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Com economia andando de lado há bastante tempo, fica mais difícil combater inflação, diz professor

Para o economista Paulo Picchetti, da FGV, atual cenário de preços é o mais complicado desde o Plano Real, em 1994

24 set 2021 - 15h28
(atualizado às 15h38)
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O economista Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e professor da Escola de Economia da FGV-SP, considera o atual cenário da inflação brasileira o mais complicado desde a estabilização da economia, em julho de 1994, com a edição do Plano Real.

De lá para cá, ele aponta dois momentos críticos de aceleração da inflação: em 2003, com a crise de expectativas, quando o dólar chegou a R$ 4, e em 2014, com o reajuste de tarifas. Em ambos os momentos, o quadro foi revertido com mais facilidade porque a economia brasileira vinha de um período de expansão.

Hoje, no entanto, o espaço para o ajuste de política fiscal existe, mas é menor, afirma o economista. "Estamos com a economia andando de lado há bastante tempo. Isso reduz os graus de liberdade, de um lado, para estimular a economia e, de outro, para combater a inflação". A seguir, os principais trechos da entrevista.

O resultado da prévia da IPCA-15 de setembro, que subiu 1,14%, surpreendeu?

Particularmente a mim não surpreendeu. Acompanho o IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor Semanal), que é um índice muito parecido com o IPCA. O IPC-S tinha encostado em 1,20% na terceira quadrissemana de setembro e deve acabar o mês mais para perto de 1,40%. Acho que essa dinâmica vale para o IPCA também. Isso porque há aumentos de energia elétrica, gasolina e de passagens aéreas (caso do IPC-S), que estão para serem incorporados no fechamento do mês. Acredito que o IPCA de setembro deve terminar acima dessa leitura da metade do mês.

Esse resultado da prévia de setembro muda a projeção da inflação para este ano?

No caso do IPC-S, acho que muda porque não só o número veio alto, mas os núcleos estão mostrando uma tendência de aceleração da inflação.

O resultado de setembro, que atingiu dois dígitos no acumulado em 12 meses (10,05%), pode mudar mais ainda a condução da política monetária?

O Banco Central já sinalizou que virá mais aumento de juros pela frente. O que vai acontecer além disso vai ser a reprodução do que já vem acontecendo nos últimos meses. Ele constantemente está checando a evolução da projeção à frente e se julgar necessário vai dar sinalizações de aumentos ainda adicionais. Não temos como falar sobre isso hoje.

Quando a inflação vai cair?

Todo mundo, eu, inclusive, imaginava que na virada do primeiro para o segundo semestre de 2021 os índices iriam bater o pico de 7% acumulado em 12 meses e iriam começar a cair a partir daí. Só que ocorreram várias surpresas: a crise hídrica, aumento das tarifas de energia, combustíveis e esse reaquecimento da economia com a reabertura das atividades suspensas na pandemia. Então, se chover suficientemente no verão para desligar as térmicas, retirar as bandeiras (cobradas na conta de luz) e essa mesma chuva ajudar na safra agrícola e na pecuária, imagino que em algum momento do primeiro trimestre do ano que vem teremos uma descompressão da inflação. Mas tudo isso está condicionado a esses fatores que são difíceis de prever. Isso sem incluir um outro lado que vem forte: toda a incerteza política ligada às reformas e à situação fiscal, que impedem o recuo do dólar, apesar do ganho das exportações. Vamos lembrar que 2022 será um ano eleitoral. Isso amplia as incertezas. Mas, sendo otimista em relação tanto ao clima meteorológico quanto ao político, acredito numa descompressão na inflação no primeiro trimestre de 2022.

Existem muitas incertezas, né?

Muitas. Estamos num momento particularmente volátil no Brasil e no mundo. Ainda não acrescentei a incerteza provocada pela pandemia. Estou sendo otimista, achando que todo mundo estará vacinado e a pandemia entrará numa trajetória benéfica na virada do ano.

Se compararmos o quadro da inflação no Brasil após o Plano Real, hoje o cenário é mais complicado?

Sem dúvida. Tivemos um momento de alta da inflação em 2003 com crise de expectativas, com o câmbio chegando a R$ 4, o IGP (Índice Geral de Preços) disparando, mas foi contornado. Assim que o tripé macroeconômico (meta de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante) foi reafirmado, o Banco Central reagiu e o ajuste foi feito e o quadro revertido. Mais recentemente, depois da reeleição de Dilma (presidente Dilma Rousseff), houve o reajuste tarifário e um ano de aceleração forte da inflação, mas também foi revertido. Diga-se de passagem, com uma recessão bastante profunda. O cenário de agora é mais complicado em termos de graus de liberdade. O espaço para o ajuste de política fiscal e monetária é menor comparado a esses dois episódios anteriores. Ele existe, mas é menor. Isso porque estamos com a economia andando de lado há bastante tempo. Ao contrário de 2003 e de 2014, quando estávamos no fim de um período de expansão. Isso reduz os graus de liberdade, de um lado, para estimular a economia e, de outro, para combater a inflação. Isso torna o momento atual particularmente desafiador.

Estadão
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