PUBLICIDADE

40 anos da loucura do Joelho de Porco com Os Trapalhões

O lendário Billy Bond, hoje com 72 anos, resiste às entrevistas, mas nos atendeu para relembrar histórias da banda.

17 mar 2018 - 08h07
(atualizado em 21/3/2018 às 12h14)
Compartilhar
Exibir comentários
Foto: Reprodução / Acervo Rede Globo

“Ô da poltrona! O público pediu e o programa Os Trapalhões apresenta o grande conjunto Joelho de Porco. É loucura total”.

Quem apresenta é Renato Aragão, entre a incerteza e o constrangimento, sorrindo tenso e empolgado, enquanto é acossado por Billy Bond, rosto pintado e postura provocativa, como quem está fora de si, pronto pra arrancar da mão do Didi Mocó, por alguns minutos, o protagonismo do principal programa de humor da TV brasileira no fim dos anos 70. Num domingo à noite, horário da família diante da TV, com uma música que fazia uma evidente referência à cocaína. Em 1978. Há 40 anos.

“Agora vou cheirar rapé que está poeira não está dando pé/do asfalto pro metrô essa poeira louco me deixou/Louco, louco, loooouco!” Os versos não dão muita margem a interpretações. São de O Rapé, faixa que abre o álbum Joelho de Porco, da banda paulista fundada no início dos 70 por Próspero Albanese  —  Tico Terpins pulou pra dentro logo depois e rapidamente se tornou a força motora do grupo  —  mais Rodolfo Ayres Braga, Walter Baillot e Conrado Assis. Foi essa a música escolhida pela banda pra dublar, com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, num quadro tradicional do programa, numa noite de domingo na TV Globo.

Joelho de Porco é o segundo álbum, primeiro e único com a Som Livre, gravadora das Organizações Globo. Lançado em 1978, é o disco da formação que somou a maquiagem pesada aos smokings já utilizados anteriormente — três anos antes, Tico, Próspero Albanese, Walter Baillot, Dudi Gusper, Flávio Pimenta e Sérgio Sá gravaram São Paulo 1554/Hoje, pelo selo independente Crazy, e já se vestiam a rigor.

Billy Bond assumiu os vocais em 1976, na oitava formação da banda. Figura reluzente do rock argentino, vinha do combo de hard rock Billy Bond e La Pesada del Rock and Roll, e havia produzido nomes como Charly Garcia, provavelmente o maior nome do rock portenho, mais Sue Generis e Pappo Blues. “Vim para o Brasil exilado”, informa. Problemas com a ditadura portenha. Lançado no ano passado, o documentário Meu Tio e o Joelho de Porco conta a história da banda a partir da figura do baixista. O longa é dirigido por Rafael Terpins, sobrinho de Tico, e correu alguns festivais de cinema pelo país ao longo de 2017. Billy se recusou a colaborar com o documentário e a ceder imagens. A equipe teve que borrar o rosto do argentino nas cenas em que ele aparece com a banda.

Billy, hoje aos 72 anos, resistiu às tentativas de entrevista. Por e-mail, respondeu o que quis e não necessariamente o que lhe foi perguntado. Esclareceu alguns pontos, jogou mais sombra em outros, arrasou com a figura do ex-companheiro Tico. 

TUMULTO NO CENTRO DE SÃO PAULO

“O nosso punk pede passagem. Mas, que punk é esse?” perguntava Gerson Faria no título da reportagem sobre a banda, publicada em 1978 na extinta revista Pop. Em duas páginas, a matéria traça uma espécie de perfil do grupo, e conta a história do show de lançamento do álbum, numa boate da época, a Som de Cristal, um buraco na rua Rego Freitas, travessa da rua da Consolação, centrão de São Paulo. Que era qualquer coisa menos uma casa de rock.

