Atlas da Violência: registros sobre pessoas com deficiência crescem mais de 100% em uma década
Divulgada nesta segunda-feira, 12, nova edição do estudo do Ipea com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra aumento das notificações de ocorrências envolvendo vítimas com deficiência física (174%), visual (131%), auditiva (149%) e intelectual (107%) entre 2013 e 2023; pesquisadores dizem que ampliação dos dados pode ser atribuída a fatores como crescimento e envelhecimento populacional, mais acessibilidade, melhores canais de denúncia e capacitação dos profissionais e serviços, avanço de
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Atlas da Violência 2025 (completo)Registros de casos de violência envolvendo pessoas com deficiência tiveram forte crescimento entre 2013 e 2023, com mais de 100% de aumento, segundo dados do Atlas da Violência 2025 (páginas 109 a 117), divulgados nesta segunda-feira, 12, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A escalada de notificações, de acordo com os pesquisadores, pode ser atribuída a fatores como crescimento populacional e envelhecimento da população, maior acessibilidade e qualidade dos canais de denúncia, maior conscientização pública, melhoria na capacitação dos profissionais e serviços de atendimento, alterações legislativas e políticas públicas, maior visibilidade da violência contra grupos vulneráveis, além do aumento real da violência.
"Os números revelam um padrão preocupante de maior exposição das pessoas com deficiência à violência, com destaque para aquelas com deficiência intelectual, que apresentam os valores mais elevados. A discrepância entre os sexos também chama atenção, já que as mulheres são mais vitimadas em todas as categorias, o que indica a sobreposição de fatores de vulnerabilidade. Esses resultados evidenciam a urgência de ações que não apenas combatam a violência, mas também promovam ambientes mais seguros e acessíveis, levando em conta as particularidades de cada grupo", diz o Atlas.
"Entre os diferentes tipos de deficiência, a intelectual registrou os maiores números de notificações em todos os anos, passando de 2.495 registros em 2013 para 5.157 em 2023, o que representa um crescimento de 107%. A deficiência física foi a segunda mais notificada, com um aumento de 174% no período, subindo de 1.631 registros em 2013 para 4.476 em 2023. Já a deficiência visual apresentou um crescimento de 131%, passando de 631 para 1.460 notificações, enquanto a deficiência auditiva registrou um crescimento de 149%, saltando de 495 notificações em 2013 para 1.235 em 2023", destaca o estudo.
Desde 2021, é a quarta edição do Atlas da Violência com informações sobre pessoas com deficiência, com exceção de 2022, quando não houve publicação do estudo.
A pesquisa ressalta que a violência doméstica foi a mais frequente, com 11.344 registros, seguida pela violência comunitária, com 4.831 ocorrências.
"Entre os diferentes tipos de deficiência, pessoas com transtorno mental foram as mais afetadas pela violência doméstica, com 5.259 registros, seguidas por aquelas com deficiência física (1.909) e múltipla (1.870). Além disso, os maiores percentuais de violência doméstica foram observados entre pessoas com deficiência física (66%) e visual (59,7%)", detalha o Atlas.
Mulheres são as principais vítimas em todas as categorias de violência, com a violência doméstica no topo das notificações e maior parte dos registros (4.321) entre mulheres com transtorno mental.
"Os dados evidenciam a vulnerabilidade das pessoas com deficiência no ambiente doméstico, onde deveriam encontrar maior proteção. O predomínio das mulheres entre as vítimas, visto também em anos anteriores, reforça a interseção entre deficiência e gênero como fator de risco, destacando a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção e ao apoio direcionado a essas vítimas. Além disso, a maior incidência de violência comunitária entre pessoas com deficiência intelectual sugere desafios específicos de inclusão e proteção nesses espaços, especialmente quando elas se encontram em instituições de longa permanência", afirmam os pesquisadores.
Mais suscetíveis - O estudo destaca que pessoas com deficiência estão mais suscetíveis à violência do que aquelas sem essa característica.
"Estudos indicam que esse grupo enfrenta taxas desproporcionalmente altas de vitimização, evidenciando a necessidade de abordagens específicas para sua proteção.
Fatores como dependência de terceiros para atividades cotidianas, isolamento social e estigma contribuem para essa vulnerabilidade. Além disso, os agressores costumam ser pessoas do convívio próximo, como familiares, parceiros ou amigos, o que torna a identificação e a denúncia dos casos ainda mais difíceis.
A violência contra pessoas com deficiência está intrinsicamente ligada a desigualdades sociais. Estima-se que 16% da população mundial - cerca de 1,3 bilhão de pessoas em 2021 - tenha algum tipo de deficiência, sendo esse grupo mais suscetível à pobreza e à exclusão social, fatores que ampliam os riscos de violência.
