Como 'Percy Jackson' formou uma geração de leitores aficionados por mitologia grega
Como 'Percy Jackson' mudou a relação de uma geração com a mitologia grega
Quando Karen Santos completou sete anos, sua irmã, oito anos mais velha, resolveu ler para ela o livro O Ladrão de Raios, primeiro volume da série Percy Jackson e Os Olimpianos. A irmã já tinha lido a obra e queria apresentar a Karen a história do menino que descobre ser filho do deus grego Poseidon e vive diversas aventuras com os amigos do Acampamento Meio-Sangue, para onde são enviados os chamados semideuses.
Foi amor à primeira leitura: Karen virou leitora assídua de fantasia e fã de carteirinha da saga do americano Rick Riordan, que já deu origem a dois filmes e, agora, uma série de televisão, cuja segunda temporada chega ao Disney+ nesta quarta, 10. Hoje com 22 anos, Karen está prestes a completar a graduação em História pela Universidade Federal da Bahia - uma jornada que, segundo ela, começou com aquela leitura com sua irmã.
O impacto dessas histórias não passa despercebido ao criador, Rick Riordan. "Fui professor durante muitos anos e ensinei esses mitos, por isso sempre tive a esperança de aumentar o interesse pelas histórias", explica ele, por e-mail, ao Estadão. Ele também sabe que esse interesse pode levar aos grandes clássicos, como os poemas de Homero, Ilíada e A Odisseia.
"Fico muito feliz que os leitores passem de Percy Jackson para as versões antigas da mitologia. É uma grande honra para mim! Embora eu modernize os mitos, faço o meu melhor para ser fiel à estrutura e às personagens, por isso adoro quando alguém me diz que passou num exame de clássicos na faculdade só porque leu Percy", diz o escritor.
A modernização dos mitos na trama é tema do Trabalho de Conclusão de Curso de Karen. "Eu parti dessa ideia de analisar como o Rick Riordan faz essa 'americanização' da mitologia - um termo com o qual me deparei em um dos artigos que eu li para o meu projeto e que eu estou tomando como base para o meu TCC - para trazer essa aproximação para os estudantes contemporâneos", explica ela.
Ela parte do pressuposto de que essa modernização dos mitos permite a aproximação de crianças e adolescentes para com a História Antiga. "A partir daí, é pensar exatamente como trazer essa narrativa que o Rick usa para a sala de aula. E não só para a mitologia grega, mas aplicando para outros tipos de mitologia também", diz.
'Ainda há muitas crianças descobrindo Percy'
No ano passado, Karen apresentou uma prévia de sua pesquisa no XI Ciclo de Debates em Antiguidade, congresso da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Também já testou o método de ensino na vida real: na escola de Salvador onde trabalha como professora assistente, ministrou uma aula de Grécia Antiga a partir do livro de Riordan, que fez parte dos materiais didáticos da turma do sexto ano. "Eles têm idade do Percy nos livros. Gostaram tanto da série que vários da turma foram lendo a saga inteira", conta.
João Paulo Silva, administrador do portal Oráculo dos Deuses, dedicado a conteúdos sobre Percy Jackson, afirma que a série literária tem capacidade de conversar com o ambiente escolar e lembra que Riordan disponibiliza, em seu site, materiais de apoio destinados a professores.
"Por experiência própria, eu acredito totalmente que a história tem essa potência", diz. "Eu já conheço a saga há 16 anos. Ganhei os livros de presente da minha tia e, com isso, eu comecei a pegar gosto pela leitura. Em paralelo, isso me deixou muito próximo da mitologia grega, a ponto de eu tomar interesse em todo tipo de coisa que envolvia isso, como jogos e filmes. Isso tudo começou com Percy Jackson."
Os alunos de Karen são exemplos da defesa que o próprio Rick Riordan faz acerca da atemporalidade de seu trabalho. Ele diz que vê diferentes leitores de diferentes gerações em eventos literários. "Os fãs mais antigos são, de fato, adultos agora, mas ainda há muitas crianças descobrindo Percy pela primeira vez, então o público tende a ir de oito anos a até 30, 40, 80. Como eu sempre digo, se você gosta dos livros, então você tem a idade certa para eles", afirma.