Revista Pop, 1978
Revista Pop, 1978
Foto: Reprodução

Do mesmo modo que o Joelho de Porco não tinha nada de punk. O espírito era o deboche, o humor, a afronta (aí sim um elemento punk), que deu origem a uma geração de grupos como o Premeditando o Breque (depois Premê), Língua de Trapo, Ultraje a Rigor e semelhantes. O som trazia riffs e solos de guitarra assinados por nomes como Wander Taffo, Baillot e Mozart Mello, e os arranjos apontavam, em geral, pro hard rock dos 70. As letras iam da crítica social e comportamental (São Paulo By Day, Meus vinte e seis anos, Rio de Janeiro City) a piadas de duplo sentido (Mardito Fiapo de Manga, México Lindo), sempre na linha do sarro — alguns bem sacados, outros nem tanto. “Queria saber quem foi o idiota que inventou essa história”, responde Tico a Gerson Faria à Pop ao ser perguntado o que a passeata que antecedeu o show de lançamento tinha de punk. “Tudo bem, faz de conta que é punk”.

A formação do show na Som de Cristal é a mesma que se dublou em Os Trapalhões naquele mesmo ano: Billy Bond, vocais; Tico Terpins, baixo e vocais; Mozart Mello, guitarra; Dino Vicente, teclados e sintetizadores; Juba (que anos depois assumiu as baquetas da Blitz), bateria.

Meses depois, em dezembro, em temporada no Thereza Rachel, no Rio de Janeiro, lugar adotado pelo rock nos anos 70, a banda se atracou fisicamente com parte da plateia. A história é narrada por Ricardo Puglialli em seu site. Testemunha ocular, acompanhou, na tarde-noite do dia 26 de dezembro (a temporada foi de 18 a 30) a passagem de som da banda — quando ouviu um dos músicos perguntar pelo tijolo de maconha escondido por Tico atrás de uma das poltronas do teatro — e conheceu outra formação: Netinho, dos Incríveis, no lugar de Juba; Pisca na guitarra, em vez de Mozart; Marinho nos teclados e sintetizadores, posto que havia sido de Dino. Segundo escreve Puglialli, quando uma garrafa foi arremessada no palco, Billy pediu para que o canhão de luz iluminasse o malandro responsável pelo arremesso e convidou o sujeito a subir. Depois de alguns palavrões dirigidos ao cara, empurrou o sujeito do alto do palco para a plateia.

Dino lembra de outra, na mesma temporada, em que Tico e Billy peitaram parte do público quando um grupo decidiu dar uma bela ovada banda.

“[Os atiradores estavam] sentados no mezanino do teatro. O Tico e o Billy, quando perceberam o que estava acontecendo, desceram do palco, subiram para o mezanino e jogaram os caras lá de cima, para o delírio do restante da plateia, que aplaudia, urrava!” Rafael Terpins conta que, entre os malucos nas fileiras do Thereza Rachel, estava um adolescente chamado Roberto Frejat.

Mozart Mello lembra de outras: “Todo show tinha um concurso de dança. Os casais subiam pra dançar e depois, o casal campeão, recebia um prêmio. O prêmio era o seguinte: eles ficavam dançando lá e eles [Tico e Billy] jogavam o casal do palco pro chão. Esse era o presente”, recorda. “E algumas brigas também, paravam o show pra brigar com o cara que estava lá no teatro, tal. Era só confusão, o tempo inteiro. Tinha uma veia engraçada e uma veia um pouco perigosa. Você andava no limite disso.”

Revista Pop, 1978
Revista Pop, 1978
Foto: Reprodução

SÃO PAULO BY DAY

Corta de novo para São Paulo e a boate no centro: a violência seguiu a banda pelas ruas da cidade. O Joelho decidiu ir à pé do Largo do Arouche (Mozart Mello tem na lembrança a saída da Praça da República) até a Som de Cristal, no pé da Consolação, e deu início a uma passeata acompanhada por um grupo de mais ou menos 50, entre fãs e desocupados. Dino diz não se lembrar da passeata.

