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Coronavírus

'O vírus da covid-19 não é bobo', diz especialista em gestão de saúde

Apesar de considerar que há mais preparo para enfrentar a Ômicron, médica adverte que novas variantes poderão surgir enquanto houver continentes inteiros sem cobertura vacinal

15 jan 2022 - 05h10
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RIO - Médica e especialista em gestão de saúde, Ana Maria Malik, coordenadora do FGV-Saúde, está otimista. Ela reconhece a gravidade da onda de Ômicron e o impacto que ela provoca no sistema de saúde. Acredita, porém, que, além de vacinados, estamos mais bem preparados para enfrentar a nova variante do coronavírus.

"Estamos vivendo essa onda com pelo menos algum know-how prévio sobre como enfrentar uma crise sanitária dessas proporções", afirmou, em entrevista ao Estadão.

Ana Maria acha que é momento de revermos algumas estratégias para a redução da disseminação do vírus. "Escola para criança é importante; jogo de futebol, não", exemplificou. A especialista alerta ainda que a chance do surgimento de novas variantes seguirá alta enquanto a vacinação não estiver disponível em todos os países. "O vírus não é bobo", diz.

Quais são as principais diferenças entre as ondas de variantes anteriores e a atual, de Ômicron?

São duas grandes diferenças. Agora, a população está vacinada. Não toda, mas muita gente. E agora os médicos já sabem o que fazer com os pacientes de covid-19.

No ano passado vimos o colapso do sistema de saúde em vários lugares. A senhora acha que isso pode se repetir?

O colapso, o caos que vimos em ondas anteriores, foi decorrente do fato de que houve muita necessidade de terapia intensiva. Dessa vez, embora haja mais casos, e a convivência com a influenza, a necessidade de terapia intensiva é menor. Aprendemos a tratar os pacientes. Estamos vivendo essa onda da Ômicron com pelo menos algum know-how prévio sobre como enfrentar uma crise sanitária dessas proporções.

Há menos internações, mas as emergências estão lotadas. Qual o impacto disso? Essas pessoas todas precisavam ir ao hospital?

As pessoas se sentem seguras indo para os serviços de emergência porque estão no hospital, acham que ali há toda a infraestrutura necessária para atendê-las. Quando discutimos planejamento de unidades de emergência, nós, que trabalhamos com gestão de saúde, levamos sempre em conta que existe a urgência do ponto de vista da saúde e a urgência do ponto de vista do cidadão.

Falta orientação?

A questão da orientação é que existem dois lados: o que dá e o que aceita. Precisaríamos saber até que ponto as pessoas se sentiriam seguras com essas orientações. Essa questão das emergências lotadas não é um fenômeno da pandemia, da covid. Em muitos países, e o Brasil é um deles, as pessoas acham a atenção primária boa, gostam do médico da família, mas se sentem mais seguras no serviço de emergência. Nem sei se elas têm razão, mas é como se sentem.

Muitos profissionais de saúde estão com covid-19, afastados de seus trabalhos. Em algumas unidades temos baixas de até 20%. Qual o impacto

Sim, esse número é muito alto, sobretudo em janeiro, quando boa parte das equipes está de férias. Todos os profissionais que estão nos serviços de saúde ou em contato com a população correm risco de contágio. O que mais chama atenção no caso dos profissionais de saúde é que eles sabem direitinho como se proteger, as precauções que têm que tomar. E ainda assim estão se infectando. Isso mostra que a exposição está bem pesada. Além disso, há o fator estresse e o fator cansaço. Em janeiro de 2021, eu falei que estávamos no décimo-terceiro mês de 2020. Agora, só não digo que estamos no 25º mês de 2020 porque temos a vacina.

A Ômicron é, disparado, a mais transmissível das variantes. Estamos com uma taxa altíssima de disseminação do vírus. Não era hora de adotarmos de novo algumas medidas de restrição?

As pessoas não aguentam mais. Alguns países voltaram, se não ao lockdown, a algumas medidas restritivas. No réveillon, a única capital que manteve a festa sem restrições foi Madrid. Todas as outras tiveram restrições, como Nova York, Paris. E no Rio também. Até teve fogos, mas nada comparável aos anos anteriores.

Mas o que estamos vivendo hoje não é, em parte, decorrente dos encontros do fim do ano? Isso não foi previsto?

Sim, o que estamos vendo hoje ainda é a ressaca de Natal e Ano Novo. E também das férias de fim de ano. Com certeza foi previsto. Todo mundo sabe que nos encontros familiares o risco é maior. Algumas foram mais cautelosas, se testaram antes. Mas muitas acabaram se contaminando.

Não seria o momento de adotarmos novas medidas restritivas?

Acho que é o momento de rever o que vamos fazer. Por exemplo, jogo de futebol não é necessário. Escola para criança é necessário. Hoje em dia, entendemos melhor o que está acontecendo, temos mais controle da situação, então podemos tomar decisões mais consequentes. Possivelmente teremos alguma restrição para o Carnaval. Até porque não é só Ômicron. É Ômicron e influenza.

Sim, e ainda temos a questão da falta de testes...

Não entendo bem porque as pessoas querem saber se é Ômicron ou influenza. Se está sintomático, fica em casa. Isto é, se você puder ficar em casa. Na nossa realidade, o difícil é poder ficar em casa. Ou ter uma casa para ficar.

Alguns especialistas acham que a Ômicron pode ser a derradeira variante, apontando para o fim da pandemia, por conta de sua alta transmissibilidade. A senhora concorda?

Acho que é uma análise otimista, apropriada para o momento. Mas só queria lembrar que influenza tem todo ano. Então, provavelmente, teremos algum corona todos os anos também, mas com consequências menos graves do que em 2020 e 2021. Mas enquanto não houver disponibilidade real de vacina para o mundo todo, enquanto houver países, continentes inteiros, sem cobertura vacinal, o risco do surgimento de novas variantes não é pequeno. O vírus não é bobo.

Estadão
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