"Não tem um prazo de validade, ela envelhece muito bem. Vejo muito isso tanto nos livros, quanto agora com a série trazendo uma nova visão para a saga", diz João, que tem acompanhado a evolução da franquia de perto e fez parte da campanha online para uma nova adaptação dos livros. Para ele, a série do Disney+ modernizou alguns aspectos do livro para alcançar um novo público.
A mitologia grega nas telas
Jon Steinberg, produtor de Percy Jackson e Os Olimpianos, diz que a pesquisa para retratar a mitologia grega na série começa com os próprios livros de Riordan. A narrativa do escritor explora como esses mitos teriam se adaptado com a modernidade - por exemplo, o Olimpo, morada dos deuses gregos, fica no topo do Empire State Building.
Na primeira temporada, aparecem figuras mitológicas como a Medusa e a Quimera. Nesta segunda, baseado no livro Mar de Monstros, o espectador pode esperar ver o Ciclope Polifemo e a feiticeira Circe "Era muito importante, desde o começo, entender o que essas criaturas míticas, histórias e lugares significaram e garantir que a história que estamos contando não está só usando eles para termos uns monstros legais, mas sim como parte da mesma narrativa", diz Steinberg.
Ele também explica que, quando os mitos divergem da história tradicional, é de forma intencional para faça sentido, mas que os produtores também se baseiam em fontes tradicionais. "A série está em conversa conversa com o seu material de base, tanto os livros de Rick como essas histórias que estão no mundo há milhares de anos", explica.
Os protagonistas da série contam ao Estadão que precisaram estudar a mitologia grega para a preparação para a produção. Walker Scobell e Aryan Simhadri, de 16 e 19 anos, que interpretam Percy e Grover, respectivamente, já tinham tido contato com o tema ao ler os livros da série antes mesmo de serem escalados para a produção.
"Minha primeira introdução à mitologia grega foi através de Percy Jackson e eu sou fascinado por isso desde então. Acho que é muito parecido com a mitologia indiana", diz Simhadri, que é filho de pais indianos. "É fascinante, porque cada um dos deuses, especialmente em Percy Jackson, meio que representa um tipo de pessoa e diferentes traços de personalidade. Por isso, é tão fácil atribuir um chalé para quem você pensa que é."
Na trama, quando um semideus chega ao Acampamento Meio-Sangue, ele precisa ser "reivindicado" por um deus como seu filho ou filha. Os filhos de deuses maiores, como Zeus e Atena, tem seus próprios próprias chalés, enquanto os filhos de deuses menores ficam no chalé de Hermes. Quando Percy chega ao acampamento, o chalé de Poseidon está praticamente abandonado, já que ele é o único filho do deus.
Charlie Bushnell, de 21 anos, que vive Luke, conta que estudava filosofia na escola durante as filmagens da primeira temporada. "Tudo o que envolvia mitologia grega, eu relacionava a Percy Jackson. Era muito doido", lembra. Já Leah Sava Jeffries, de 16 anos, conta que estar na série a ajudou a conhecer mais sobre a história grega e que acredita que estudar alguns dos mitos a ajudou na construção de sua personagem, Annabeth.
"A parte mais estranha para mim é que, depois de ler Percy e de realmente estudar mitologia grega, [você percebe que] eles deixam muita coisa de fora", brinca Scobell. "Você aprende muito a partir de Percy, não me entenda mal, mas quando você lê percebe como é diferente". A resposta do ator lembra que há um universo inteiro a ser estudado e explorado, mas a faísca para explorá-lo já existe.
Os primeiros dois episódios da segunda temporada de Percy Jackson e Os Olimpianos já estão disponíveis no Disney+. Os próximos episódios serão lançados semanalmente no streaming às quartas-feiras.