No Arouche, conta Gerson na Pop, Tico, já maquiado, encontrou os companheiros de banda no bar O Pingão. Lá, diante da demora em seguir rumo à boate, fãs começaram a gritar por cerveja. A TV Globo aparece; Tico sobe na mesa e pergunta se “é pro Fantástico”. “O Joelho de Porco em sua caminhada punk. O punk rock no Brasil”, brada Tico, contraditório, com o provável microfone da Globo em uma mão, um copo de cerveja na outra, em cima de uma mesa, cercado por fãs e curiosos. “Iremos a pé daqui até a Som de Cristal”. E puxa o coro “porco!porco! porco!” Feito palmeirenses, a turma acompanha. O texto em off da reportagem é narrado por Marília Gabriela.

Murros nas mesas, copos quebrados, Faria destaca o apelo de um funcionário da emissora: “vamos recolher logo o equipamento. Eles vão quebrar tudo”. Desavisado, um jovem surgiu com a camiseta do Made in Brazil e tomou uma vaia. O dono do boteco decidiu cerrar as portas pra evitar o pior. No caminho até a Som de Cristal, a passeata levou caos ao trânsito à época já enroscado de São Paulo, e parte dos seguidores tentou quebrar alguns carros.

Como o show era grátis, a boate lotou em pouco tempo. A Pop lembra que, com a casa cheia, outros 300 se espremiam do lado de fora a fim de entrar. Tico, que antes havia dito que era só empurrar que caberia mais gente, diante do cenário na Som de Cristal e um pouco menos irresponsável, tentou negociar com a segurança pra que mais gente entrasse. Nada feito. Até Mozart Mello teve problemas na porta. “Eu não consegui entrar”, lembra. “Eu falava pro segurança, ‘vou tocar aqui, deixa eu entrar, cara’. E ele falava ‘fica aí, fica na sua’, porque já estava lotado. Fiquei esperando uns 20 minutos na porta até que aparecesse alguém da produção pra me colocar pra dentro”.

Dino, que chegou ao Joelho depois de outras experiências no pop nacional, o Som Nosso de Cada Dia entre delas, se recorda de ter feito apenas dois ensaios antes do show de lançamento do disco.

E se lembra de outro enrosco. No programa Almoço com as Estrelas, do casal Airton e Pepita Rodrigues, transmitido ao vivo pela TV Tupi, Tico ameaçou arrancar a peruca de um cantor popular que estava à mesa. “O cara pegou uma faca e disse que se o Tico viesse com gracinha, matava ele ali mesmo”, conta. “O cantor passou o almoço todo com uma faca no colo. E o Tico só na provocação. No final, levamos umas garrafas de vinho e uísque que serviam de decoração do programa”.

ESSA POEIRA NÃO TÁ DANDO PÉ

O general Ernesto Geisel governou o país entre 1974 e 1979. Foi nesse período que o governo militar deu início a um processo lento rumo à redemocratização. Foi também no governo Geisel que caiu a farsa do milagre econômico. A crise do petróleo e a recessão mundial atingiram a economia do país. Secam os investimentos estrangeiros e insatisfação popular aumenta.

Os militares radicais resistem ao processo de reabertura. No fim de 1975, o jornalista Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-Codi; em janeiro do ano seguinte, o operário Manoel Fiel Filho é encontrado morto em condições muito parecidas. Em 78, Geisel põe fim ao AI-5 e restaura o habeas-corpus.

Foto: Reprodução

Foi nesse cenário que o Joelho de Porco foi à Globo para gravar participação em Os Trapalhões com O Rapé. Ainda que se esforce para parecer uma crítica cômica à poluição de uma cidade como São Paulo, berço da banda (embora no período com a Som Livre os músicos tenham mudado para o Rio), versos como “Respirando poeira atravesso fronteiras”, não deixam muita dúvida. Ela foi ao ar, na íntegra, com banda e humoristas disputando espaço em frente às câmeras. Um dos momentos mais incríveis da história da TV no país.

