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Profissionais transformam quarto em estúdio e fazem podcast

Profissionais de audiovisual transformam quarto em estúdio e comandam o Social Podcast e o Da Ponte Pra Cá, na zona sul de São Paulo

11 ago 2022 - 05h00
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Robson (à esq.) e Max (à dir.) comandam o podcast Da Ponte Pra Cá, no Capão Redondo
Robson (à esq.) e Max (à dir.) comandam o podcast Da Ponte Pra Cá, no Capão Redondo
Foto: Léu Britto/Agência Mural

Um estúdio, um apresentador, um entrevistado e uma longa conversa transmitida ao vivo. Parece a descrição de qualquer talk show na TV, mas na internet brasileira esse formato ganhou um sinônimo: podcast – ainda que, em vários casos, ele não seja um produto de áudio, como o formato sugere.

O boom de vídeos nesse estilo veio durante a pandemia, principalmente por conta de programas como o Flow e o PodPah. Foi nessa mesma época que surgiram também o Social Podcast, no distrito da Pedreira, e o Da Ponte Pra Cá, no Capão Redondo, ambos em regiões periféricas da zona sul de São Paulo.

A história destes dois mesacasts é bem semelhante. Ambos são liderados por profissionais de audiovisual que viram a demanda por trabalho reduzida por conta do isolamento social imposto em 2020.

O Social Podcast, formado pelo videomaker Fabio Cardoso e o fotógrafo Eduardo Cruz, ambos com 27 anos, teve a primeira entrevista publicada em fevereiro de 2021. O convidado foi Anderson Jefferson, locutor da Copa Pioneer, um dos principais torneios de futebol de várzea da capital paulista.

Fabio e Eduardo são amigos e colegas de trabalho há alguns anos, bem antes de pensarem em produzir conteúdo juntos. “A gente meio que tinha uma empresa sem ter uma empresa. