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58% da perda de vegetação nativa de quilombos ocorre nos 4 estados do Matopiba

Quilombos no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia perderam 15.561 hectares de vegetação nativa entre 2018 e 2022, apontam dados do Mapbiomas O post 58% da perda de vegetação nativa de quilombos ocorre nos 4 estados do Matopiba apareceu primeiro em AlmaPreta.

29 dez 2023 - 10h21
(atualizado às 12h27)
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Imagem mostra mulheres negras posando para foto na estufa de hortaliças da Associação de Mulheres Quilombolas de Biritinga (BA).
Imagem mostra mulheres negras posando para foto na estufa de hortaliças da Associação de Mulheres Quilombolas de Biritinga (BA).
Foto: Alma Preta

Os estados do Matopiba, região de expansão agrícola formada pelo Tocantins e partes do Maranhão, do Piauí e da Bahia, perderam 15.561 hectares de vegetação nativa em quilombos entre 2018 e 2022. Esse volume representou 58% dos 26.553 hectares perdidos em quilombos de todo o Brasil, aponta levantamento da Alma Preta Jornalismo com dados do Mapbiomas.

A análise abrange os 494 territórios com limites geográficos oficialmente reconhecidos. Os cálculos consideram tanto o efeito negativo dos desmatamentos quanto o positivo das recuperações naturais de vegetação. (Metodologia ao final do texto).

Em termos comparativos, os quatro estados concentraram 23% da perda de vegetação nativa de todo o país neste período de cinco anos, quando houve recordes históricos de desmatamento.

https://public.flourish.studio/visualisation/16289389/

Até 2022, esses quilombos perderam o equivalente a 0,8% da vegetação nativa disponível em 2018.

Já o Brasil como um todo perdeu 10.679.735,70 hectares de vegetação nativa entre 2018 e 2022, o que representou uma redução de 1,87% em relação à vegetação disponível em 2018. Ou seja, os quilombos conservam mais os biomas que outros territórios, mas a diferença já foi menor. 

Segundo estudo do Mapbiomas publicado em dezembro, os territórios quilombolas perderam aproximadamente 4,7% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2022. Já as áreas privadas perderam 17% nos mesmos 37 anos. 

Nos quilombos de nove estados Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraíba, Sergipe, Pernambuco, Paraná e São Paulo observamos uma maior regeneração de vegetação nativa em relação ao desmatamento ao longo dos cinco anos analisados.

Atualmente, os quilombos representam 0,6% da vegetação nativa do Brasil.

https://public.flourish.studio/visualisation/16234005/

Biomas

A dinâmica atual de desmatamento nos diferentes biomas se repete nesses territórios tradicionais. Por exemplo: a vegetação nativa nos quilombos está concentrada na Amazônia (73%), seguida do Cerrado (12%) e da Caatinga (10%). Mas a maior parte das perdas está no Cerrado e na Amazônia (que têm quilombos maiores e mais numerosos).

https://public.flourish.studio/visualisation/16289598/

Isso ajuda a explicar a perda de 5.584 hectares de vegetação nativa o Kalunga, o maior quilombo do país, localizado na fronteira entre Goiás e Tocantins, em território do Cerrado. 

Apesar de apresentar a maior área desmatada em quilombos entre 2018 e 2022, ele foi o primeiro território reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como "área conservada graças a povos tradicionais no Brasil" por preservar 80% do Cerrado após 300 anos de existência.

Na Amazônia, o destaque é o Amapá, que perdeu 4.664 hectares, a maioria deles em territórios no Macapá. Essa área equivale a 3,17% da vegetação nativa de seus quilombos em 2018.

https://public.flourish.studio/visualisation/16290418/

Em Goiás, na Bahia, no Amapá e no Tocantins observa-se que a perda relativa de vegetação nativa foi maior nos quilombos do que em outras áreas dos estados.

https://public.flourish.studio/visualisation/16289134/

Veja o que está acontecendo em cada um desses estados:

Maranhão

O Maranhão tem a segunda maior área de perda de vegetação nativa nos quilombos, atrás apenas do quilombo Kalunga, em Goiás. Além disso, também é a unidade federativa com o maior número de conflitos agrários que afetam quilombolas, segundo levantamento recente da Comissão Pastoral da Terra.

