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Mauricio Macri imita sua rival, Cristina Kirchner

Líder argentino congela preços essenciais por seis meses, como fez sua antecessora, que tem chances de voltar ao poder

28 abr 2019 - 05h11
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"Eu só quero acabar com a loucura dos preços", diz Sonia Valverde, mãe de três filhos, em um supermercado em Buenos Aires. Ela aponta para um adesivo do governo anunciando novo controle de preços, que congelou o valor de 64 produtos, incluindo o leite. A única dificuldade é que não há mais nada nas prateleiras.

Acabar com a loucura dos preços na Argentina foi a missão de Mauricio Macri quando conquistou a presidência, em 2015. Ele suspendeu o controle cambial imposto por sua antecessora populista, Cristina Kirchner, e começou a cortar subsídios à energia. Ele deu ao banco central uma meta de inflação e deixou que os estatísticos a medissem honestamente. E afrouxou o controle de preços que Cristina havia imposto sobre centenas de itens, incluindo sabão e frango.

Mas os preços enlouquecedores da Argentina recusam-se a ser domados. Quando o preço ao consumidor caiu menos rapidamente que o esperado, o governo relaxou a meta de inflação do banco central no fim de 2017, corroendo sua credibilidade. À medida, meses depois, que os rendimentos do Tesouro americano aumentaram, o peso caiu e a inflação disparou. A Argentina acolheu o Fundo Monetário Internacional (FMI) e abandonou sua meta de inflação em favor do objetivo mais direto de restringir a oferta monetária. Mas mesmo depois de o banco central prometer congelar a quantidade de dinheiro até o fim deste ano, o peso oscilou e a inflação anual subiu para quase 55% em março.

A popularidade de Macri vai na outra direção. Uma pesquisa de opinião na semana passada sugeriu que ele perderia a eleição de outubro para Cristina Kirchner, apesar das acusações de corrupção contra ela. Para derrotá-la, Macri escolheu imitá-la, exigindo que as lojas se abstenham de elevar os "preços essenciais" por seis meses. Em uma reunião com donos de supermercados, ele insistiu que a venceria por 52% a 48% - o tipo de margem estreita que deixa os varejistas nervosos.

"Tais acordos sobre preços nunca resolverão o real problema. Nunca o fizeram, jamais o farão", diz Miguel Acevedo, presidente da principal associação patronal do país. Em Buenos Aires, o congelamento e outros controles afetam apenas cerca de 3% da cesta básica de consumo, segundo o banco JP Morgan Chase. Muitos desses preços saltaram nos poucos dias entre o anúncio e a imposição do congelamento. E, se alguns produtos forem retirados das prateleiras, eles sairão dos dados da inflação de qualquer forma.

Mas o controle ainda pode ter um impacto indireto, por meio da psicologia e da política. As políticas macroeconômicas da Argentina agora são coerentes com uma inflação mais baixa: o déficit fiscal está diminuindo, as taxas de juros estão dolorosamente elevadas e o FMI impulsionou as reservas cambiais do banco central. Mas a inflação tem seu ímpeto próprio: está elevada porque era elevada e é esperado que continue assim. A esperança é que o congelamento de alguns preços mais chamativos possa ajudar a conter essas expectativas, pelo menos até a eleição. Enquanto o controle de Cristina tentara, sem sucesso, suprimir os efeitos inflacionários de políticas frouxas, Macri está tentando reforçar o impacto anti-inflacionário das políticas restritivas.

Essa psicologia inflacionária também depende da taxa de câmbio, que os argentinos observam com um sombrio fascínio. Sob o acordo do país com o FMI, o banco central pode intervir para defender o peso se ele se enfraquecer além de uma "zona de não intervenção". Isso mudou lentamente ao longo do tempo, de modo a permitir que o peso se desvalorizasse gradualmente, mantendo assim as exportações competitivas apesar do aumento dos preços em peso. Mas para o restante do ano, o banco central se esforçará para impedir que a moeda enfraqueça além dos 51,50 pesos em relação ao dólar, independentemente dos prejuízos às exportações.

Se o peso se mantiver, a inflação deve começar a cair. E caso isso aconteça, Macri ainda pode conquistar a reeleição. De acordo com o pesquisador Eduardo D'Alessio, 71% dos eleitores aprovam o pacote anti-inflação, que também fornece crédito para os pobres e idosos, bem como o cancelamento dos aumentos planejados nos preços de eletricidade e transporte.

Mas se as chances de eleição de Macri parecerem muito ruins, os argentinos podem retomar sua fuga para o dólar, enfraquecendo o peso, piorando a inflação portanto, garantindo sua derrota. Dessa forma, a Argentina poderia sucumbir a um medo autorrealizável de Cristina Kirchner. Na política, como na economia, as expectativas podem precipitar os perigos que eles preveem. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

© 2019 THE ECONOMIST NEWSPAPER

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PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO

ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Estadão
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