Galípolo: 'É natural, na busca por alternativas para cumprir metas, que anúncios demandem revisão'
Chefe do BC avaliou que, apesar da reação negativa às medidas de aumento do IOF anunciadas por Haddad, 'ficou claro que o objetivo da Fazenda era perseguir e atender à meta fiscal'
BRASÍLIA E RIO - Ao comentar o recuo do governo em parte das medidas de aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta sexta-feira, 23, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deixou claro que está buscando cumprir as metas fiscais. Segundo ele, é natural, na busca por alternativas para cumprir essas metas, que alguns anúncios provoquem mal-estar e demandem revisão.
As declarações foram dadas no Seminário Anual de Política Monetária, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), no Rio de Janeiro. Diferentemente do previsto inicialmente, Galípolo participou do seminário de forma remota, por videoconferência, em vez de presencialmente.
"Achei que era pouco adequado hoje, para minha agenda, conseguir conciliar o deslocamento de ida e volta", justificou ele.
Galípolo lembrou que Haddad foi a público dar explicações tanto ao mercado quanto à sociedade. Segundo o presidente do BC, é preciso reconhecer a proatividade do ministro da Fazenda, que ouviu agentes e fez a alteração necessária, agiu ainda com o mercado fechado, sem que houvesse danos. Galípolo contou ter tomado conhecimento da medida do IOF sobre remessas como todas as demais pessoas, na entrevista coletiva.
"É claro que nessa busca de alternativas possam surgir ideias que à luz do sol provoquem algum mal-estar e demandem que sejam revistas ou suprimidas. E acho que todo mundo aqui precisa louvar e reconhecer que o ministro, como bom advogado que é, porque em poucas horas a medida já estava suprimida", disse.
Ele disse ter se reunido com Haddad na terça-feira, 20, mas para falar sobre a PEC da autonomia do Banco Central, e não sobre IOF.
Na quinta-feira, 22, o secretário executivo da Fazenda, Dario Durigan, disse, durante entrevista coletiva, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria discutido mudanças no IOF com Galípolo. Horas depois, Haddad foi ao X contradizer seu número 2, afirmando que nenhuma medida fiscal havia sido "negociada" com a autarquia.
Chefe do BC diz que 'não tem simpatia pela ideia' de aumentar o IOF
Galípolo acrescentou que, em debates anteriores, quando se discutiu a cobrança de IOF, não teve simpatia pela ideia, que sua posição pessoal sempre foi de não gostar de medidas como IOF, mas que sua opinião passada sobre o assunto não implica ingerência sobre decisões do Ministério da Fazenda.
Quanto à reação do mercado, ele avaliou que foi benigna sobre a contenção de despesa anunciada pela equipe econômica, e que a reação negativa foi devido a detalhes de IOF. Porém, a avaliação do presidente da autoridade monetária é de que ficou claro que o objetivo da Fazenda era perseguir e atender à meta fiscal. Diante da repercussão, teria ficado clara também a atitude democrática e tempestividade do Ministério da Fazenda na questão da reversão do IOF.
"Estamos vendo reflexos da atuação de Haddad nos preços do mercado hoje (sexta-feira, 23)", disse ele, acrescentando que também para o mercado está clara que a intenção da Fazenda era de ordem fiscal.
O chefe do BC disse que a autoridade monetária tem as ferramentas necessárias para perseguir as suas metas, mesmo que "desagradem".
"O Banco Central tem ferramentas para alcançar suas metas. Alguém pode reclamar, pode não gostar, mas está dentro do alcance do Banco Central", afirmou.
Quanto à política fiscal, Galípolo acrescentou que muitas das decisões que precisam ser tomadas envolvem negociações com agentes, um processo mais complexo e desafiador. Segundo ele, o Brasil acaba passando por um "quase que por um dilema".
"Você pode ter uma equipe superfocada e dedicada a alcançar e atingir as metas, mas o canal (...) fica bastante obstruído por toda essa necessidade que você tem de produzir um consenso talvez", declarou.
Segundo ele, o debate em torno do esforço fiscal demanda engajamento também da sociedade. "Vai demandar isso (engajamento da sociedade no debate). E tenho visto meus amigos (ministros) Simone Tebet (do Planejamento) e Fernando Haddad engajados nesse debate", disse ele. "Alguma coisa tem que ceder nesse processo."
'Sou zeloso, e ministros também, com a separação institucional com o BC'
Galípolo disse que tanto ele próprio, como os ministros, são "zelosos" com a separação institucional entre governo e autoridade monetária.
"Eu sou o primeiro a assumir um Banco Central autônomo e, tendo vindo da Secretaria Executiva da Fazenda, eu tenho um zelo ainda maior, isso amplifica o meu zelo, pela devida separação institucional da política monetária e do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento e das competências de cada uma delas", disse.
No evento desta sexta-feira, Galípolo elogiou as declarações do ministro. "Quando ele fala que não há negociação com o Banco Central ou que não há revisão por parte do Banco Central em medidas que são tomadas pelo Ministério da Fazenda, é absolutamente perfeito: o ministro da Fazenda demonstrando o zelo que ele tem pela questão institucional de cada um dos mandatos", disse o banqueiro central.
Ele defendeu ainda que é necessário haver "diálogo, harmonização e troca de informações" entre BC e governo, mas com separação institucional de mandatos e competências, repetindo que considera estranho, a nível pessoal, votar em temas relativos ao governo no Conselho Monetário Nacional (CMN). Ele ainda destacou que a separação institucional não implica relações pessoais.