“Realmente foi um marco, porque nós fizemos duas coisas na TV Globo: Os Trapalhões, que foram muito gentis com o Joelho, fizeram brincadeira e agiram tão profissionalmente que ajudaram a banda a divulgar [a música]”, celebra Mozart. “E também outro programa de rock que eu não me lembro o nome, que fizemos junto com a Rita Lee e o Raul Seixas, que foi muito legal também”, conta  —  a banda ainda gravou um vídeoclipe de São Paulo By Day para o Fantástico, algo que os artistas faziam à época. “Os bastidores eram sempre complicados. O Joelho de Porco, onde andava, arranjava confusão pelas brincadeiras inoportunas”. Todas com a assinatura de Tico e Billy.

Em Meu Tio e o Joelho de Porco, Jane Guper, primeira mulher de Tico, conta que o músico costumava beber uma garrafa de conhaque por noite e que, devidamente cozido, aprontava no palco. E lembra que a cocaína também fazia parte do cardápio. Numa das ocasiões em que a droga estava na jogada, retoma uma história com Aracy de Almeida, madrinha da banda. Segundo Jane, a cantora chegou a pedir o pó de Tico porque estava com a unha do pé encravada, e a despejou no dedo como se fosse talco.

Netinho, eterno baterista dos Incríveis, de passagem pelo Joelho também em 1978, conta, também no longa, que em uma festa, diante da cocaína em uma bandeja, Tico aproximou o rosto como quem daria uma cafungada e soprou o pó pra longe.

TEM UM PÓ ESTRANHO ALI

O vídeo gravado para Os Trapalhões se divide em duas esquetes, que correm em paralelo e se revezam na tela. Em uma delas, Didi é um faxineiro em meio à banda, tentando limpar o rapé/talco que pinta o palco de branco enquanto a banda ataca o playback. De macacão vermelho e vassoura na mão, Didi tem uma bolinha branca na ponta do nariz e faz a poeira subir. Depois de circular por entre a banda como quem quer limpar a área, é arremessado pra fora da cena pelos músicos e desiste de vez do protagonismo. Na outra, os quatro humoristas encarnam a banda fictícia “Os Focinhos de Porco”: maquiados e de instrumentos em punho, dublam a música em uma paródia ao Joelho. Perto do fim do quadro, uma explosão faz “sumir” as cabeças dos músicos do Joelho, em um efeito sugestivo de chroma key. Eles aproveitam pra se atracar em tapas e empurrões.

“A confusão já começava nos camarins”, antecipa Dino. “Não fizemos nada do que a produção do programa propôs. O que hoje está editado é o que eles conseguiram salvar das gravações”, registra, e emenda que adorava Os Trapalhões.

“Eles foram atropelados pelo Joelho. Acho que não esperavam tanta energia e desenvoltura”, retoma Dino. “Se repararmos no segundo personagem do Renato Aragão, o faxineiro de vermelho com a vassoura, depois que ele é literalmente arremessado da passarela pelo Tico, ele não volta mais em primeiro plano. Fica escondido atrás do cenário fazendo umas gracinhas, fugindo do Tico”.

“Os Trapalhões eram experts em constranger seus convidados, mas eles não estavam preparados para o Joelho de Porco”, analisa Rafael. “Não estavam preparados para uma banda que não conhecia limites. Deu no que deu. A mesma rodinha do Thereza Rachel, quando a banda decidiu arremessar a parte rebelde do público mezanino abaixo, a mesma rodinha que deixou o Zé Rodrix [futuro membro da banda, que durante anos integrou a Sá, Rodrix e Guarabira] pelado no palco do teatro carioca, agora deixava Renato Aragão visivelmente constrangido. O futuro porta-voz da Unicef estava com o nariz branco de rapé”, se diverte.

“As ações eram reais. Várias vezes enchemos de porrada algum incauto freguês. E todas as anedotas de TV, Almoço com as Estrelas etc., são verídicas. E tem um detalhe sobre o Chacrinha: nós fomos os únicos na história brasileira a buzinar o Chacrinha”, se gaba Billy.