A violência pode se manifestar de diferentes formas, incluindo agressão física, abuso sexual, violência emocional, negligência, exploração financeira, manipulação de medicação e até a destruição de equipamentos essenciais para a autonomia da pessoa com deficiência.
Entre crianças com deficiência, a vulnerabilidade é ainda maior. Uma revisão conduzida por Jones et al., (2012) revelou que elas têm quase quatro vezes mais probabilidade de serem vítimas de violência do que aquelas sem deficiência.
Especificamente, o risco é 3,7 vezes maior para qualquer tipo de violência, 3,6 vezes maior para violência física e 2,9 vezes maior para violência sexual. Crianças com deficiências mentais ou intelectuais são as mais expostas, com um risco 4,6 vezes maior de sofrer violência sexual.
A situação também é alarmante entre adultos. Uma análise sistemática apontou que adultos com deficiência possuem um risco 1,5 vez maior de sofrer violência em comparação com a população sem deficiência. Para aqueles com transtornos de saúde mental, esse risco sobe para quase quatro vezes mais.
Outro aspecto preocupante é a violência praticada por agentes do Estado, especialmente por forças policiais, contra pessoas com deficiência. Embora as estatísticas oficiais sobre o tema sejam limitadas, há registros de casos que evidenciam essa realidade.
Indivíduos com deficiência, frequentemente criminalizados, tornam-se alvos de diferentes formas de violência institucional, incluindo abordagens abusivas, uso excessivo da força e violações sistemáticas de direitos. Atitudes capacitistas, suposições equivocadas e estereótipos negativos moldam muitas das interações entre essas pessoas e as autoridades, resultando em tratamentos discriminatórios e desproporcionais.
A relação entre violência e deficiência configura um ciclo vicioso: a violência pode levar ao surgimento de uma deficiência, e essa condição, por sua vez, aumenta a vulnerabilidade da pessoa a novas agressões. Assim, a prevenção da violência não deve se restringir à proteção das vítimas, mas também incluir estratégias que impeçam o desenvolvimento e o agravamento de deficiências decorrentes dessas agressões.
Diante desse contexto, é fundamental que políticas públicas e iniciativas de proteção sejam aprimoradas, garantindo que pessoas com deficiência tenham seus direitos assegurados e possam viver sem medo da violência. A compreensão aprofundada desse fenômeno é essencial para embasar estratégias de prevenção e proteção mais eficazes.
No contexto brasileiro, a análise estatística da violência contra pessoas com deficiência permite dimensionar a gravidade do problema e orientar ações mais assertivas".
Fontes do estudo - O Atlas da Violência usa duas fontes de dados e, explicam os pesquisadores, não adota o modelo biopsicossocial da deficiência porque essa abordagem ainda não está regulamentada.
"A primeira fonte é o Sinan, que reúne notificações feitas por profissionais de saúde sobre casos de violência interpessoal ou autoprovocada atendidos em serviços públicos e privados. No que diz respeito à deficiência, o registro é realizado a partir de um diagnóstico clínico emitido por um profissional de saúde, sem necessidade de comprovação documental.
A segunda fonte utilizada é a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, conduzida pelo IBGE, cujos dados serviram para estimar a população com deficiência em 2023, por meio da projeção das proporções identificadas na pesquisa original. Embora ambas as bases adotem conceitos semelhantes de deficiência, a forma de declaração difere: no Sinan, a informação é registrada por um profissional de saúde, enquanto na PNS a deficiência é autodeclarada pelo próprio indivíduo ou por seu responsável (IBGE, 2021).
Importante ressaltar que o conceito de deficiência aqui adotado difere do estabelecido na legislação atual, que estabelece que a avaliação da deficiência deve ser biopsicossocial (Lei nº 13.146/2015), o que implica em considerar para a caracterização da deficiência não apenas o diagnóstico clínico, mas também as barreiras e os fatores contextuais que impedem a plena inclusão social. Entretanto, como a avaliação biopsicossocial ainda não foi regulamentada pelo Poder Executivo, os dados disponíveis sobre deficiência refletem essencialmente as condições de saúde, em razão das fontes das informações.
Optou-se por excluir do escopo do estudo as violências autoprovocadas, concentrando-se exclusivamente nas interpessoais.
Além disso, a análise segue o modelo médico de deficiência, alinhando-se à metodologia empregada pelas bases de dados consultadas. Para ampliar a compreensão sobre o tema, também são incluídos dados sobre transtornos mentais, reconhecidos como deficiência mental pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com a ressalva de que essa categoria não integra o cálculo das taxas, devido às diferenças conceituais entre as bases utilizadas".
