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'A Queda do Céu' é de uma beleza irrepreensível, som impecável e tema urgente

Filme de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha em cartaz nos cinemas é baseado no livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert

12 dez 2025 - 20h10
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A Queda do Céu, filme de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, integrou a seleção da Mostra Quinzena dos Cineastas, no Festival de Cannes, em maio do ano passado. Um ano depois, o filme estreou na França, recebendo uma entusiasmada crítica na prestigiada revista Cahiers du Cinéma, na qual Thiérry Méranger atribuiu-lhe a cotação máxima, quatro estrelas, correspondente a chef-d'oeuvre. Obra-prima! Mais meio ano e A Queda do Céu finalmente estreou nos cinemas brasileiros.

É outro documentário maravilhoso, nesse ano em que já houve 3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado, embora a definição 'documentário' talvez não seja bem exata. O cinema documental de Eryk tem sempre muito de experimental e investigativo da linguagem. É o que ressalta a crítica de Méranger. O importante é que, nesse ano e meio, A Queda do Céu participou e foi premiado em festivais ao redor do mundo, em países como Coreia do Sul e México. No Festival do Rio de 2024, venceu os prêmios de edição de som e direção de documentário.

A Queda do Céu baseia-se no livro homônimo do xamã Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert. Falado principalmente na língua Yanomami, traz o que o site da empresa produtora Aruac Filmes define como uma reflexão contundente sobre o modelo de predação generalizada dos povos e do planeta, gerada por aqueles que Davi chama de "povo da mercadoria", os brancos.

Davi Kopenawa em cena de 'A Queda do Céu'
Davi Kopenawa em cena de 'A Queda do Céu'
Foto: Aruac Filmes/Divulgação / Estadão

Para penetrar no espírito do filme, o espectador tem de estar preparado para a primeira cena. Mostra um grupo de indígenas, uma tribo inteira, que avança em direção à câmera. Filmado com lentes de aproximação, o grupo avança lentamente até chegar ao primeiro plano, só isso. Só? Há algo de misterioso nesse prólogo que já prepara o público para a beleza das imagens e para a elaboração do som. Não há exagero algum em dizer que nunca se viu nada parecido na tela, e o Brasil já tem tradição na realização de docs sobre a questão indígena, com a participação e até autoria deles próprios.

No centro da narrativa está a celebração do Reahu, em homenagem ao sogro de Davi Kopenawa. O ritual fúnebre celebra a transição do falecido para o mundo espiritual e fortalece os laços da comunidade. Para os Yanomami, o conceito de vida e morte não é linear, mas uma constante renovação e conexão com o mundo espiritual.

Como despedida coletiva, o Reahu ajuda o espírito do morto a não se prender ao plano terrestre. Não é apenas um ato de luto, mas uma celebração da vida. Isso pode ser pesquisado na internet, mas em se tratando de um filme o importante é como Eryk e Gabriela transformam o Reahu em linguagem, em imagens e sons que permanecem com a gente muito tempo após a projeção.

No que diz respeito ao som, inclusive, é um trabalho tecnicamente brilhante e impecável, a anos-luz do tempo em que público e crítica queixavam-se do som nos filmes brasileiros.

A primeira queda do céu

De acordo como a cosmologia Yanomami, os espíritos da floresta impediram a primeira queda do céu. Face aos desmandos do povo da mercadoria, o da floresta pergunta-se: os espíritos impedirão a nova queda? Em maio de 2024, enquanto Eryk e Gabriela mostravam seu filme no maior festival do mundo, o Sul sofria as consequências das enchentes que devastaram o Rio Grande. Parecia um aviso. Agora, o filme estreia justamente na sequência da Cop30, que terminou, em Belém do Pará, com poucos avanços e uma lista de pendências para a próxima cúpula do clima, em 2026, na Turquia.

A Queda do Céu, filme brasileiro realizado com o povo Yanomami, participou da Quinzena de Cineastas de Cannes
A Queda do Céu, filme brasileiro realizado com o povo Yanomami, participou da Quinzena de Cineastas de Cannes
Foto: Aruac Filmes/Divulgação / Estadão

Cinéfilo de carteirinha - ou ecologista antenado - sabe quem está contra a discussão sobre as condições climáticas. Muita gente, e não apenas o presidente dos EUA, Donald Trump, até admite discutir o aquecimento global, mas se recusa a encarar o nó górdio - a regulamentação dos combustíveis fósseis.

O cinema tem pintado quadros apocalípticos em inúmeras fantasias científicas. A questão embutida no filme de Eryk e Gabriela é - a nova queda do céu é possível? É iminente?

Grave como é o tema do filme, como obra é de uma beleza irrepreensível. Tanto como o livro de Davi Kopenawa e Albert, o filme não faz apenas o diagnóstico de um perigo real e imediato. Por meio de suas imagens e sons que criam um clima muitas vezes mágico e encantatório, livro e filme chamam a atenção para a necessidade de transformação. A floresta, como pulmão do mundo, precisa respirar. A cosmoecologia Yanomami, no quadro da atual era geológica, é mais do que advertência. Em Cannes, Gabriela estava grávida. No Rio, amamentava seu bebê. Como diz o Reahu, a conexão vida/morte/vida tem compromisso com a continuidade, e a renovação.

Estadão
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