“Eu era macaco velho. Tinha muita experiência de TV e de palco, e tinha a coisa mais importante: a santa justificação do vale-tudo”, expõe, ao falar sobre o que se passou nas gravações com os humoristas na TV Globo.”

“Os Trapalhões, apesar de poderosos (pelo seu Ibope), tinham medos e limitações que a Globo impunha e, para nós, eram praticamente vítimas. [Assim] Foi um banquete, graças à liberdade que Renato e seus cúmplices nos deram, porque entendiam de tudo… nos abriram espaço.”

Billy prossegue: “foi a glória! Eu tinha o microfone na mão. Era o que dava a letra. (…) A experiência me dava um estranho poder: comandar a atenção das câmeras. Renato se deixou levar pela maré. Foi uma festa que todos desfrutamos.

“Era a primeira vez que entrávamos nos lares para milhões de pessoas com temáticas controvertidas e problemáticas: a droga, os roubos, assaltos, criminalidade [numa menção à música São Paulo by Day, de Tico e Próspero, lançada em São Paulo 1554/Hoje e regravada em Joelho de Porco, que brinca com os assaltos no centro da cidade], a política, a corrupção. Foi nossa grande oportunidade. Eu estava conseguindo cumprir as primeiras metas”.

“Eu não sei até hoje como que isso passou ileso sem cortes… em 1978!”, surpreende-se Dino. O tecladista lembra que, embora esteja há anos no YouTube  —  um dos vídeos publicados no portal tem mais de 40 mil visualizações e está no ar desde outubro de 2013 –, a Globo não autorizou o uso das imagens no documentário de Rafael Terpins. “Olha o retrocesso”, lamenta Dino.

“As letras eram tão bem humoradas que chegavam a ser até um pouco inocentes”, retoma Mozart ao pensar nos versos de “O Rapé”. “Não estava carregada de um ar de agressividade, de estímulo. Hoje estamos vivendo uma vibe que é tudo muito pesado, mas na época era tudo mais brincadeira, as pessoas cantavam sem se preocupar com isso, e eu acho que mais o lado de brincar mesmo sobressaía do que algum estímulo, alguma coisa”.

Mozart destaca o lado profissional dos humoristas. Ao contrário do que diz Dino, lembra que toda a confusão do quadro foi combinada com eles anteriormente. E que, de tanto profissionalismo, em alguns momentos a relação chegava a parecer distante, “porque era extremamente profissional. Não poderia ser de outra maneira, né?”

O guitarrista, há décadas uma referência no instrumento no país, detona a postura da banda. Ele se queixa dos trotes promovidos por Billy e Terpins. Mais de uma vez diz que a dupla passava dos limites. E que as sacanagens promovidas pelos dois incomodavam o meio artístico e sujavam o filme do Joelho. “Às vezes eu ficava com muita vergonha, porque as pessoas se sentiam incomodadas”, aponta. “Os limites do profissionalismo eram ultrapassados. Essa coisa debochada, de brincar, passou um pouco dos limites. Nos bastidores, tem que ser uma coisa extremamente profissional. Gravando, tudo bem, mas nos bastidores tem que ter outro tipo de postura, e os dois passavam dos limites. Eu, o Juba e o Dino não, a gente ficava na nossa, porque praticamente éramos contratados pra fazer a coisa acontecer no palco”.

“Na realidade, o caos era só no ar”, contrapõe Billy. “Nos bastidores, todo mundo respeitava, os produtores dos programas nos adoravam, porque éramos calmos. Pero quando entrávamos em ação, era um furacão. Subia o Ibope. Sempre aprontávamos algo que causava espanto em alguns e risadas. Essa sempre foi a nossa sorte. Para alguns, éramos inofensivos”, decreta.

