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Músicos eruditos brasileiros que estudam fora voltam ao País

Eles se apresentam neste domingo, 7, com a Sinfônica de Heliópolis e entre os dias 16 a 20 com a Osesp

6 out 2018 - 17h53
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A ideia foi de um vizinho. Geisa gostava de cantar. E ele havia ouvido falar que um coro estava sendo criado. Por que não? Lá foi ela com uma amiga - e logo descobriu que o coro era, na verdade, uma orquestra de cordas. Por que não? Foram três anos de violino. Até que o projeto baseado em Salvador foi obrigado a fechar as portas por causa de falta de verbas. Um professor lhe ofereceu aulas de graça. Mas ela nem mesmo tinha um violino. "Eu abracei a música, mas não foi um período fácil."

Dez anos se passaram. Nesse meio tempo, Geisa já se apresentou com a Orquestra Filarmônica de Berlim e hoje continua seus estudos em Frankfurt. É uma dos onze jovens artistas que amanhã e terça sobem ao palco da Sala São Paulo para um concerto com a Orquestra Acadêmica Mozarteum. Não por acaso: todos eles receberam em algum momento bolsas para estudar fora do País, na esteira de uma mudança de foco da entidade que, ao lado da temporada internacional de concertos, voltou-se nos últimos anos com força para a atividade pedagógica.

Com Geisa estarão o sopranista Bruno de Sá, a soprano Camila Rabello, os violinistas Eder Grangeiro e Jesse Reis, o compositor Eduardo Frigatti, os tenores Gabriel Henrique e Ian Spinetti, o violista José Batista Junior, o contrabaixista Julio Nogueira, a mezzo-soprano Marcela Rahal e o barítono Vinicius Costa. São todos representantes de uma geração que é consequência de um investimento amplo em projetos de formação que pautou o meio musical brasileiro nas últimas duas décadas.

Não estão sozinhos. Hoje, a Sinfônica Heliópolis sobe ao palco do Teatro Municipal para interpretar as Quatro Estações de Vivaldi, tendo como solista um de seus integrantes. No dia 14, a Orquestra Jovem do Estado se apresenta na Sala São Paulo com alunos Emesp como solistas. E, dos dias 16 a 20, a Osesp apresenta concertos com os vencedores de seu Concurso Jovens Solistas.

Inserção. O caminho de Geisa Santos se mistura a essa trajetória de investimento em projetos de formação musical que aliam a excelência à preocupação com a inserção social. Aos 17 anos, ela, agora tocando viola, participou do grupo de 14 músicos que fundou o Neojiba ao lado do pianista e maestro Ricardo Castro. Visitou a Venezuela algumas vezes, para compreender o método de ensino do projeto El Sistema. Quando a orquestra do Neojiba participou do Festival Música em Trancoso, criado pelo Mozarteum, conheceu professores que deram a ela a ideia de se mudar para a Europa.

"Eu queria ir, mas não tinha recursos. Um ano se passou e então consegui a bolsa para estudar dois anos na Academia da Filarmônica de Berlim. Foi difícil, foi necessário muito esforço para estar ali, mas de repente você está se apresentando com Daniel Barenboim, está tomando café e na mesa ao lado está Simon Rattle. O que você aprende, em todos os sentidos, é incrível", ela conta.

José Batista Junior também fala em um aprendizado difícil de definir em palavras. Nascido em Osasco, ele começou a estudar viola com 12 anos. Aos 17, entrou na Sinfônica Heliópolis. "Ali aprendi o que significava tocar em conjunto, respeitar o colega, saber se adaptar", conta. Ali também conheceu os professores que lhe abririam o caminho para uma mudança radical: ir estudar em Israel. "Era um sonho, mas com muitas dúvidas, não é fácil você estar longe da família, em outra cultura. O coração ficava muito apertado", ele lembra. De Israel, ele mudou-se para a Alemanha. "Poder tocar em Berlim e ver de perto aquela cena musical me transformou."

Junior voltou para Israel, onde passou dois anos, e agora se prepara para ir viver em Frankfurt. O destino levou Jessé Reis, por sua vez, à República Checa. O destino - e uma grande paixão. Ele começou a tocar violino "a sério" com 6 anos, quando o pai lhe fez uma pergunta: queria um videogame ou um instrumento de aniversário? Escolha feita, tornou-se, aos 13 anos, o músico mais jovem a ser aceito na Orquestra Experimental de Repertório, em São Paulo.

"No dia do primeiro concerto, entrei no palco e quase saí correndo. Bateu um desespero: será que estou pronto?" Estava. E, pouco tempo depois, partiu para um mês de aulas em Pommersfeld, na Alemanha. "Lá conheci uma harpista por quem me apaixonei. Tinha ganho o Prelúdio (programa de calouros da TV Cultura) e uma bolsa para ir para a Hungria. Adiantei a viagem e fui." Estão juntos até hoje, e oportunidades de trabalho os levaram à República Checa.

Jessé, hoje com 22 anos, diz que estar na Europa, "com visto, trabalho", é um privilégio. Quer terminar seus estudos. Mas o Brasil não sai da mente. "Ainda é meu país e poder viver de música aqui é uma possibilidade que não ignoro. Tocar, mas também poder ensinar, trabalhar com jovens. Além do que, na Europa é muito frio", brinca.

Geisa segue na mesma linha. "O trabalho no Neojiba tinha a ver não só com formar músicos, mas também seres humanos. É essa a nossa marca. E, por mais que eu queira encontrar um trabalho numa grande orquestra na Europa ou no Brasil, o que mais me fascina é a possibilidade de ensinar, de dar para alguém tudo aquilo que eu recebi e que me ajudou a estar hoje aqui."

Voz rara. Aconteceu no Natal de 2011. Bruno de Sá havia passado em um concurso para dar aulas de música em Itabatinga, no interior de São Paulo - e fora aceito em um importante festival de música. Nada de espírito natalino. Aqueles foram dias, ele conta, de angústia. Até que escreveu ao festival dizendo que não poderia participar. "Era a opção mais segura, mas fiquei tão mal que minha família se reuniu para me dizer: vai para o festival, a gente dá um jeito."

De volta ao começo. A memória de Bruno não vai tão longe, mas a da família dá conta de que, aos 2 anos, ele já gostava de se comunicar cantando. Com 6, foi estudar piano. Detestou. Com 9, tentou o clarinete. Seis anos mais tarde, a família mudou-se de Santo André para Itabatinga. Na falta de um professor, abandonou o instrumento.

Seguiu cantando, mas como hobby. Até o vestibular. "Na feira de profissões, fomos visitar a Universidade Federal de São Carlos. E fiquei encantado com o departamento de música." Voltou correndo para o piano e começou a estudar flauta. O primeiro, abandonou logo que entrou na faculdade; no segundo, persistiu. "Mas o que me fascinava mesmo era participar no laboratório de canto da universidade."

Há, nesta história, um detalhe importante. A voz de Bruno é rara. Seu registro é o de sopranista - voz masculina que se aproxima da voz feminina. Foram precisos alguns anos até que ele e seus professores entendessem isso. Foi apenas em 2013 (depois de ter largado o concurso) que ele teve contato com o cravista Nicolau de Figueiredo, que mostrou a ele as possibilidades de sua voz. "Eu nem tinha ouvido falar dessa voz, que mantém os agudos infantis, mas com o corpo de voz masculino adulto", explica.

Voltou a estudar, agora na USP. Em 2015 e 2016, integrou a Academia de Ópera do Teatro São Pedro. Após participar do festival Canto em Trancoso, foi aceito no Trinity College, em Londres. Mas não conseguiu o dinheiro para pagar os estudos. Até que, neste ano, conseguiu uma bolsa para se mudar para Basel, na Suíça.

Bruno lembra de algo que ouviu do professor Francisco Campos: seu futuro não vai ser aqui. "No Brasil, há poucas oportunidades, ainda mais para uma voz como a minha." Há uma ponta de chateação na fala, mas logo some. "É uma carreira difícil, que faz você se questionar o tempo todo. Você tem que bater em muitas portas, precisa lidar com a espera, isso requer paciência. Mas, no fundo, é preciso estudar e estar pronto para quando uma delas se abrir."

Estadão
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