Primeiro dia de julgamento da trama golpista tem ausência de réus, bate-boca e firmeza do STF
Jair Bolsonaro e sete aliados começam a ser julgados no STF nesta terça-feira, 2; confira o que foi dito nas sessões
Tratado com prioridade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e reconhecido internacionalmente como um feito histórico, começou nesta terça-feira, 2, o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e de sete aliados apontados como "núcleo crucial" na ação penal que apura uma tentativa de golpe de Estado. O dia contou com duas sessões extraordinárias marcadas por ausência de réus, bate-boca entre advogados e ministros e firmeza da Corte nos pronunciamentos. Confira destaques.
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Abertura do julgamento: ausência de réus e Moraes firme
A defesa de Jair Bolsonaro cumpriu com o que tinha confirmado ao Terra: o ex-presidente não compareceu ao julgamento nesta terça. O ex-presidente está em prisão domiciliar desde o último dia 4, há quase um mês, mas pode comparecer presencialmente às sessões, desde que solicite autorização ao Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro não foi o único a decidir acompanhar de longe. Dos outros sete réus, apenas Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, acompanhou o dia de abertura do julgamento ao lado de sua defesa.
A primeira sessão foi de 9h às 12h, sendo aberta pelo ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma que explicou como seguirão os ritos. Depois, o relator Alexandre de Moraes leu o relatório do caso e o procurador-geral Paulo Gonet reforçou as acusações por uma hora.
Moraes iniciou sua fala com um breve discurso em defesa da atuação da STF e da soberania brasileira, como tem sido de costume. Ele também criticou pressões internacionais -- sem citar diretamente os Estados Unidos, que seguem entrave político-econômico com o Brasil -- e se posicionou contra os defensores da anistia para os envolvidos nos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro.
"A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação", afirmou Alexandre de Moraes, que ainda alertou que a impunidade pode incentivar novas tentativas de golpe.
Em paralelo ao julgamento da trama golpista no STF, cresce a pressão para que a anistia seja pautada na Câmara. Para o feriado de 7 de Setembro, por exemplo, são esperados protestos em todas as capitais do Brasil em prol da questão.
Sobre o julgamento, em si, Moraes afirmou que as investigações descobriram "uma verdadeira organização criminosa" que tentou coagir o Supremo e submetê-lo "ao crivo de outro Estado estrangeiro". Caso haja qualquer "dúvida razoável sobre a culpabilidade", os réus serão inoceitados. O ministro garantiu que a Corte irá analisar as provas com base no devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Gonet reforça denúncias e 'some'
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi o segundo a falar. Com firmeza, ao reforçar a denúncia apresentada, ele disse não ser preciso "esforço intelectual extraordinário" para se reconhecer que um golpe de Estado estava em curso. Para ele, todos os personagens do processo são responsáveis pela tentativa de interferir no processo constitucional de sucessão, com o intuito de manter Bolsonaro no poder após a derrota eleitoral de 2022.
Depois, ele "sumiu" e sua ausência foi criticada por apoiadores de Bolsonaro. Gonet deixou o julgamento após apresentar sua fala pois tinha um compromisso internacional, explicou o subprocurador-geral, Paulo Vasconcelos Jacobina.
“O dr. Paulo Gonet tinha um compromisso internacional já marcado há alguns meses. Ele está em busca de uma das pautas importantes para ele, que é o combate à violência infantil. Teve que ir ao exterior”, detalhou o subprocurador-geral, que ficou escalado para acompanhar o julgamento durante a tarde.
Tarde com defesas: Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres
A segunda sessão do julgamento aconteceu durante a tarde, de 14h às 18h, e foi dedicada às sustentações orais das defesas dos réus. Cada um teve uma hora para trazer suas alegações e, por enquanto, falaram os advogados de Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres.
Ainda há 6 sessões previstas para o julgamento e faltam falar as defesas de Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Só depois os ministros da Primeira Turma do Supremo apresentarão seus votos -- começando com Moraes e seguindo a ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Colaboração premiada foi pauta
A colaboração premiada de Mauro Cid, tenente-coronel que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi posta à prova e também defendida ao longo do primeiro dia do julgamento.
Moraes defendeu a delação de Mauro Cid ao abrir o julgamento. Em sua fala, ele afirmou que o acordo de colaboração premiada ocorreu "com máxima observância dos requisitos legais" e frisou que Cid o fez "por livre e espontânea volta de, sempre com orientação e acompanhamento de seus defensores".
A defesa de Cid seguiu a linha de que o acordo "preencheu todos os requisitos de validade, eficácia e efetividade, e como tal foi homologado e ratificado pelo colaborador e por essa Suprema Corte", rejeitou acusações de supostas omissões e negou coação em torno da delação. Além disso, pediram pela absolvição e a manutenção integral dos benefícios da colaboração -- destacando que Cid não teria participado de reuniões golpistas, nem incentivado atos de violência.
A PGR defende a aplicação proporcional dos benefícios, considerando o contexto que se deu a colaboração do tenente-coronel na investigação, mas Moraes segue firme: "Não há qualquer fato superveniente ou juridicamente relevante capaz de infirmar tal reconhecimento. Seria inaceitável que o colaborador fosse surpreendido com um pedido absolutamente desarrazoado da PGR no sentido de revisar unilateralmente os benefícios pactuados”, afirmou o delator.
