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'Avatar' é um fenômeno; as pessoas veem o que querem

20 jan 2010 - 13h12
(atualizado às 13h39)
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Se você achava que

Foto: Divulgação
Avatar

era apenas um filme de alta tecnologia sobre um cara durão mas sensível que salva os atraentes nativos de uma lua distante, talvez precise mandar verificar os seus óculos 3D.

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Desde o lançamento, em dezembro, o épico de ficção científica de James Cameron bateu recordes de bilheteria e conquistou dois Globos de Ouro, por melhor direção e drama. Mas também se viu sob ataque por parte de uma lista crescente de grupos de interesse, escolas de pensamento e até mesmo nações inteiras, que protestam contra sua mensagem (da forma que a interpretam) e sua filosofia (presumindo que tenha alguma).

Ao longo do último mês, o filme foi criticado pelos conservadores sociais e políticos, que se irritam com a forma pela qual a religião e o uso de força militar são retratados; por feministas que sentem que os corpos dos avatares masculinos são mais fortes e musculosos que os femininos; pelos inimigos do fumo, que objetam a um personagem fumante; e isso sem mencionar os fãs de ficção científica russa da era soviética; os chineses; e o Vaticano. Esta semana, as autoridades da China anunciaram que a versão em 2D do filme seria retirada da maioria das salas de exibição do país, abrindo espaço para uma biografia cinematográfica de Confúcio.

Que tantos grupos tenham escolhido projetar suas questões em Avatar sugere que o filme tenha encontrado espaço em nossa consciência cultural a um ponto que nem mesmo seu imodesto diretor parece ter antecipado. Os detratores concordam em que o filme é mais que uma odisseia sobre seres humanos no espaço - mesmo que não concordem quanto aos motivos para que esse seja o caso.

"Algumas das formas pelas quais as pessoas lêem o filme se coadunam às intenções de Cameron, mas outras são apenas subprodutos de coisas sobre as quais as pessoas já estavam pensando antes do filme", disse Rebecca Keegan, autora de um livro sobre o cineasta. "O filme se tornou uma espécie de teste que revela interesses e ansiedades pessoais".

Os responsáveis por Avatar não pretendem endossar qualquer interpretação específica, mas estão contentes pelo interesse que o filme desperta. "Filmes que funcionam são filmes cujos temas são maiores que o gênero em que se enquadram", disse Jon Landau, um dos produtores, em entrevista. "O tema é aquilo que a pessoa carrega com ela para casa, depois de deixar a trama do filme no cinema".

Cameron mesmo pode ter aberto a porta a essas múltiplas interpretações, ao declarar que Avatar era uma parábola ecológica. Em entrevista coletiva concedida em Londres, em dezembro, ele disse que via o filme como "metáfora mais ampla, não tão intensamente politizada como alguns percebem, mas sim sobre a maneira pela qual tratamos o mundo natural".

Em sua coluna para o Movie Guide, um site cristão de entretenimento, David Outten afirmou que Avatar denegria o capitalismo; promovia o animismo de preferência ao monoteísmo; e dramatizava em excesso a possibilidade de uma catástrofe ambiental no planeta. Em outro site que oferece críticas de orientação conservadora à indústria do entretenimento, Big Hollywood, John Nolte escreveu que o filme era "uma mal disfarçada, simplista e distorcida crítica aos Estados Unidos, em forma de fantasia/alegoria de ficção científica, estendendo-se dos pais fundadores à guerra no Iraque".

Não surpreende que os comentários de Avatar sobre a religião atraíssem o interesse do Vaticano, onde o filme foi resenhado por Gaetano Vallini, crítico cultural do jornal L'Osservatore Romano, o diário da Santa Sé.

Na crítica, Vallini escreveu que apesar de toda a "tecnologia deslumbrante e encantadora" do filme, "ele termina prejudicado por um espiritualismo vinculado ao culto da natureza".

Em entrevista por telefone, Vallini disse que sua resenha, muito comentada, pode ter recebido atenção desproporcional devido ao jornal em que foi publicada. Ele disse que a missão de escrever sobre Avatar não era parte de promover uma determinada agenda, mas sim "uma escolha compulsória", dada a antecipação que cercava o filme.

