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Polícia

PR: Gaeco diz que governo 'passa a mão na cabeça' de policiais investigados

Prefeito indiciado por morte de dono de jornal teria conseguido transferências de delegados após ser investigado

24 mai 2013 - 17h01
(atualizado às 17h15)
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Promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) acreditam que o governo do Paraná, através da cúpula de Segurança Pública (Sesp), esteja atuando para o enfraquecimento do núcleo de investigação como represália à investigações desencadeadas pelo órgão envolvendo policiais e políticos do Estado.

A relação entre o Gaeco e a Sesp, que já não era estável desde o início do governo Beto Richa (PSDB), se deteriorou ainda mais a partir do inicio de abril após a convocação do delegado geral da Polícia Civil do Paraná, Marcus Vinicius Michelotto, para depor em uma investigação que apura suposta corrupção na polícia paranaense, através de uma rede de extorsão que envolveria delegados e policiais. A operação - batizada de Vortex em referência a tradução da palavra em inglês que significa redemoinho, furacão ou turbilhão - prendeu, em Curitiba, dois delegados - um deles membro do Conselho da Polícia Civil - e um investigador.

Embasada em oito meses de investigações, a operação do Gaeco surpreendeu o secretário de Segurança, Cid Vasques, e o próprio governador, que souberam  da operação durante o seu transcurso. Irritado, Vasques reclamou publicamente ao procurador-geral do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Gilberto Giocoia, durante evento contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, realizado na sede do MP, cobrando a quebra de confiança entre o núcleo de investigação e a Sesp. "Quem trabalha em cooperação deve um mínimo de lealdade ao seu parceiro, e determinadas ações barulhentas em nada aperfeiçoam a política estadual de segurança pública", disse o secretário.

Dias depois, na mesma linha de crítica, o delegado geral da Polícia Civil, em entrevista a uma rádio da capital, reclamou que "a grande maioria da instituição (Ministério Público) nunca moveu uma palha para ajudar a Polícia Civil. Parece que é todo mundo contra a Polícia Civil". Michelotto chegou a comparar o trabalho do MP e da polícia, ao indagar "aonde a população procura, quando está com uma angústia: é uma delegacia ou o Ministério Público?". Na entrevista, o delegado comentava a votação da PEC 37 - que limita o trabalho de investigações às polícias - à qual é favorável.

Com liberdade provisória concedida pela Justiça, um dos delegados presos e o investigador voltaram ao trabalho em uma delegacia da região metropolitana da capital. O outro delegado também deve ser reintegrado ao serviço na próxima semana. A Policia Civil informou que não existe determinação judicial para o afastamento dos policiais. O coordenador estadual do Gaeco, Leonir Bastiti, disse ter ficado perplexo com o retorno dos policiais ao trabalho e informou que o órgão pode pedir o afastamento deles na justiça. As investigações do Gaeco no caso estão em fase de conclusão.

Inimigo

O posicionamento de Vasques e do delegado geral incomodaram coordenadores do Gaeco no Estado, que resolveram partir para o contra-ataque, mesmo com a posição desfavorável do coordenador estadual do órgão, Leonir Batisti, que pretendia resolver a situação sem o conhecimento público. Apesar de admitir a existência de problemas de relacionamento entre os órgãos, Batisti se limitou a dizer que "existem percalços burocráticos que estamos tentando resolver, no momento, internamente".

Em Maringá, o coordenador do Gaeco na região, Laércio Januário de Almeida, assumiu postura inversa e lançou dúvidas sobre as intenções das autoridades responsáveis pela segurança pública. “Os interesses destas pessoas (referindo-se a membros da cúpula da Secretaria de Segurança) estão se desgarrando da finalidade pública, que é a legalidade, a obrigatoriedade, a probidade e a eficiência", disse Almeida. Para ele, “a Polícia Civil vê o Ministério Público como inimigo e nós vemos a Polícia Civil como parceira". No entendimento de promotor, "em tempos piores nós tivemos muito mais apoio, mais respeito e mais relação institucional".

Almeida criticou ainda as providências adotadas pela Sesp em relação aos policiais investigados pelo Gaeco nos últimos anos. "Toda ação do Gaeco e do Ministério Público, que tem envolvido policiais, a atitude da cúpula da Polícia Civil e da Sesp não foi outra a não ser de passar a mão na cabeça. Não foi outra, a não ser de virar furiosamente críticas inveteradas e levianas acusações contra o Ministério Público, como que duvidando do trabalho do Gaeco, quando envolve um policial", disse.

