PUBLICIDADE

Polícia

Carandiru: 'não havia outra possibilidade', diz PM sobre armas

Um dos comandantes da ação no presídio reafirma ter ouvido tiros e lembra "revide imediato"

19 abr 2013 - 18h40
(atualizado às 21h30)
Compartilhar
Exibir comentários
<p>O julgamento do massacre do Carandiru começou na segunda-feira no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste)</p>
O julgamento do massacre do Carandiru começou na segunda-feira no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste)
Foto: Fernando Borges / Terra

O major da reserva da Polícia Militar (PM) Aércio Dornelas Santos, um dos 26 acusados de participação no episódio que ficou conhecido como  massacre do Carandiru - quando 111 presos da Casa de Detenção de São Paulo foram mortos -, disse nesta sexta-feira, no quinto dia do júri, que sua tropa só atirou contra os detentos após ouvir tiros e ver "clarões" provenientes dos disparos, supostamente efetuados pelos prisioneiros. "Foi um revide imediato", afirmou, em depoimento no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista. 

Como funciona o Tribunal do Júri
Carandiru: júri de PMs ocorre mesmo sem perícia em armas

"Fiquei com sangue até o meio da canela", diz perito do Carandiru
Carandiru: "não há como condenar; nem todo mundo matou", diz defesa
Acusação destacará elo entre massacre do Carandiru e criação do PCC

Dornelas era tenente e um dos dois oficiais que comandava o pelotão do 1º Batalhão de Choque (Rota), acionado para ocupar o pavilhão 9, após uma briga entre presos de facções rivais dar início a um tumulto, no dia 2 de outubro de 1992. Ele e outros 25 PMs são apontados como responsáveis por 15 mortes ocorridas no 1º andar. Devido ao tamanho do processo, o caso foi dividido de acordo com as mortes registradas em cada pavimento, sendo que outros três júris ainda precisam ser realizados. 

A Rota foi a primeira tropa da PM a entrar no pavilhão 9. Segundo Dornelas, logo na entrada, havia barricadas e focos de incêndio, o que prejudicou a visibilidade dos policiais, já que a energia elétrica também havia sido desligada. Ele disse ainda ter visto pelo menos três corpos na escada que dava acesso ao 1º andar. 

"Era uma situação de penumbra, baixa luminosidade, a luz vinha das janelas. (Havia) Muitos presos nos corredores. Ouvi gritos, ouvi estampidos. Foi um revide imediato", afirmou o policial, embora os sobreviventes sempre tenham negado que possuíam armas de fogo. 

O major admitiu ter atirado com seu revólver, mas disse que não usava metralhadora, nem ouviu rajadas. "Os embates foram no corredor, nas celas não. (...) Vi pessoas caídas, vi policiais feridos", disse. O PM afirmou que, embora tenha usado sua arma, não sabe se algum preso foi alvejado por ela. 

Ainda segundo o réu, a ação foi pensada para "neutralizar" a situação de perigo no local, e os PMs só entraram após receberem ordens do coronel Ubiratan Guimarães, responsável por toda a operação (morto em 2006).  "A Rota atua em todas as operações do Choque, mas dificilmente é usada, só em casos extremos", disse. 

Confrontos

Apesar de a acusação e os sobreviventes negarem que os policiais tenham sido atacados, Dornelas voltou a defender a tese de confronto. 

"Houve disparo de armas de fogo contra as tropas. Era necessário o uso de arma de fogo para neutralizar o perigo", reiterou o réu. "Aquele disparo não é uma tábua batendo na outra. Era tiro. Não havia outra possibilidade (senão disparar contra os detentos)", ressaltou, ao ser questionado pela Promotoria se eles não teriam confundido o barulho que ouviram. 

Mais cedo, o tenente coronel da reserva Ronaldo Ribeiro dos Santos, que também comandava a tropa, negou ter visto seus policiais atirarem contra detentos dentro das celas do Carandiru, e afirmou que apenas os detentos com postura "ameaçadora" foram mortos, nos corredores. A perícia, entretanto, aponta que a maioria dos tiros ocorreu dentro das celas, não nos corredores. 

O major Dornelas também negou que a PM tenha dificultado a entrada da Polícia Civil depois que o caso ocorreu, mas disse que é comum controlar a entrada de civis até que o "ambiente estivesse seguro.

Individualização

Outros dois réus foram ouvidos também nesta sexta-feira: o então sargento Marcos Antonio de Medeiros (atualmente reformado), que disse ter sido atingido por um pedaço de pau na cabeça; e o então soldado Marcos Ricardo Poloniato (atual capitão do Corpo de Bombeiros), que diz ter sido baleado no braço durante a ação. Em seus depoimentos, ambos confirmaram as versões dos comandantes da ação: de que teriam sido recebidos a tiros e, por isso, "revidaram" a ação. "Foi pela defesa da nossa vida", disse Poloniato. 

As perguntas feitas pela advogada Ieda Ribeiro de Souza, que representa o grupo, anteciparam a estratégia da defesa, que tenta comprovar que não é possível apontar quem atirou em quem naquele dia. Embora os quatro réus tenham admitido terem atirado contra os detentos, todos reforçaram que não sabem se os disparos atingiram alguém, mas afirmaram terem entregado suas armas para análise. 

Entretanto, a fala dos quatro réus apresentou contradições. Confrontados com seus depoimentos prestados à época, todos alegaram terem visto menos corpos que o declarado durante a fase de investigação. 

Outro ponto polêmico foi em relação ao ferimento sofrido pelo então soldado Poloniato. Em um dos laudos de corpo de delito, realizado pelo Instituto Médico Legal (IML), apresentado pelo Ministério Público, ele apresenta um ferimento de 0,5cm no antebraço esquerdo. Já no outro, elaborado pela própria PM, o ferimento aparece quase na altura dos ombros. 

Julgamento

Passados 20 anos do episódio que terminou com 111 presos mortos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, 26 policiais militares serão julgados pelo caso que ficou conhecido como Massacre do Carandiru.

Pelo menos 79 PMs acusados de envolvimento nas mortes aguardam julgamento. O único que recebeu a sentença foi o coronel da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, que coordenava a operação no dia do massacre, mas teve sua pena de 632 anos de prisão anulada em 2006, sete meses antes de ser assassinado.

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.

A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos. Nenhum deles a bala.

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade