Apple e Costco decidem manter programas de diversidade, apesar da pressão de ativistas 'anti-woke'
Em meio à onda de revisão e cancelamento das políticas DEI por grandes empresas americanas, defensores de 'ações afirmativas' na contratação e manutenção de funcionários dizem que elas favorecem a criatividade e a inovação
Apesar de uma série de grandes empresas americanas ter revisto ou cancelado seus programas identitários - chamados de DEI (diversidade, equidade e inclusão) ou DEIA (com o acréscimo do "A" de acessibilidade) nos Estados Unidos- vários pesos-pesados do mundo dos negócios anunciaram que pretendem manter as suas iniciativas na área.
Fazem parte da lista a Apple e a Costco, gigante do varejo nos Estados Unidos. No fim de fevereiro, a assembleia de acionistas da Apple derrotou uma proposta do Centro Nacional para Pesquisa de Política Pública para acabar com seu programa de diversidade e inclusão. A rejeição da proposta teve o apoio de 97% dos acionistas presentes à assembleia, em linha com a recomendação feita pela diretoria da empresa antes da votação.
Em comunicado enviado previamente aos acionistas, a Apple disse que a iniciativa da entidade era "uma tentativa de restringir, de forma inadequada, a capacidade da empresa de gerenciar suas operações ordinárias, equipes e estratégias de negócios".
Em janeiro, a assembleia de acionistas da Costco tomou decisão semelhante, ao rejeitar uma proposta de eliminação de suas políticas DEI apresentada pela mesma organização. No caso da Costco, 98% dos acionistas votaram contra a proposta, também seguindo recomendação da direção da companhia.
Desde o anúncio das medidas anti-DEI implementadas pelo presidente americano, Donald Trump, logo após a sua posse, em 20 de janeiro, vários CEOs também vieram a público para expressar a intenção de manter os programas de diversidade e inclusão em suas empresas, entre eles dois figurões do mercado financeiro: Christian Sewing, do Deutsche Bank, que tem uma operação robusta nos Estados Unidos, e David Salomon, do banco de investimento Goldman Sachs, embora a instituição tenha anunciado que deixará de exigir das companhias interessadas em realizar operações de abertura de capital (IPO) que seus conselhos de administração reflitam a diversidade social.
"Ainda há muitas organizações que estão promovendo a diversidade, a equidade e a inclusão e dizem que, para elas, isso não é algo opcional, porque nós sabemos que é um imperativo empresarial", disse Mary-Frances Winter, fundadora e CEO do The Winters Group, uma consultoria liderada e dirigida por mulheres negras e voltada à promoção da diversidade e da inclusão em grandes empresas americanas, à CNBC, canal de TV por assinatura dedicado à economia.
Os defensores das políticas DEI argumentam que elas favorecem soluções criativas e a inovação. Eles afirmam, ainda, que os esforços para ampliar a diversidade, a equidade e a inclusão nas empresas ainda continuam a ser fundamentais para os negros e as mulheres, entre outros grupos sociais, poderem "equilibrar o jogo", em nível salarial e no tratamento recebido nos locais de trabalho, o que não aconteceu até agora, de acordo com diferentes pesquisas sobre o tema.
Um estudo da McKinsey, uma das principais consultorias internacionais, que investiu pesado para oferecer seus serviços na área para empresas e órgãos governamentais, de onde jorravam dólares em abundância até pouco tempo atrás, principalmente no governo Biden, mostra também que há uma estreita correlação entre a lucratividade e a diversidade de executivos e gestores.
Mesmo com fim da exigência de que os fornecedores do governo desenvolvam "ações afirmativas" para promover a integração de funcionários de grupos sub-representados no trabalho, como mulheres, negros, trans e pessoas com deficiência, não há nada que impeça as empresas de continuar com as suas políticas DEI, ainda que elas atendam órgãos federais no país.
Em 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, numa ação em que as universidades Harvard e da Carolina do Norte eram acusadas de praticar discriminação nas admissões de estudantes, por privilegiar a aceitação de candidatos de grupos sub-representados, que as "ações afirmativas" das instituições violavam a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda da Constituição americana. Por enquanto, porém, não há uma decisão semelhante que contemple especificamente os programas DEI na arena empresarial.
Absorventes e tampões
Diante da decisão de grandes empresas americanas de revisar ou encerrar seus programas DEI, seus funcionários têm se manifestado como podem contra as mudanças. Na Meta, controladora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, que anunciou a extinção de seu departamento de diversidade e inclusão em janeiro, um grupo de empregados promoveu um protesto contra a decisão e contra a retirada de tampões e absorventes destinados a funcionários trans que usam os banheiros do sexo com os quais se identificam. De acordo com uma reportagem publicada pelo The New York Times, os manifestantes decidiram levar seus próprios absorventes e tampões, para suprir a falta de produtos fornecidos pela empresa nos banheiros masculinos.
O movimento contra o fim das práticas DEI também têm obtido apoio de personalidades e grupos que atuam em defesa dos direitos das mulheres, dos negros e das minorias. No mês passado, o ministro da Igreja Batista Al Sharpton, ativista de direitos civis e radialista, anunciou que vai boicotar todas as companhias que eliminarem seus departamentos DEI e conclamou os fiéis a fazer o mesmo. "Nós vamos pedir para todo mundo neste país - negros, brancos, marrons, gays, heteros, mulheres, trans - para não comprar se não forem respeitados", disse Sharpton, para uma plateia reunida na Igreja Metodista Episcopal Africana Metropolitana, em Washington.
"Em 2020, muitas empresas assumiram grandes compromissos e fizeram grandes declarações sobre os papéis e objetivos dos programas DEI. E como estamos observando uma reviravolta nessa maré, acho que é muito oportuno que a gente investigue as empresas para ver se elas mantiveram essas grandes declarações que fizeram", afirmou recentemente Reyhan Ayas, economista sênior da Revelio Labs, especializada em dados e análises do mercado de trabalho americano. "Eu sempre digo que é muito fácil fazer declarações e compromissos públicos, porque ninguém vai verificar depois se você está fazendo as coisas com as quais se comprometeu. Eu posso dizer: 'Serei totalmente vegano até 2025', porque ninguém jamais me ligará depois e me perguntará se sou realmente vegano."