Alinhamento de Lula com Rússia e China pode atrapalhar relação com Biden; leia a análise
Presidentes do Brasil e dos EUA discutiram sobre meio ambiente e direitos trabalhistas em conversa amistosa por telefone
Os presidentes Lula e Joe Biden conversaram pelo telefone em clima de afinidade política e simpatia pessoal. A aproximação coincide com a explicitação de múltiplos sinais do alto preço, para o Brasil, do estreitamento com a China, a Rússia, a Venezuela e o atual governo argentino, que parece caminhar para a derrota eleitoral.
Os principais temas foram meio ambiente e direitos trabalhistas. "É a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores", disse Lula a Biden. "Suas políticas e discursos sobre o mundo do trabalho soam como música para os meus ouvidos e certamente juntos poderemos inspirar outros governantes a olhar para as questões dos trabalhadores."
Biden também foi caloroso. Respondeu com um "concordo 100%" quando Lula disse que os incêndios no Havaí sublinhavam a importância de enfrentar a crise climática, incluindo os países desenvolvidos cumprirem seus compromissos de ajudar os países em desenvolvimento.
O presidente americano lembrou a destinação de US$ 500 milhões ao Fundo Amazônia e anunciou a vinda, em setembro, de uma "missão comercial verde" para o Brasil "para promover investimentos em florestas, uso da terra e energia". Os dois pretendem se encontrar no mês que vem na Cúpula do G20 em Nova Délhi e na Assembleia Geral da ONU em Nova York. Lula reiterou convite para Biden vir ao Brasil.
"O que escuto é que Biden sempre via Lula com certos bons olhos", me disse Christopher Garman, da consultoria Eurasia. "Conhece a região muito bem e via sinergias particularmente na área ambiental. Continua vendo. Mas, claro, houve certa decepção com o posicionamento de Lula."
A brevidade do encontro de Biden e Lula em fevereiro contrastou com a longa visita de Estado a Pequim em abril, quando o presidente brasileiro acusou os EUA de fomentar a guerra na Ucrânia e atacou a dominância do dólar.
Como já discuti antes aqui, a complacência de Lula com a Rússia e a Venezuela causou incômodo nos presidentes do Chile e Colômbia, de esquerda, Uruguai e Paraguai, de direita. Isso inviabilizou a liderança que Lula pretendia projetar na Cúpula Sul-Americana, dia 30 de maio.
A repercussão negativa do alinhamento de facto de Lula com a China e a Rússia se soma aos problemas econômicos cada vez mais evidentes dos dois países. O Banco Central russo elevou a taxa de juros em 3,5 pontos percentuais, a 12%, para tentar conter a desvalorização do rublo. A China enfrenta desaceleração econômica, em razão das medidas adotadas por Xi Jinping que centralizam o poder nele.
Uma fonte do Eliseu me disse que Emmanuel Macron quer vir ao Brasil. Não está claro que Lula tenha feito esse diagnóstico e por isso recalibrado sua política externa. Seria um sinal de realismo.