Joelho de Porco
Joelho de Porco
Foto: Reprodução

BILLY BOND x JOELHO  DE PORCO

O músico argentino sabia como se portar diante de uma plateia com o microfone nas mãos. No Brasil, antes do Joelho, conheceu na prática os corredores do show biz. Ele trabalhou com Ney Matrogrosso ao produzir o primeiro disco solo do cantor em 1975, Água do Céu-Pássaro, e embarcou, como produtor e engenheiro de som, na turnê do disco de Ney, “Homem de Neanderthal”, faixa que abre o álbum. Deixou a excursão em Belo Horizonte (Billy não precisa a data) e decidiu ir a São Paulo tentar a carreira como cantor.

“Uma noite, desci as escadas do teatro Ruth Escobar, no Bixiga (região central-boêmia de São Paulo) para ver uma banda e eles estavam no palco, tocando para no máximo, sem mentir, uns 20 convidados. Era the last show”, conta.

“Um som lamentável”, prossegue. “Um baixista que errava notas, um cantante que dançava sem parar [o também ator Ricardo Petraglia] mas não cantava. Um guitar man correto [que lembra de ser Walter Baillot] e uma batera sólida [Franklin] bem tocada”.

“Tico, bêbado, tentava cantar algumas frases… Todos de smoking. No início eu achava que era ironia, mas depois de uns minutos descobri que aquilo que faziam era sério”. Ironiza: “Aquilo em sério? Era uma piada”.

“Dentro de mim, pensei na ideia de converter aquilo em algo ideologicamente correto e mais profissional”, diz. Enquanto não lhe surgia nada mais interessante pós-Ney Matogrosso  —  é o que ele diz –, decidiu se oferecer como vocalista. A proposta foi feita, segundo Billy, nos camarins, depois do que ele classificou como “show desastrado”.

“’Sou um cantor e um produtor para essa banda’. Tico, com seu ar de desprezo de sempre, falou: ‘sim, quem?’ Eu, não menos presunçoso, respondi: ‘eu. Aqui tem meu telefone. Me liga se interessar’”. Segundo Billy, Tico ligou três dias depois.

“Pronto. O cachorro começava a ser domado e eu tinha conseguido um parceiro com brasilidade e letras que, bem formuladas, eram uma bomba”.

No documentário, Julio Calasso, à época produtor da banda, passa uma rasteira na lembrança cheia de arrojo e petulância que Billy tem da sua chegada ao grupo. “Billy pagou pra entrar no Joelho”, diz, rindo, ao lembrar que o argentino lhe entregou “dez contos pra eu pagar a mídia”.

Em Os Trapalhões e sustentados por uma major, a banda chegava a seu “ápice midiático”, defende Rafael. “Segundos antes de naufragar e dissolver em uma briga entre meu tio Tico e o cantor Billy Bond. Uma briga que infelizmente nunca será esclarecida. Me foi negada esta oportunidade pelo próprio cantor, que recusou participar do documentário. Mas minha frustração maior foi não poder utilizar este trecho dos Trapalhões no filme, a Globo se recusou a licenciar este trecho. Aproveitem enquanto ele vive jogado no YouTube!” Sobre isso, Rafael diz apenas que a Globo negou a utilização, sem esclarecer por que. E que, alertado por sua advogada, deixou de fora do filme o vídeo que está disponível na internet.

Billy Bond
Billy Bond
Foto: Arquivo Pessoal

BILLY x TICO

Billy é duro quando fala de Tico. Depois da banda, ele se tornou um dos principais produtores de espetáculos do país, responsável, entre outras, pela vinda do Queen ao Brasil, em 1981 e a apresentação seguinte, no Rock in Rio, em 1985. Trouxe ainda Van Halen, Alanis Morissette, Red Hot Chilli Peppers e o musical Cats. Quando se reporta ao Joelho do qual fez parte, diz que fez da banda aquilo que entendia que ela devia ser. Foi ele quem introduziu a maquiagem no grupo. 