O promotor comentou ainda as declarações do delegado geral e disse que "quando o cidadão é vitima de corrupção, violência policial, tortura, extermínio e tudo mais envolvendo a polícia, ele não procura a polícia. Ele procura o Ministério Público". O representante do MP disse que o Gaeco quer trabalhar em conjunto com a polícia. "Mas com o lado bom da polícia, como parceira para somarmos esforços para ser a comunidade. O crime está se organizando e crescendo assustadoramente, enquanto os poderes e instituições estão se digladiando", disse ele.

Relação conturbada

O relacionamento entre membros do Gaeco e da Secretaria de Segurança Pública começou conturbado no inicio do atual governo e o desgaste vem se intensificando nos últimos anos. Logo que assumiu o mandato, o governador paranaense editou um decreto determinando o retorno de servidores públicos às suas lotações de origem, incluindo policiais que atuavam no Gaeco. Na época, descontentes com a medida, promotores citavam  três motivos para manter a permanência das equipes: confiança, capacitação e continuidade.

O governo se defendia afirmando que o Gaeco não era subordinado à Sesp, sendo um órgão do Ministério Público e que os policiais deveriam ser recadastrados. Após muita polêmica, o governo recuou e decidiu junto com a Procuradoria do MP,  institucionalizar a parceria envolvendo as polícias Civil e Militar, auditores da Secretaria da Fazenda e promotores. O decreto foi assinado no ano passado, tornando oficial e permanente a  cooperação e determinando que a Sesp disponibilizaria além de policiais, equipamentos necessários para o Gaeco.

Passado um ano da assinatura do documento, coordenadores do Gaeco afirmam que o governo não está cumprindo sua parte no acordo e acreditam na existência de uma ação deliberada para enfraquecimento do Gaeco, motivada como represália às investigações envolvendo delegados, policiais e políticos ligados ao governo paranaense. Promotores afirmam que a estratégia adotada pelo governo tem o  objetivo de isolar e dificultar  as investigações do núcleo,  colocando  empecilhos para cessão de pessoal e equipamentos.

Os promotores suspeitam que até mesmo as transferências, ocorridas no final do ano passado, de dois delegados que atuavam nos núcleos do Gaeco em Cascavel e Foz do Iguaçu, foram realizadas como retaliação. Os delegados estavam envolvidos na investigação de um crime contra um proprietário de um jornal na região e indiciaram o então candidato e atual prefeito de Santa Terezinha do Itaipu, Cláudio Dirceu Eberhard, como um dos mandantes do crime. Eberhard pertence ao PSDB, mesmo partido do governador Beto Richa.

O delegado Ilson Campaner que atuava no Gaeco de Cascavel,  foi transferido para Toledo, após presidir o inquérito contra Eberhard. O delegado do Gaeco em Foz do Iguaçu, Alexandre Rorato, que atuava no núcleo desde 2003, foi transferido para Barracão, na fronteira com a Argentina, após tomar o depoimento do atual prefeito, em cumprimento a uma carta precatória.

O coordenador do Gaeco em Foz, Osvaldo Simioni, credita a transferência de Rorato a reclamação apresentada por Eberhard ao governo. O promotor afirma que os dois delegados "foram removidos por ofício, sem direito à defesa, e pior: trazendo para os policiais o temor de que amanhã ou depois, conforme a autoridade que investigar, corre o risco de ser transferido”. “É um precedente muito perigoso", diz ele, revelando que alguns policiais pediram para sair do núcleo após a transferência de Rorato.

Desde a saída de Rorato, o  Gaeco de Foz do Iguaçu permanece sem delegado. A Sesp chegou a oferecer um delegado para atuar no núcleo, desde que o policial acumulasse a chefia da delegacia de Narcóticos, o que foi rejeitado pelo Gaeco. O órgão exige exclusividade para evitar que, em uma suposta operação, o policial atue na investigação de companheiros de serviço. Além de Foz, o Gaeco de Guarapuava também está sem delegado. Em Cascavel, o delegado que sucedeu Simioni foi nomeado com portaria prevendo a data de seu desligamento. Os promotores condenam esta prática, afirmando que "o prazo de validade da nomeação" pode causar insegurança para que o profissional desempenhe seu trabalho.

No inicio de abril, em Maringá, no interior do Estado, a portaria para reposição de um policial na equipe de apoio ao núcleo local foi revogada no dia da apresentação do servidor, sem qualquer explicação. A revogação ocorreu dias após a realização da Operação Vortex. O processo para transferência do policial estava tramitando há três meses na Secretaria de Administração. "Não vejo com bons olhos a revogação arbitrária e imotivada desta portaria", afirma o coordenador do Gaeco em Maringá, Laércio Januário de Almeida.

