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'A raiz da pressão por aumento de gastos é sempre a mesma, eleição', diz Meirelles

Ex-ministro da Fazenda diz que, se teto de gastos for rompido agora, País terá uma crise maior que a registrada em 2015

8 ago 2020 - 13h01
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BRASÍLIA - Responsável pela proposta de criação do teto de gastos, o ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz que a alternativa à mudança na regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação seria a elevação da carga tributária.

Em entrevista ao Estadão, Meirelles lembra que o País tem pouca memória e que "quebrar" o teto levaria a uma crise muito maior do que a de 2015 porque agora, com a pandemia, a dívida pública está chegando em 100% do PIB. "A raiz das pressões é sempre a mesma, eleição, vontade de todos os envolvidos para usar mais recursos públicos para se favorecer junto ao eleitorado fazendo mais obras", diz. Abaixo, trechos da entrevista.

Qual a sua reação à tentativa de mudança do teto de gasto?

Desde o início, quando propusemos o teto, houve uma reação muito forte contrária. Nunca é uma coisa em que todos estão apoiando porque é normal todo governo querer gastar mais, fazer obras e outros tipos de investimentos para levar recursos para as suas regiões. O fato concreto é que vai contra o interesse individual de muita gente. Eu lembro, na época, fazendo palestras no Brasil e no exterior, muita gente achando que não seria possível aprovar. Saímos da recessão e funcionou. Só que o tempo passa e as pessoas não têm memória. Começa a voltar o desejo que o País gaste mais recursos para impulsionar a economia em obras, além do que vamos gastar com a pandemia. Só que com a dívida subindo na pandemia, o teto é mais importante do que nunca. Quebrar o teto vai levar a uma crise muito maior do que tivemos em 2015 porque agora teremos quase 100% de dívida pública.

Há uma mudança na intensidade da pressão? Tem a ver com a eleição?

A raiz das pressões é sempre a mesma, eleição, vontade de todos os envolvidos para usar mais recursos públicos para se favorecer junto ao eleitorado, fazendo mais obras. Sejam os parlamentares trazendo mais recursos nos seus municípios, seja o Executivo fazendo obras. Tudo isso é uma inclinação. A história tende a se repetir. As pessoas tendem a se esquecer do que causou os problemas e a cometer o mesmo erro.

Falta convicção ao ministro Paulo Guedes para a defesa do teto?

Eu não tenho conversado com ele a respeito disso. Mas tenho a impressão de que ele tem a consciência absoluta de que o teto de gasto é fundamental. A questão é ter toda uma estrutura que mostre isso que defenda isso. Não estou acompanhando o dia a dia de Brasília para saber a razão que isso não está sendo devidamente esclarecido. À medida que o problema agora é outro, a pandemia, é normal que pessoas que não são estudiosas no assunto e que estão sentindo lá a pressão para sair do problema mais rápido possível, queiram mais gasto público.

Pressão por gastos sempre existiu. O que é diferente agora?

Por isso, o gasto público subiu no Brasil durante 25 anos sem parar levando a uma brutal recessão. Passamos por diversos governos e partidos, de ideologias diferentes, e foi essa a realidade. Não é coincidência. Existe sempre essa pressão para gastar mais. Gastar o recurso público tem vantagens, fazendo obras, criando emprego. Mas o aumento da dívida pública, da inflação, tem um custo muito maior. Eventuais empregos criados são muito menores do que o desemprego criado pela recessão.

Qual a consequência da queda do teto?

Teremos uma escolha de Sofia. Entraríamos num processo de subida de risco, juros e eventualmente recessão. Outra alternativa seria o aumento da carga tributária para compensar o aumento de despesas. Quanto mais aumenta a carga, maior é o peso na atividade econômica.

Não é possível ter algum ajuste no teto para acomodar as demandas atuais?

Em minha opinião, não. No momento que se abre uma brecha como a se dizer: "por que não mais isso para acomodar mais obras?", "pera aí, tem mais outras obras", ou "tem mais despesas sociais". A grande vantagem do teto é que ele foi algo inflexível. Tem um teto e ponto final. Foi a primeira vez que houve uma real discussão de prioridade orçamentária no Brasil. Antes, quando se precisava gastar mais, se criava mais gasto e aumentava o déficit.

Mas essa definição de prioridades não está falhando?

Antes era sem limite. Agora, se dá o privilégio contra outras despesas que não podem ser incluídas (no Orçamento). O teto é inflexível. Ele não acomoda.

Os contrários ao teto dizem que sempre vence quem tem mais força, os mais poderosos ou com mais influência, em detrimento dos gastos com saúde e educação.