Foram registrados 626 casos de violência no estado por disputa de território entre 2013 e o primeiro semestre de 2023. A quantidade é três vezes maior do que na Bahia, com 206 casos, em segundo lugar na lista. Entre os tipos de violência praticados durante as disputas por terra estão assassinatos, agressões físicas e ameaças de morte. 

Célia Cristina da Silva Pinto, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) do Maranhão, afirmou que os quilombos que mais sofrem com a devastação do território estão nas regiões do Vale do Parnaíba, Mata dos Cocais e do Médio Mearim, ou seja, na área do Matopiba. 

https://public.flourish.studio/visualisation/16289745/

A perda de área natural, no entanto, foi pior fora dos quilombos. Observou-se 5,15% a menos de vegetação em relação à 2018 em todo o estado (mais de 1,1 milhão de hectares), enquanto nos territórios remanescentes a redução foi de 2,82%, o equivalente a 5.353,65 hectares.

Tocantins

O Tocantins é o principal estado do Matopiba e um dos que mais têm sofrido desmatamento nos últimos anos. E, nos quilombos do estado, a situação foi proporcionalmente pior entre 2018 e 2022. Enquanto o estado como um todo perdeu 3% de sua vegetação nativa, os quilombos tocantinenses perderam 4,68%.

Por isso, dois dos três territórios com maior perda absoluta no Brasil estão lá. Um deles é o Barra do Aroeira, a 80 quilômetros de Palmas. O território tem 62 mil hectares delimitados entre os municípios de Lagoa do Tocantins, Novo Acordo e Santa Tereza do Tocantins, também na região do Matopiba.

Entre 2018 e 2022, o quilombo perdeu 2,5 mil hectares de floresta transformada em área para a agropecuária, o que representou 5,4% da vegetação nativa. O quilombo, que está parcialmente titulado ainda, foi o mais desmatado do ano em 2019.

Isso porque seu processo de regularização é contestado por grandes fazendeiros locais, alguns deles políticos do estado, conforme levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Entre eles está Leto Moura Leitão (PR), ex-vice-prefeito de Novo Acordo; e Antônio Jorge Godinho, que é do PRTB e foi deputado por dois mandatos entre os anos 1990 e início dos 2000. Ambos têm pelo menos 1,9 mil hectares em terras quilombolas cada um.

A segunda maior perda de vegetação em quilombo no Tocantins foi no Kalunga do Mimoso, localizado nos municípios de Arraias e Paranã - também no Matopiba. O território de 58 mil hectares perdeu 4,18% da vegetação nativa para agropecuária em cinco anos.

Até 1988, o Kalunga do Mimoso era parte de um quilombo maior, o quilombo Kalunga, em Goiás. O território, na área da Chapada dos Veadeiros, foi criado quando se funda o estado do Tocantins.

Piauí

Os quilombos do Piauí têm proporções de perda de vegetação muito menores do que os índices do restante do estado - ao contrário dos outros estados do Matopiba. Foram 2,10% de vegetação nativa perdida em todo o estado e 0,38% nas áreas de quilombos.

A maior ameaça ambiental é a Mineradora SRN Holding pretende extrair, ao ano, 300 mil toneladas de alumínio de ferro do solo do Quilombo Lagoas, o maior do Nordeste. São 62 mil hectares, distribuídos entre os municípios de São Raimundo Nonato, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde, Fartura do Piauí, Bonfim do Piauí e Várzea Branca.

Entre 2018 e 2022, o território perdeu 541 hectares de formação natural, segundo os dados do Mapbiomas.

https://open.spotify.com/episode/4G2NeI07HiSLWyOrwRdyOO

Bahia

Ferrovias e fontes de energia limpa têm ameaçado territórios quilombolas na Bahia, estado que tem a maior população quilombola do Brasil. São 397.059 pessoas, o equivalente a 29,9% do total.

Ao observar os dados do Mapbiomas, nota-se uma maior perda de vegetação nativa nos quilombos da região de Bom Jesus da Lapa, no oeste do Estado. O destaque vai para as comunidades Araçá, Cairacá, Patos, Pedras, Coxo, Retiro (Território Quilombola da Volta), que perderam quase 14% da vegetação nativa em cinco anos. Cerca de 1.400 hectares de floresta se transformaram em área para agropecuária.