"Já estou no Banco Central há quase dois anos e tenho certeza que, ao longo desses dois anos, diversas das medidas que tomei, seja no Comitê de Política Monetária, talvez não seria a mesma decisão que algum outro membro de qualquer outro ministério, autarquia ou do governo poderia ter tomado. Isso, de maneira nenhuma, abala as relações institucionais ou pessoais mesmo. Acho que isso corresponde ao bom funcionamento institucional", afirmou.
O presidente do BC também disse que a função da autarquia, em relação à política fiscal, é observar seus efeitos na inflação e reagir à alta de preços.
Palavras centrais na comunicação do BC são 'cautela' e 'flexibilidade'
Galípolo disse que as duas palavras centrais na comunicação da autoridade monetária são "cautela" e "flexibilidade".
"O que a cautela quer dizer é: dado o estágio que nós estamos da política monetária, e dada a incerteza, o Banco Central não deveria fazer movimentos bruscos neste momento", disse Galípolo. "Estamos no momento de preservar a flexibilidade, de preservar alternativas."
O banqueiro central explicou que, como a autarquia não deve fazer movimentos bruscos, o tempo em que a política monetária permanecerá em nível "substancialmente contracionista" ganha peso para a convergência da inflação à meta. Sobre a flexibilidade, destacou que não é o momento de indicar quais fatores poderiam levar a uma inflexão dos juros.
"O mundo está mais incerto, ele está mais surpreendente, ele está mais volátil, e tem cada vez mais notícias que impactam preços e a dinâmica dos ativos", disse. "Num mundo como esse, estando no Banco Central do Brasil, eu acho que faz bastante sentido preservarmos essa flexibilidade para a autoridade monetária."
O banqueiro central também voltou a dizer que o papel do BC, agora, é comunicar a sua função de reação, e não sinalizar passos futuros.
'BC tem conseguido passar bem pelos ciclos porque foi transparente'
Galípolo, disse que a comunicação da autoridade monetária tem conseguido passar bem pelos ciclos, porque tem sido transparente.
Segundo ele, a intenção da comunicação do Banco central "não é querer algo", mas sim explicitar o que está olhando em suas decisões. O presidente da autoridade monetária argumentou ser difícil formular cenários em meio à incerteza elevada, porque há dificuldade também de dizer que não são projeções.
"Sinto uma tendência dos bancos centrais a fazer uma comunicação mais direta, simplificada, sem sinais futuros", afirmou.
'A gente está há quatro anos sendo surpreendido por crescimentos superiores ao que se projetava'
Galípolo disse que as expectativas inflacionárias no País estão desancoradas por tempo longo, o que se acentuou no fim de 2024. Segundo ele, cresceu a confiança de que a política monetária está em patamar restritivo, embora a atividade econômica venha apresentando crescimento surpreendente nos últimos tempos.
"A gente está há quatro anos sendo surpreendido por crescimentos superiores ao que se projetava. Mesmo com taxas de juros de dois dígitos, a gente vem sendo sistematicamente surpreendido por um crescimento superior", afirmou.
Segundo ele, a dinâmica doméstica explica mais o motivo das expectativas e da reação do Banco Central, de ter acentuado e acelerado o aperto monetário. Ele lembrou ainda o processo de transição da presidência do Banco Central, quando substituiu Roberto Campos Neto, num processo que considerou exemplar, por mérito dos colegas e de seu antecessor.
Quanto à esperada desaceleração da atividade econômica, via eficácia da política monetária, ele menciona que há o receio de que o governo afrouxe a política fiscal numa tentativa de impedir um freio maior da economia. Segundo ele, a dúvida no mercado de que isso possa acontecer "coloca um desafio maior para a gestão da política monetária nesse momento", já que é difícil ser preventivo contra algo que não ocorreu, como uma eventual reação fiscal.
Galípolo defendeu que o Banco Central tem uma posição institucionalmente favorável, brincando ainda sobre o privilégio de comandar a autoridade monetária.
"Eu acho que não há outro lugar que eu gostaria de estar mais do que estar na presidência do Banco Central neste momento aqui no País. É uma honra, com essa equipe, com os diretores, com o staff do Banco Central, é realmente o melhor emprego que pode existir", declarou.
Incerteza global
Galípolo comentou a política monetária americana, lembrando que a vitória do presidente norte-americano Donald Trump trouxe mudanças no cenário do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano), que vinha conseguindo entregar uma desinflação. O presidente do BC lembrou que, no começo de 2025, ganhou força a ideia de que as tarifas anunciadas pelo governo Trump poderiam desacelerar a economia global.
No caso do Brasil, ele lembra que havia uma sensação no primeiro trimestre, de que o País tivesse uma posição mais privilegiada do que seus pares, pelo fato de ter parceiros comerciais mais diversificados e ser menos dependente do mercado norte-americano.
"Colocava o Brasil em posição que fosse menos afetado pela questão das tarifas, como por exemplo, o México", disse Galípolo.
Galípolo disse que o "Dia da Libertação", data do anúncio oficial de tarifaço pelo governo norte-americano, levou a um risk-off (aversão ao risco), mas com incerteza sobre o dólar como porto seguro. Como consequência, moedas emergentes acabaram sofrendo menos com risk-off do que antes.
"No Brasil, não vimos desvalorização acentuada da moeda", disse ele.
Quanto aos impactos na economia mundial, o presidente da autoridade monetária disse que o BC quer ver como vai ocorrer a desaceleração da atividade econômica global e como isso vai se traduzir em preços.