Isso é outra coisa que não é bem entendida. As despesas com saúde e educação. Não tem teto. Tem mínimo. Os gastos com saúde e educação estão garantidos pela Constituição. No momento em que se diminuíram esses investimentos foi uma decisão política do governo. O problema é que tira o teto, se libera aumento de despesa. Tem que obedecer o mínimo da educação e saúde, que inclusive é constitucional, investir esses recursos, e o resto, sim, vai sendo comprimido, o que torna viável pela reforma da Previdência.

E essa discussão jurídica de que a emenda do teto não pode estourar e acionar os gatilhos de correção, como corte de despesas com pessoal?

O teto tem toda uma lista de mecanismos autocorretivos. Uma série de medidas são constitucionalmente acionadas. É fundamental para que as pessoas não se entusiasmem com a ideia de quebrar o teto.

O Estado de São Paulo sempre foi um fator de pressão contrária à reforma. Como recebeu a proposta de reforma tributária?

O acordo feito pelos Estados e que foi concretizado através de um substitutivo apresentado no Congresso. Ele foi objeto de um acordo unânime entre todos os Estados. É o correto, justo para todos. A reforma define que o ICMS (imposto estadual), ao invés de ser pago a cada etapa na produção, é pago no destino, na hora que consome. Foi isso que causou sempre uma oposição muito forte dos Estados produtores. Os Estados que produzem mais do que consomem perdem com a reforma. É o caso de São Paulo. Pela primeira vez em 30 anos, chegamos a um acordo unânime em que se estabeleceu uma forma de compensação.

Como será?

Será tributado no destino (onde se compra o produto ou serviço), mas os recursos vão para uma conta única administrada por um comitê gestor administrado por todos os Estados, mas com critérios de distribuição. É garantido ao todos os Estados um valor mínimo em que é a arrecadação do ano base. Garantida por 10 anos, renováveis. Teremos 20 anos de adaptação para essa nova realidade. É algo que protege todos os Estados produtores. E isso fica resolvido.

São Paulo defende um imposto amplo, o IBS, com os tributos de Estados, municípios e União?

O melhor é o IVA (imposto sobre valor agregado) amplo com impostos federais, estaduais e municipais. Eu defendo a ideia de criar mecanismos para dar ao governo federal o poder de definir, com controle do Congresso, e não ficarem sujeito à definição dos Estados. Por outro lado, cabe aos Estados e municípios definirem as suas alíquotas e o seu sistema. Estando todos juntos é melhor. Em último caso, se a única solução for o chamado IVA dual (um imposto para o governo federal e outro para Estados e municípios), também funciona. E é perfeitamente viável atender as preocupações da União, de autonomia da sua política tributária.

O seu colega Bruno Covas, prefeito da maior cidade do Brasil, alertou que pode perder R$ 10 bilhões e quer os municípios fora da unificação. Como resolve esse impasse?

Existe esse ponto levantado pelas cidades maiores em relação às alíquotas do ISS (imposto municipal). Mas isso é factível acertar isso da mesma maneira que se acertou a questão dos Estados produtores versus consumidores. É possível criar um mecanismo de saída. As cidades podem ter mecanismo similar que protejam a sua arrecadação. Isso não pode impedir o que o Brasil precisa que é a reforma tributária que de fato vai simplificar enormemente a vida das empresas que hoje gastam 1.600 horas por ano para pagar imposto.

O que acha da volta da CPMF?

Ela é um imposto que cria uma série de distorções. Os produtos que têm cadeia de produção mais longa tendem a ter mais carga tributária porque têm maior número de transações. Tem também aspectos distributivos relevantes à medida que todos pagam a mesma alíquota. Não é um imposto ideal, mas temos um problema de um déficit enorme que precisa ser equacionado e tem algumas decisões difíceis a serem tomadas. Enquanto eu estava no Ministério da Fazenda, evitei a criação desse tipo de tributo.

Pode se tornar inevitável?

Nada é inevitável. É questão de alternativa. Um ponto importante é que precisa saber o que não está claro na reforma tributária o que eles tirariam de imposto, que poderiam em tese serem piores do que esse. Resta ver como é o resultado final de substituição de impostos.

Seria palatável?

Depende do imposto que for tirar. Temos que verificar comparativamente.

Está faltando a proposta toda para o debate amplo da reforma?

Está faltando definir o pacote inteiro, se no final os ganhos e perdas compensariam ou não a volta da CPMF. É importante que não exista aumento de carga tributária. Pode haver a substituição de impostos visando uma simplificação e maior eficiência fiscal,mas isto não pode ser usado como forma disfarçada de aumento da carga tributária.

Estadão
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