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A missão do 'Estado' na Proclamação da República

Inaugurado o novo regime, o jornal consolida sua independência e entra em fase de expansão

15 nov 2019 - 04h10
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A Proclamação da República, que hoje completa 130 anos, e o jornal O Estado de S. Paulo - que fará 145 anos em 4 de janeiro - têm o mesmo DNA da modernização do Brasil. A identidade transformadora e democrática, que rege a história do jornal, encontrada no ideário republicano da segunda metade do século 19, se consolida como regra legal na Constituição pós-Império, de 24 de janeiro de 1891, síntese do pensamento político predominante nos dias agitados que levaram à Primeira República no País. O caderno especial da edição impressa desta sexta-feira, 15, reproduz a capa de A Província de São Paulo - primeira denominação do jornal - no dia seguinte à proclamação, em 16 de novembro de 1889, e a notícia da queda da Monarquia.

"Descentralização, liberdade de ensino, Senado temporário, eleição direta. Havia, sobretudo, a extinção do poder Moderador e a afirmação de uma única fonte de poder legítimo: a vontade soberana do povo", destaca o escritor Jorge Caldeira, autor do livro Julio Mesquita e seu tempo, pela editora Mameluco, que analisa a época das fortes mudanças no ambiente institucional brasileiro sob o olhar da obra do jornalista fundador do Grupo Estado.

"Julio Mesquita é uma figura relevante dessa transformação no País", afirma Caldeira. Para o escritor, o jornalista republicano Julio Mesquita (1862-1927) foi um ator ativo no processo de transformação política nacional que desembocou na criação da República e num excepcional período de crescimento econômico do Brasil.

Caldeira lembra que quando Mesquita, que chegou ao jornal em 1885, assumiu a direção em 1888, a publicação tinha "904 assinantes e um total de 3.218 leitores". Nessa época, São Paulo tinha cerca de 47 mil habitantes. Quando morreu, aos 65 anos, em 1927, "o jornal contava 48.638 assinantes e uma tiragem média de 75 mil exemplares", explica o pesquisador. "Ao longo de 40 anos o crescimento médio anual foi de 10,5% para os assinantes e 8,2% para a tiragem total", calcula o autor no livro. "Tal ritmo de crescimento é um sinal de progresso que vai além da empresa individual", argumenta o autor. "Indica um 'boom' econômico, uma prosperidade incomum em toda a economia ao redor", avalia Caldeira, destacando a alteração ocorrida com as perspectivas de uma sociedade sem escravos e com a visão futura de um período de forte imigração para a tarefa de construir a nova realidade.

É exatamente no ano da abolição dos escravos que Julio Mesquita assume a direção e seu nome vai para a primeira página. O jornal comemorou a libertação dos escravos, uma das causas pelas quais o republicano campineiro lutava, fazendo eco aos ideais de um novo País. "Agora começa o trabalho de libertar os brancos", advertiu o editorial já na terça-feira, 15 de maio, reiterando a disposição de continuar defendendo bandeiras republicanas.

As bases do que os republicanos articularam naqueles anos que antecederam o fim da escravidão e o projeto de democratização do País já apareciam em documentos que serviram também para a criação do jornal, em 1875. O projeto dos republicanos paulistas, portanto, toma forma anos antes da histórica da eliminação da servidão que seguiria, depois, com o fim do Império e a tão sonhada República.

Contrários à monarquia, os republicanos paulistas haviam feito a primeira reunião política em 18 de abril de 1873 no que ficou conhecido como a Convenção de Itu, que criou o Partido Republicano Paulista (PRP), uma tribuna de luta pela mudança. Desse evento saíram diretrizes como a própria abolição, a magistratura independente e a separação entre Igreja e Estado, propostas que alterariam profundamente o cenário brasileiro. Nessa construção surge a necessidade de um jornal. Nasce, então, por iniciativa de Campos Salles e Américo Brasiliense, entre outros, A Província, que vai defender princípios do que seria, menos de duas décadas depois, o cerne da primeira Constituição republicana.

Jovem

Ainda em 1885, um talentoso jornalista, morador de Campinas, Julio, então com 23 anos, é levado por Alberto Salles para tornar-se redator do jornal, ao lado de Rangel Pestana, que comandava a publicação dos republicanos. De acordo com documentos do Acervo do Estado, a primeira colaboração de Mesquita é uma série de artigos intitulada "Os partidos políticos e as transações". De outro lado, segundo registros do Acervo do jornal, o antilusitanismo de Salles quase leva a publicação à falência. Todos os anunciantes portugueses boicotam a empresa. Alberto Salles, então, retira-se da empresa e o jornal é salvo por Julio Mesquita, um filho de portugueses, que traz de volta os enfurecidos clientes.

Em 1889, um ano depois de assumir o jornal, vem a histórica manchete "VIVA A REPUBLICA", de 16 de novembro, numa comemoração de página inteira, antológica, cuja única ilustração era o desenho de um gorro frígio, alegoria da liberdade conquistada. "Recebemos hontem o seguinte telegramma:", estampou o jornal com a grafia peculiar do português escrito à época. "Foi proclamada a Republica no Brazil. Consta que o governo provisorio será organisado com o general Deodoro e Quintino Bocayuva", continua o texto com seus "z" e "s" e acentuação próprios daquela edição saudando o novo tempo.

"Nas páginas internas", segundo registros do Acervo, estão o noticiário sobre os acontecimentos da véspera e a constituição do governo provisório no Rio de Janeiro. Dois dias depois, "o jornal noticiava com detalhes o embarque da família imperial para o exílio", cita o documento digitalizado do Estado. Para Caldeira, cuja obra sobre Mesquita se estende por quatro volumes e que teve pesquisa realizada nos arquivos centenários do Estado, houve naquela quadra histórica um período excepcional que sucede à estagnação no Brasil Imperial, de 1820 a 1876, com anos de crescimento zero.

"A Primeira República teve um crescimento econômico médio de 6% por 15 anos e Julio de Mesquita foi um dos artífices do movimento", afirma o pesquisador. Segundo ele, o programa articulado por gente como Campos Salles, Américo Brasiliense, Rangel Pestana, entre outros, desde quando Julio Mesquita vivia em Campinas - e que teve contribuição efetiva do jornalista a partir da juventude com ações, por exemplo, para a libertação de escravos -, teve "80% de suas propostas adotadas logo no primeiro ano da nova Era".

Feita a República, Mesquita, que tinha sido vereador e deputado, inicia a fase de profissionalização do jornal com o progressivo afastamento do governo autoritário de Floriano Peixoto. Quando o sucessor de Floriano, Prudente de Moraes, arranjava seu governo, em 1895, o Estado consolidou sua independência e entrou em fase de fortalecimento de sua atividade jornalística e de crescimento empresarial.

Estadão
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