Além da ausência policiais, coordenadores dos Gaeco no Paraná reclamam da falta de estrutura para  o desenvolvimento de investigações. "Qualquer detetive particular tem equipamentos mais sofisticados que o Gaeco, que não dispõe nem mesmo de simples receptores de GPS", afirma o promotor Almeida. "O governo fala em treinamentos pirotécnicos com o FBI (sigla em inglês que se refere ao Escritório de Investigação Federal dos EUA) para policiais e delegados que mal falam sabem falar o português. O que é necessário é fornecer condições básicas para o trabalho", afirma o coordenador do Gaeco em Maringá, revelando que os núcleos não contam nem mesmo com equipamentos básicos como câmeras de fotografia e filmagem.

Via de mão dupla

O secretário de Segurança do Paraná, Cid Vasques, nega que as ações adotadas pela Sesp ocorram em retaliação às operações do Gaeco, como acreditam coordenadores do núcleo de investigação. Segundo ele, o ato de cooperação assinado entre o MP e o governo do Paraná não provocou a vinculação da pasta ao MP e a Sesp atende o órgão de acordo com as possibilidades.

Para o secretário, o número de policiais colocados à disposição do Gaeco é "satisfatório e superior" em comparação ao número de policiais existentes em pequenos municípios do Estado.

Ele informou que a Sesp disponibiliza atualmente 22 policiais civis e 36 militares para o Gaeco e que está reavaliando esta situação. "Essa é uma via de mão dupla, na qual esses policiais, amanhã voltam para suas corporações e toda essa experiência adquirida será levada a suas unidades, tendo um efeito multiplicador. Por isso, não sei o porquê desse tipo de insatisfação. Quando tivermos de mexer, vamos mexer. Porque isso é uma prerrogativa da Segurança Pública. Não existe cessão de servidor “ad eternum” (eternamente), sem prazo definido. Toda cessão tem um prazo determinado", afirma o secretário.

Vasques também negou a interferência política nas investigações do órgão. De acordo com ele, os delegados de Foz do Iguaçu e Cascavel foram transferidos porque estavam sendo processados pela corregedoria. "Era um caso envolvendo a divulgação de uma notícia de um candidato do qual não vou me recordar agora. Mas esse processo tramitou na Justiça Eleitoral. O corregedor entendeu que essa foi uma atitude que desqualificava os policiais a trabalharem no Gaeco. Essa decisão foi chancelada pelo Conselho da Polícia Civil e eu dei curso a essa decisão. Isso faz parte do controle interno da Polícia Civil e não cabe ao Ministério Público questionar", disse o secretário. A denúncia na corregedoria foi feita pelo atual prefeito de Santa Terezinha do Itaipu, Cláudio Eberhard.

O secretário informou que a  remoção do delegado Rorato para Barracão ocorreu por ausência de delegados naquela cidade. Na avaliação de Vasques, não houve penalidade, mas necessidade da transferência. "O mais curioso é que ele acabou recebendo um elogio pela atuação em Barracão. Então, para ele, acabou sendo um prêmio", afirmou o secretário. Levantamento feito pelo Terra revela que Rorato permaneceu pelo período de dois meses em Barracão, sendo transferido em fevereiro deste ano para Cascavel e em março para Guarapuava, onde atua atualmente na 14 Subdivisão Policial.

Vasques defende ainda o compartilhamento do trabalho de policiais cedidos ao Gaeco, tese classificada como "inaceitável" por coordenadores do núcleo. "Havendo necessidade, porque eu não vejo problema nisso. Até porque o Gaeco faz investigações eletivas. Hoje, temos 33 comarcas sem delegados. Se for preciso do compartilhamento (para suprir essa demanda), haverá mais indicações dessa forma", fala ele, referindo-se a indicação de um delegado do Denarc de Foz do Iguaçu para acumular o trabalho no Gaeco.

O secretário diz que sua pasta investe constantemente na parceria com o Gaeco e anunciou que nos próximos dias a Sesp vai promover um curso ministrado por membros do FBI para todos os policiais cedidos ao núcleo, visando o aperfeiçoamento da Segurança Pública.

Problemas pontuais

Em nota oficial, a Procuradoria Geral do MP, admite que a parceria mantida com o governo do Paraná esteja passando por "alguns problemas pontuais" que estão sendo solucionados junto à Sesp. No texto da nota, o procurador geral Gilberto Giocoia sustenta que  "a atuação do Gaeco representa uma ação conjunta do governo do Estado com o Ministério Público no combate ao crime organizado, pela qual se busca alcançar os tentáculos dessas organizações criminosas tão nefastas à vida dos paranaenses. O Ministério Público tem certeza de que a Secretaria de Segurança Pública continuará a dar cumprimento ao contido no Decreto Governamental que regulamentou a atuação do Gaeco e que foi editado pelo próprio governador Beto Richa, mostrando, assim, sua vontade política da existência plena dessa importante célula estatal de combate ao crime organizado no Paraná". 

Fonte: Especial para Terra
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