Em última análise, disse o crítico, "o filme não provoca muitas emoções", e suas observações sobre militarismo, imperialismo e o meio ambiente "são apenas delineadas como tema". "É essa a opção narrativa de Cameron", ele afirmou na crítica, "porque ele está ciente do fato de que o aspecto visual certamente compensará as lacunas".

Outros espectadores consideram que a questão do imperialismo é central para o filme. Em um post no Io9, um site de ficção científica, Annalee Newitz, a editora chefe do site, escreveu que Avatar retratava "a essência da fantasia de culpa da raça branca, exposta aos olhos de todos", uma dimensão que, em sua opinião, o trabalho de Cameron tem em comum com filmes como The Last Samurai e District 9.

Alguns críticos também disseram que Avatar havia copiado alguns elementos narrativos de filmes como Dança com Lobos, Pocahontas e Ferngully: The Last Rainforest; do conto Call Me Joe, de Poul Anderson; e da série Noon Universe de livros de ficção científica, dos escritores russos Arkady e Bóris Strugatsky.

Em filmes como Avatar, escreveu Newitz, "os seres humanos são causa de opressão e incômodo para os alienígenas", até que um homem branco "mude de lado no último minuto, seja assimilado pela cultura alienígena e se torne seu salvador".

Newitz declarou em entrevista que, depois que publicou o post, recebeu comentários de todo o mundo expressando desacordo com sua opinião, o que a agradou. "Essa ideia de domínio branco é um fenômeno local", disse. "Não existe, certamente, nas partes do mundo em que os brancos não dominam".

Na China, por exemplo, os temas imperialistas do filme incomodaram a audiência, que acreditam que o sofrimento dos alienígenas, os Na¿vi, forçados a deixar seus lares por industriais humanos exploradores, seja uma parábola sobre os chineses que tiveram moradias demolidas por ordem de governos locais, para abrir espaço a novas construções. Como escreveu um comentarista identificado apenas por pseudônimo no site Chimasmack, "as equipes de demolição chinesas deveriam processar o velho Cameron, processá-lo por pirataria e violação de direitos autorais".

Entre os críticos de Avatar existe, ao menos, um consenso no sentido de que ficção científica sempre opera em nível alegórico. Em romances como Duna, em filmes como Guerra nas Estrelas e em séries de TV como a recente Battlestar Galactica, Newitz diz que os elementos fantásticos das obras oferecem um espaço de "segurança narrativa" que permite a contemplação de questões da vida real, como a decadência ambiental, o totalitarismo e a tortura.

"Há algo de muito satisfatório em poder refletir sobre essas questões sem sentir que você está de fato assumindo uma posição política", ela afirmou. "Porque na verdade não está - está apenas conversando sobre uma história".

Ao longo da carreira de Cameron, ele sempre se deixou atrair por temas amplos. Keegan disse que era possível interpretar O Exterminador do Futuro, o filme pelo qual o diretor conquistou fama em 1984, como uma obra polêmica de oposição à tecnologia, ou à guerra - ou até mesmo como uma versão contemporânea do nascimento de Jesus.

"Ou", ela diz, "as pessoas podem simplesmente assistir a um filme em que Arnold Schwarzenegger anda por aí como um robô".

Paradoxalmente, o grande número de discussões despertadas por Avatar pode ter valido simpatia a Cameron, um diretor conhecido por sempre falar demais mas que agora se vê em posição de ter de responder a todas as possíveis interpretações sobre a mensagem de um filme que ostensivamente é puro entretenimento.

"Muitas vezes para sua desvantagem, ele sempre diz exatamente o que pensa", disse Keegan. "E isso o deixa do lado de fora da bolha de Hollywood, mesmo que supostamente ninguém mais que ele esteja dentro dela".

Newitz, porém, não demonstrou simpatia para com Cameron, que desejava realizar um filme singularmente ambicioso e parece ter realizado o seu desejo. "É mais ou menos como sentir pena de Obama", ela disse. "Ele é o presidente porque quis - foi ele que pediu por isso".

The New York Times
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