Com Tico, foi responsável pela fase mais performática e provocativa, quando o humor vinha acompanhado de uma boa procura por encrenca — já o disco do qual participou é inferior ao primeiro, com Próspero nos vocais. Sobre o ex-parceiro, dispara críticas e solta quase nenhum elogio. Sobre não participar de Meu Tio e o Joelho de Porco, explica: “a razão é simples, é um documentário sobre Tico Terpins ao qual não me interessa que me vinculem. As razões são absolutamente pessoais”, afirmou.

Ao lembrar de Tico, sobe o tom:

“Tico Terpins era um riquinho malcriado e insolente. A ovelha negra dos Terpins, família judia tradicional, trabalhadora e dona de um império no ramo de roupas”, diz. “Apesar de ser péssimo músico e um baixista medíocre, com sua arrogância, atropelava todo mundo e se considerava intocável. De rock nunca teve nada. Sempre esteve com um pé no samba. Era admirador de Juca Chaves e Aracy de Almeida. No fundo, um sambista… um rocker fracassado”.

Ele diz que desconhecia a existência do Joelho até o tal “show desastrado” no porão do Ruth Escobar — mesmo local onde Rita Lee estreou com o Tutti Frutti em 1973. Em sua autobiografia, Rita chama o espaço, no subsolo do teatro, de “esgoto”.

“Eu costumava lidar com gente grande. O Joelho era para mim como um recreio, uma festa de aniversário infantil”, desdenha Billy. O argentino, que gravou apenas o disco de 78 com a banda e ficou nela cerca de dois anos, culpa Tico pela interrupção do trabalho — o grupo voltou à ação em 1983, sem Billy, com Próspero de volta e a chegada de Zé Rodrix, quando lançaram o duplo Saqueando a Cidade (Alvorada/Chantecler). Em 1985, o trio e um coral imenso participaram do Festival dos Festivais, da TV Globo, defendendo “A Última Voz do Brasil”.

“Tico, no início, resistia à maquiagem. Mas quando cheirava e bebia, se soltava e pouco a pouco foi entrando na minha”, diz.

Em 1979, já fora do Joelho, Billy lançou pela  Continental Billy Bond o Herói, álbum solo quase como um desdobramento da banda sem Tico, com Pisca na guitarra, Lee Marcucci, baixista da Rita Lee e do Tutti-Frutti, e Netinho na bateria. Em “Pensando nos teus ossos”, Billy canta Tenho um joint dentro do jeans/ tenho gin dentro da cuca/ tenho speed nas pernas. “Era meu sonho ter uma banda de rock sólida, com personalidade, poderosa musicalmente”, disse, a respeito do disco.

“O Tico enlouqueceu de vez”, Billy retoma o ataque ao ex-parceiro. Nas palavras dele, Tico teria sido convocado pelos irmãos, após a morte dos pais, para ajudar nos negócios da família. “Tico Terpins deu um golpe”, solta. “Com sua mesquinhez e arrogância talvez tenha abortado o maior projeto de rock de todos os tempos”, exagera.

Tico Terpins morreu em 1998, vítima de um infarto. Já tinha largado as drogas havia muito tempo, segundo contam ex-esposas e parceiros em Meu Tio e o Joelho de Porco. 

No documentário, Tico, que surge na figura de um boneco de animação e conversa com o sobrinho, diz que Joelho de Porco, o disco com Billy, é sem alma. “É por causa do Billy Bond, né?”, provoca Rafael. “Quase acabou com a banda”, responde Tico, ou o boneco dele.

Na música “18 anos sem sucesso”, que dá nome ao disco lançado em 1988, Tico ‘homenageia’ Billy e o empresário: “nunca mais empresário argentino, cantor argentino…”

“Não sei se a briga realmente envolveu dinheiro ou mulheres, ou os dois”, tenta explicar Rafael. “Muitas versões, poucos fatos. Mas o Tico odiava o disco que o Billy canta, e o Billy não quis participar do filme”. 

Geek
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade