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Isolamento social é o culpado pela inflação, como diz Bolsonaro? Economistas afirmam que não

Para especialistas, as causas da disparada dos preços foram a crise hídrica, o petróleo mais caro e as incertezas em relação à política econômica do governo

12 jan 2022 - 17h19
(atualizado às 17h28)
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Na terça-feira, 11, dia em que foi divulgado que a inflação brasileira fechou 2021 em 10,06%, maior patamar desde 2015, o presidente Jair Bolsonaro procurou se isentar da responsabilidade sobre o problema e culpou as medidas de isolamento social, adotadas durante a pandemia da covid-19, pela alta dos preços. "Lembra do 'fique em casa, a economia a gente vê depois'? Vocês estão vendo a economia. O cara ficou em casa, apoiou e agora quer me culpar pela inflação", disse o presidente, em conversa com apoiadores.

Mas o isolamento social é mesmo o responsável pelo aumento de preços? Economistas consultados pelo Estadão afirmam que não.

Segundo os economistas, o primeiro ponto a ser avaliado é que, para o isolamento ser o responsável pela alta de preços, seria necessário que a inflação brasileira fosse puxada pela demanda aquecida. O que isso significa? Imagine um cenário em que as pessoas pararam de exercer suas atividades por causa da pandemia, ficaram em casa, mas, ao mesmo tempo, continuaram comprando produtos na mesma quantidade de antes ou até em maior medida.

Nesse caso, teríamos um cenário em que a demanda (a aquisição de produtos pelos consumidores) superaria a oferta (produção), que diminuiu por conta do fato de as pessoas estarem reclusas.

Isso não aconteceu por um motivo relativamente simples, de acordo com os especialistas: as pessoas que paralisaram atividades, muitas vezes, tiveram redução de renda, ou perda total de salário. Isso faz com que a demanda diminua, não aumente.

E há um outro ponto importante nessa análise: o período para este efeito acontecer foi em 2020, não 2021. No ano passado, o isolamento foi menor, com uma retomada das atividades do comércio e dos serviços, por causa da vacinação. Em 2020, não houve disparada da inflação, que fechou em 4,52%, dentro do intervalo tolerado pelo Banco Central (a meta de inflação para 2020 era de 4%, com tolerância de 2,50 pontos para cima ou para baixo).

Segundo os economistas, a inflação de 2021, que fechou em 10,06%, é a chamada "inflação de custo". Isso quer dizer que o valor gasto para se produzir ficou mais caro.

Imagine o seguinte exemplo: para um restaurante, o aumento dos alimentos pesa, mas também está mais caro fazer com que o produto chegue até o estabelecimento, porque o combustível está mais caro, já que o petróleo ficou com o preço mais alto. O que também eleva o valor do gás de cozinha.

Além disso, a energia elétrica está mais "salgada", por causa da crise hídrica que o Brasil atravessa. Todos esses custos serão repassados ao consumidor final. "Acaba sendo mais um serviço reajustado por conta de outros tantos", diz a professora e coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, Juliana Inhasz.

A avaliação é que três pontos foram fundamentais nessa disparada da inflação:

  1. Crise hídrica: As chuvas escassas provocaram aumento expressivo nas contas de luz, já que o País depende muito das usinas hidrelétricas, que viram suas represas reduzirem o volume. Além disso, a falta de chuvas também impactou as lavouras, o que acabou deixando alimentos mais caros.
  2. Petróleo mais caro no exterior: como os combustíveis derivados do petróleo são impactados pelo valor da commodity lá fora, com o ativo mais caro, gasolina e diesel também subiram, assim como o gás de cozinha.
  3. Incertezas internas: a falta de reformas, como administrativa e tributária, além da insegurança sobre o cumprimento do teto de gastos, causou uma instabilidade doméstica, o que envolve, neste caso, diretamente o governo federal. Com isso, os investidores se retraem, o que acaba afetando o mercado acionário, mas, principalmente, o dólar. Para produtos importados, a moeda americana é fundamental na composição de preços. Com ele mais caro, os valores ficam mais altos, o que afeta a inflação.

"O impacto da inflação por causa do isolamento social só aconteceria, muito provavelmente, em locais de renda alta, em que, mesmo paradas (sem emprego ou com renda mais baixa), as pessoas têm poupança guardada, por exemplo, podendo gastar. Não é o caso do Brasil, com o nível de desemprego que temos, perda de renda na volta ao mercado de trabalho, (o que resulta em) baixo poder de compra. E muitas pessoas continuaram produzindo também neste período. Não se justifica colocar no isolamento social a culpa pela inflação. Ela vem dos custos", diz Juliana Inhasz.

Existe um exemplo, no Brasil e no mundo, de uma situação em que o isolamento afeta diretamente a composição de preços, mas com impacto baixo. "Houve, principalmente em 2020, interrupção em cadeias globais. Na China, por exemplo, houve fechamento de fábricas, o que provoca quebra nessas cadeias globais de valor, e isso afetou o preço de vários insumos", diz o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) Luciano Nakabashi. No Brasil, um exemplo disso é o dos automóveis, que têm a produção prejudicada pela falta de chips. Mas, claro, não justificaria uma inflação de dois dígitos, disseminada por diferentes produtos e serviços

"O Brasil tem um excesso de inflação em relação a outros países. A gente viu aumento no preço do petróleo, em commodities, que geram um efeito sobre a estrutura de custo, e também o aumento do dólar, que impacta os preços domésticos. Este é um canal em que a instabilidade brasileira pode impactar. Tem uma parte que é comum a todos, como a pandemia, mas tivemos mais incertezas", diz o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

Estadão
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