Carnaval de SP: 1º dia de desfiles tem Cazuza, a história dos jogos e o luto que virou aquarela
Primeira noite teve Dragões, Mancha e Rosas de Ouro como destaques no Sambódromo do Anhembi
As escolas de samba do grupo especial de São Paulo fizeram um primeiro dia de desfile no Sambódromo do Anhembi, na zona norte da cidade, marcado pela valorização das religiões de matriz africana, homenagens ao cantor Cazuza, a importância dos jogos na história da humanidade e a canção Aquarela como enredo para cantar a vida e o luto. E até um enforcado que assustou os foliões.
O primeiro carro alegórico, extenso, passou pelo público puxado por três grandes cisnes, e preenchida por uma série de elementos rodantes e móveis - efeito que se repetiria nas demais alegorias seguintes.
Com menções diretas à canção Aquarela (Numa folha qualquer/Vou desenhar o meu castelo e Sonhar e perceber/Se um pinguinho de tinta cair no papel/Quem sabe, imaginar/Uma linda gaivota voando no céu) o samba-enredo, puxado pelo intérprete Renê Sobral, convidava o público a cantar pela esperança (Ainda é tempo de recomeçar). De refrão fácil, a música contagiou os foliões, que sustentaram um canto à capela quando a bateria fez a sua parada.
A segunda alegoria trouxe um compasso sobre um globo rodante, novamente remetendo à música - com um giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo - e também um barco à vela, navegando por uma representação de um mar. O terceiro carro, novamente, trouxe uma menção marcante às aeronaves, usadas na canção original de Aquarela como metáfora de um futuro que tentamos pilotar.
Mancha Verde explora a fé e o profano presentes na Bahia
A Mancha Verde foi a quarta escola a passar pelo Sambódromo. O enredo escolhido pela bicampeã do carnaval foi Bahia, da Fé ao Profano, com a proposta de demonstrar como as festas religiosas, tanto católicas como de matrizes africanas, se misturam com a profanidade da Bahia. A escola foi recebida com muita festa nas arquibancadas, que tremularam bandeiras e soltaram fogos.
A comissão de frente apresentou essa simbiose, ao fazer, por meio de um tripé giratório, a representação da procissão das escadarias da igreja do Senhor do Bonfim: de um lado, a igreja (destino final da procissão) e do outro, os bares, que ficavam no caminho das peregrinações até o templo religioso.
No carro abre-alas, o maior apresentado pela escola, destaque para os peixes suntuosos na lateral da alegoria (os peixes de água doce de oxum), a representação de Iemanjá na parte traseira do carro, como a maior e mais alta escultura da peça, além dos telões com imagens do fundo do mar. A alegoria soltava bolhas para a plateia. A proposta da Mancha Verde foi trazer para a avenida a devoção à Iemanjá, celebrada em festas que se misturam com a fé.
Com duas cabeças de Exu, se unindo e formando um arco com uma boca em cada extremidade, a segunda alegoria da agremiação apresentou os mercados e variedade culinária da Bahia. Peixes, ervas e bebidas eram vendidas em barracas que simulavam a fachada do Mercado Modelo, um dos mais tradicionais de Salvador.
Na ala das baianas, a representação de Oxum - orixá da beleza e fertilidade - teve como vestimenta saias azuis com uma simulação de peixe na cintura. A escola também levou, em uma das alas, São Bartolomeu, padroeiro ligado à produção e à garantia do pão, alimento considerado sagrado para a religião católica.
Tatuapé pede por mais Justiça em seu desfile
Terceira colocada no carnaval de 2024, a Acadêmicos do Tatuapé apostou no enredo Justiça - A Injustiça Num Lugar Qualquer É Uma Ameaça à Justiça Em Todo Lugar. O cortejo buscou apresentar a história da Justiça e como ela foi sendo construída ao longo do tempo.
Um "homem enforcado", no carro abre-alas, assustou o Anhembi. A escola utilizou um boneco em uma forca, simbolizando um dos métodos de execução mais marcantes da história.
Na fantasia da Ala Islâmica, os integrantes da escola apresentaram a primeira versão do Alcorão escrita em uma representação de pergaminho, anexadas às costas dos foliões. Em outra ala, a Tatuapé explorou a mudança do conceito de Justiça ao defender os conceitos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade - gravados em francês sobre bandeiras da França que também faziam parte da fantasia.
Chamou a atenção a ala que mencionava a Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, e que estabeleceu um marco no processo de redemocratização do País. As vestimentas, nas cores verde, amarelo e azul, trouxeram alguns direitos conquistados com a nova medida e com a capa da própria constituição anexada à fantasia.
