia de Estágios, levantados a pedido do Estadão, mostram que em 2018 havia 5.802 estudantes com mais de 30 anos cadastrados no banco de empregos, sendo que 167 tinham sido aprovados em estágios (2,9%).

O número de cadastros e o porcentual de aprovados foram aumentando ano a ano e, neste ano, até setembro, o volume de aprovados já é de 4,4%: são 304 estagiários contratados no montante de 6.879 cadastros de universitários com mais de 30 anos. Segundo a Companhia de Estágios, esses números também são reflexo do aumento de programas de diversidade e inclusão nas empresas, que combatem o preconceito etário.

Segundo o especialista em Mercado da Longevidade e CEO da MaturiJobs, Mórris Litvak, a idade pode representar uma barreira inicial, mas o mercado está realmente mais aberto nos últimos anos.

"A idade avançada ainda é uma barreira de forma geral. Porém, as empresas estão começando a se abrir bastante para essa questão etária. A gente vê que a diversidade geracional tem interessado, é um assunto que está em pauta, principalmente em empresas grandes, onde a diversidade e a inclusão já são mais trabalhadas em outros pilares", avalia.

A concorrência com colegas mais jovens tem tido como aliada a experiência adquirida antes do estágio. Victor Laeber, ao relembrar seu primeiro estágio, vê a maturidade como a maior vantagem de ser estagiário aos 30 anos.

"Quando se tem 18 anos, a gente não sabe o que quer da vida, mas nos sentimos obrigados a definir todo o trajeto. Depois dos 30, a gente pode até não saber o que quer, mas sabe o que não quer. A maior vantagem é saber lidar com situações que, quando se é novo, a gente ainda não conhece. Confiança, inteligência emocional e habilidades de negociação só vêm com o tempo."

Para Adriana Renosto, a ideia de conviver com um colega estagiário quase dez anos mais jovem chegou a causar o temor de um choque de gerações, mas a maturidade e a colaboração mútua no cotidiano superaram qualquer barreira. "Tive a oportunidade de trabalhar em outras empresas como funcionária, então eu acho que eu tenho cautela suficiente para lidar com várias situações, com pessoas diferentes."

O CEO da Companhia de Estágios, Tiago Mavichian, aponta como produtiva a diversidade geracional no ambiente de estágio. "Existia uma crença de que seria complicado uma pessoa mais velha se reportar a uma pessoa mais nova. Essa crença está sendo superada e esse não é um tema que aparece mais nas reuniões de alinhamento. Um ponto de atenção continua sendo criar o melhor entrosamento entre as gerações, independentemente de um X liderar um Y ou o contrário."

Estagiário depois dos 50 anos

Para além dos estagiários de 30 anos, o mercado também se depara com transformações que têm trazido pessoas ainda mais velhas a mercados em que não atuavam. É o caso da bacharel em Direito Fábia Ribeiro, de 58 anos, que ingressou em uma vaga de estágio aos 56 anos, por meio de um programa para estagiários 55+, em Recife.

O sonho da advocacia havia sido um desejo adiado pela necessidade de criar a filha ainda pequena. "Na minha geração, o casamento ainda falava um pouquinho mais forte. Eu casei, e precisei trabalhar." Após quase três décadas trabalhando com finanças, ela ficou desempregada. A atuação no escritório da filha, advogada, e no Patronato Penitenciário de Pernambuco foi uma preparação para o estágio, descoberto por acaso no grupo de Whatsapp da faculdade.

Por se considerar fora do "estereótipo de estagiária do Direito", a então estudante não cogitava estagiar até conhecer a iniciativa da empresa. "Eu trabalhava em dois horários, como eu iria conseguir estágio? E com a idade que eu tinha, como é que eu iria conseguir também? Eu sou uma mulher negra. Estou fora totalmente do estereótipo porque eu não sou branca, rica ou de classe média alta. Eu sou provedora."

A experiência de um ano e meio de estágio, finalizado em setembro de 2020, foi marcante na vida da recifense. Fábia foi a primeira estagiária do Programa Longevidade, da Martorelli Advogados, elaborado em 2019 com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades para estagiários.

"Antes do programa, a gente não recebia currículos de profissionais para estágio acima de 55. Então, a gente precisou fazer parcerias para poder identificar esses profissionais que estão na faculdade hoje e têm uma idade mais madura", conta Fernanda Martorelli, coordenadora do projeto.

Sobre a passagem de Fábia, Fernanda é só elogios. "Foi uma experiência excepcional, não só pela idade que ela tinha, mas especialmente pela pessoa que ela é e pela contribuição que ela deu no escritório, juntamente com a equipe que a acolheu", comemora.

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Estadão
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