Raio X: pessoas trans no funcionalismo público
Com a ausência de políticas públicas, população acaba sendo excluída e invisibilizada no mercado de trabalho
A ausência de atualização do censo demográfico (o último ocorreu em 2010) e de políticas públicas específicas é um dos maiores desafios enfrentados pela população trans, que, sem apoio do Estado, não é contemplada no funcionalismo público.
Até existem iniciativas isoladas para mapear essa população, mas elas não são suficientes para dimensionar a questão. Foi só no ano passado que, pela primeira vez na história do Brasil, um levantamento traçou o perfil de pessoas trans e travestis na cidade de São Paulo. Essa pesquisa, que ouviu 1.788 pessoas, foi uma parceria entre o CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, com recursos de emendas do gabinete do vereador Eduardo Suplicy (PT).
Entre dezembro de 2019 e novembro de 2020, os responsáveis pela pesquisa coletaram informações, por formulários e ligações telefônicas, para mostrar o perfil sociodemográfico, as condições de trabalho, renda e saúde e as vivências de situações de violência e cidadania da população trans residente no município de São Paulo. O documento apontou que a inexistência de um censo nacional dificulta o estabelecimento de relações entre o perfil da população trans e o da população em geral, seja no nível nacional, estadual ou municipal.
Para se ter uma ideia, a Prefeitura de São Paulo, apesar de realizar o levantamento, não sabe dizer quantas pessoas trans são funcionárias públicas. Essa resposta foi dada para o 32xSP, iniciativa da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e da Rede Nossa São Paulo, que questionou via Lei de Acesso à Informação qual era o número de servidores e servidoras trabalhando na prefeitura da capital. O SIGPEC (Sistema Integrado de Gestão de Pessoas e Competências) tem informações de que 121.295 funcionários atuam no órgão público, mas o sistema não coleta o número de pessoas trans.
Em dezembro de 2021, o Poder Executivo do Rio Grande do Sul passou a ter cotas para pessoas trans e indígenas. O decreto garante a criação das cotas, com percentual de 1% das vagas, e leva em consideração o histórico de violação dos direitos e exclusão extrema dos povos indígenas e da comunidade trans, principalmente nas funções públicas. Essa é a única iniciativa do país que inclui pessoas trans no funcionalismo público.
Segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), mais importante organização voltada para população T no país, 90% da população trans vive na informalidade – incluindo aí a prostituição. Como não há uma lei que garanta os direitos da população trans, um abaixo-assinado foi criado pela sociedade civil para pressionar os parlamentares pela criação de cotas que os contemplem.
Algumas universidades, como a UFBA (Universidade Federal da Bahia), já aderiram ao sistema de cotas sociais para incluir a população trans nos campus. Mais pessoas trans nas universidades equivale a mais pessoas trans capacitadas para adentrar o mercado de trabalho e, consequentemente, no âmbito do funcionalismo público. Mas a transfobia é a maior responsável por afastar ou invisibilizar essa população.
Na Argentina, desde 2021 o funcionalismo público para a população trans já é uma realidade. O país, aliás, é um dos que mais têm políticas públicas para essa população. o governo argentino determinou cota de 1% de todos os cargos e contratos no setor público do país para travestis, transexuais e pessoas transgêneros. Assim como no Brasil, travestis e pessoas trans argentinas têm uma expectativa de vida de 35 anos e 90% das pessoas trans não têm acesso a empregos formais.