Na mesma região, também é notável a perda nas comunidades de Parateca e Pau D'Arco, que foi de 1.507 hectares de 2018 a 2022. É um território de 41 mil hectares, onde vivem 1.809 pessoas e cerca de 420 famílias.

Outro exemplo, sem malha cartográfica, é o quilombo Barrinha, também em Bom Jesus da Lapa. Ele está sendo ameaçado pelo Complexo Fotovoltaico Bom Jesus da Lapa, um empreendimento de energia solar que seria instalado sem consulta à comunidade. 

Manoel Aílton Carvalho, membro do Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas (CEAQ), afirmou à Alma Preta que empreendimentos de energia eólica estão invadindo quilombos no norte do estado, nos arredores do Parque Nacional do Boqueirão da Onça. O local fica às margens do rio São Francisco.  

"São várias comunidades quilombolas. Eu mesmo moro na diagonal do parque e aí a gente vê aquelas 'paletas gigantes' onde você só via mato e céu", lamenta Manoel, que revelou ter sido ameaçado. 

"Eles dizem que vai ter compensação ambiental e não tem. Inclusive, eu fui ameaçado porque via eles mentindo dizendo que ia ter compensação. Qual compensação? Eles botam uma ou duas mudinhas, mas tiraram milhões de plantas. A forma como essas [usinas] eólicas estão sendo feitas é errada", avalia.

A invisibilidade da maior parte dos quilombos

O Brasil tem cerca de 6 mil comunidades quilombolas, mas só 494 têm seus territórios delimitados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que somente estes têm malhas cartográficas públicas que permitem análises como as dessa reportagem.

Com isso, é mais difícil monitorar áreas de desmatamento e grilagem. O resultado é a invisibilização dessa população nas discussões de políticas públicas. Além disso, a falta de informações geográficas dificulta a intervenção política das entidades quilombolas. 

Outro problema é a falta de titulação. Na avaliação das lideranças da Conaq entrevistadas, os territórios titulados têm melhores condições de enfrentarem a grilagem e as invasões de terras. Mas, segundo dados mais atualizados da Comissão Pró-Índio de São Paulo, somente 171 territórios quilombolas estão totalmente titulados.

Um estudo da Terra de Direitos publicado em maio estimou que, no ritmo atual, o Brasil levará 2.188 anos para titular todos os quilombos com processos no Incra.

Metodologia

Esta reportagem utilizou dados disponibilizados pelo Mapbiomas a pedido da Alma Preta e entrevistas de líderes regionais da Conaq aos repórteres.

O coordenador técnico do Mapbiomas, Marcos Rosa, cruzou a base de quilombos do Censo 2022 com a base territorial do Mapbiomas. Assim foi possível obter informações dos 494 territórios quilombolas que têm limites oficialmente reconhecidos. No site, estavam disponíveis os dados de apenas 394 territórios.

O cálculo para a análise dos estados e das áreas quilombolas foi o seguinte:

. A área natural de 2022 foi subtraída da área natural de 2018 para encontrar os valores de perda de vegetação nativa. 

. Nessa conta, os valores de vegetação secundária (regeneração) compensam os valores de desmatamento. Por exemplo: se uma área de desmatamento foi de 100 hectares e de regeneração de vegetação nativa foi de 50 hectares no mesmo período, a perda será de 50 hectares.

. A partir desse valor de perdas ou ganhos entre 2018 e 2022, buscamos a relação percentual com a área Natural disponível em 2018.

* Participaram da análise dessa reportagem: Camila Rodrigues da Silva, Caroline Nunes, Dindara Ribeiro, Fernando Assunção, Nataly Simões e Pedro Borges (Alma Preta); Beatriz de Oliveira (Nós, Mulheres da Periferia) e Elisabeth Botelho (Periferia em Movimento).

Essa reportagem é resultado do Laboratório de Dados Climáticos, realizado pela Escola de Dados, programa educacional da Open Knowledge Brasil, com o apoio do The Centre for Investigative Journalism (CIJ).

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