Das alegorias, a terceira trouxe uma imagem impactante. O carro apresentou a estátua da Justiça do Supremo Tribunal Federal com uma criança baleada, vítima de bala perdida. Muitos foliões, presentes nas arquibancadas e camarotes, sacaram os celulares para fotografar e filmar a passagem da peça.
Na parte superior do carro, sobre um piso que representa o Congresso Nacional, a alegoria se dividiu em duas partes: ricos, endinheirados de um lado; pessoas menos abastadas de outro. No lado menos favorecido, os integrantes carregaram cartazes com frases do tipo: "Meu suor te deixa rico", "Com quantos pobres se faz um rico?" e "Eu sou uma sobrevivente" - uma tentativa de explorar a Justiça como instrumento de igualdade ou, até, de ampliação de uma desigualdade quando não bem exercida.
Para a última alegoria, a escola apresentou uma esperança: estátuas imponentes de Mandela e Martin Luther King abraçados, dois ativistas por um mundo mais justo, abraçados no topo do carro. Um pouco mais à frente da dupla, a escola trouxe para a alegoria um tatu (mascote da escola), também esculpido, vestido de toga.
Na parte de trás do carro, a Tatuapé escreveu uma mensagem para manifestar um sonho da agremiação, que "transcende o carnaval": "Um sonho de igualdade, respeito e reconhecimento, onde a arte, a cultura e a tradição das escolas de samba sejam celebradas sem preconceitos ou julgamentos".
Rosas de Ouros contagia com enredo sobre os jogos
Rosas de Ouro entrou no Sambódromo perto das 5h, como a sexta e penúltima escola a desfilar deste primeiro dia. Mesmo com as arquibancadas com espaços já esvaziados, o enredo Rosas de Ouro em uma Grande Jogada contagiou o público.
O refrão do samba-enredo (Vista a fantasia!/Bom é ser criança/E conectar o mundo na palma da mão/Vai reflorescer a Rosa do meu coração!), ganhou a plateia, que cantou com a escola até a linha final ser cruzada.
A passarela foi tomada pela tradicional cor da agremiação: o rosa - usado com abundância em alegorias e fantasias - junto cores metalizadas (azul, prata e amarelo, principalmente).
Na comissão de frente, um tripé serviu de alicerce para a apresentação de uma tradicional máquina de cassino, que, acionada, formava combinações de três figuras iguais.
O tema dos jogos de azar, tão debatido nos tempos atuais, deu lugar a outros tipos de brincadeiras. Alegorias com peças de xadrez, com torres e cavalos esculpidos, foram levados pela Rosa para a avenida. Assim como uma ala dedicada para o jogo Banco Imobiliário.
Antes da última alegoria, um pac-man inflável passou pela passarela amarrado por um barbante, que foi sendo jogado de um lado para o outro com a força do vento.
Atrás dele, o quarto e último carro alegórico passou pelo sambódromo com uma série de personagens de jogos de videogame, como Mario Bros, representado por esculturas e destaques. Pikachu, bichinho ícone do desenho Pokémon, reforçou a mensagem da presença dos jogos eletrônicos. Na lateral do carro, crianças sentadas com joystick (controles de Playstation) também faziam a composição da alegoria.
Camisa Verde e Branco homenageia Cazuza com presença da mãe do artista
Ao puxar o verso Pro dia nascer feliz, o intérprete da Camisa Verde e Branco, Igor Vianna, indicava não apenas o enredo da escola, mas também o horário em que a agremiação entrava na avenida. Com o sol iluminando o Sambódromo, o grupo carnavalesco da Barra Funda fez o sétimo e último desfile do primeiro dia de cortejos do carnaval.
Com o enredo O Tempo Não Para! Cazuza - O Poeta Vive!, a escola homenageou o músico e compositor que morreu em 1990, vítima de AIDS, aos 32 anos.
Para o desfile, a escola apresentou uma comissão de frente com coreógrafos e um tripé revestidos de papéis simulando as composições de Cazuza. Uma criança brincava e subia uma escada da alegoria, onde se encontrava um personagem interpretando o músico.
A escola também levou fantasias com adereços que remetem às músicas do cantor, como Exagerado e o Tempo Não Para.
Nas alegorias, a escola deu espaço para banda Barão Vermelho, grupo onde Cazuza atuava, e contou a importância dos personagens da década de 1980, época em que o artista atuou. Para isso, membros da escola representaram artistas como Rita Lee, Chacrinha e Elke Maravilha, ícones da época e contemporâneas de Cazuza, como destaques do terceiro carro.
No última alegoria, ao lado de fotos do cantor em diferentes momentos da vida, como infância e adolescência Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, foi posicionada à frente do carro. Dona Lucinha, como é carinhosamente chamada, acenou e mandou beijos para o público, que retribuiu os gestos de carinho com acenos e fotos.