Gonet, o procurador-geral, por sua vez, não deu o braço a torcer. Para ele, por mais que a delação do tenente-coronel tenha sido útil para o esclarecimento e aprofundamento dos fatos relacionados à investigação da trama golpista, a Polícia Federal descobriu a maior parte dos eventos de forma independente e a Procuradoria-Geral da República (PGR) precisou ponderar 'omissões percebidas’.
Gonet avaliou que o acordo de colaboração é negócio jurídico em que o réu reconhece a prática dos delitos e que, por isso, há "ser de se desprezar, por paradoxal, a negativa expressa no instante das alegações finais de participação no empreendimento criminoso delatado". "Não custa recordar que não existe entre nós a figura da mera testemunha premiada", finalizou.
Mais tarde, usando como base argumentos da própria PGR, a credibilidade da delação premiada voltou a ser questionada pelo advogado Demóstenes Lázaro Xavier Torres, defensor do almirante da reserva Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha no governo Bolsonaro.
“Os vícios apontados comprometem a credibilidade integral dos relatos [de Cid]. Eu pergunto: é possível convalidar essa delação? Ou ela tem que ser rescindida? Hoje, eu vi uma ginástica feita pelo procurador-geral da República para tentar dizer que, se ela for rescindida, os fatos permanecem hígidos [válidos]. Para quem? Só se for para a acusação", argumentou o advogado.
Não faltou bronca -- muito menos elogio
Enquanto alguns advogados seguiram uma postura mais combativa, outros optaram por aproveitar os minutos voltados às sustentações orais para elogiar o STF.
Foi assim com advogado Demóstenes Torres, que defende o ex-comandante Garnier Santos, que ficou 12 minutos amaciando o ego de todos os ministros da Primeira Turma. "Tenho como ídolo o senhor, com sua índole, seu caráter e seu trabalho”, afirmou, por exemplo, após elogiar a atuação de Zanin nos processos contra o presidente.
Eumar Roberto Novacki, que defende o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, também começou sua fala exaltando ao Supremo. Ele discorreu sobre a importância de instituições fortes e independentes para uma democracia, chamou os atos de 8 de janeiro de "vergonhosos" e afirmou que o Supremo deve cumprir a missão de guardião da Constituição "sem se pautar por questões políticas e ideológicas e sem se curvar, ministro Alexandre, a pressões internas ou externas".
Outras pílulas de descontração ao longo do primeiro dia foram protagonizadas pelos advogados de Mauro Cid, que dividiram o tempo de fala da defesa. Primeiro Jair Alves Pereira, que provocou risos ao citar áudios que falam mal de Moraes e brincar com a situação: "Vossa Excelência deve estar acostumada com isso”.
Depois, ao iniciar sua sustentação oral, o advogado Cezar Roberto Bitencourt falou: "Ministro Luiz Fux, sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático e atraente, como são os cariocas. É uma honra muito grande, uma satisfação imensa”. Em meio aos risos discretos no tribunal, o ministro Flávio Dino, que seria o próximo a ser cumprimentado, disparou: “Eu quero dizer que não aceito nada menos que isso”.
Já um dos momentos mais duros do dia foi protagonizado por Paulo Cintra, que defende o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, e entrou em uma discussão com a ministra Carmém Lúcia. O confronto aconteceu após o final da fala do jurista, quando a magistrada pediu licença para fazer uma correção e chamou a atenção de Cintra -- que a ficou interropendo.
“O nobre advogado fez muitas referências à campanha pelo processo eleitoral auditável. Mas Vossa Senhoria sabe a distinção entre processo eleitoral auditável e voto impresso. Por que o senhor repetiu como se fosse sinônimo, mas não é”, disse a ministra, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela explicou que o processo eleitoral brasileiro já é auditável desde 1996, quando as urnas eletrônicas foram implementadas.
Cintra retrucou, afirmando que confia na segurança das urnas e que apenas equiparou o voto impresso ao auditável em referências às falas do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no mesmo julgamento. “A minha opinião…”, disse o advogado, logo interrompido pela ministra: “Não se trata de opinião, é fato que o sistema eleitoral brasileiro é auditável. Ponto!”.
A defesa de Anderson Torres também foi interrompida durante o julgamento. Isso porque o advogado Eumar Roberto Novacki tentou reproduzir um áudio que não havia sido previamente autorizado -- e Moraes o chamou a atenção, negando a reprodução do material.
Mais sobre o julgamento
O julgamento que teve início nesta terça-feira gira em torno da Ação Penal 2668, que tem o ex-presidente e outros sete aliados como réus. Eles são investigados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, dano ao patrimônio público e outros crimes -- sendo Bolsonaro apontado como o líder e principal beneficiário da trama golpista. Essa é a primeira vez que um ex-presidente da República é julgado por tentativa de ataque à democracia.
É possível acompanhar a transmissão pelos canais oficiais do STF -- TV Justiça, Rádio Justiça, aplicativo Justiça+ e o canal do Supremo no YouTube. O portal Terra também transmite as sessões, assim como publica detalhes do julgamento e de seus bastidores.
Confira as datas e horários das próximas sessões:
- 3 de setembro (quarta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h;
- 9 de setembro (terça-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e sessão ordinária das 14h às 19h;
- 10 de setembro (quarta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h;
- 12 de setembro (sexta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e das 14h às 19h.




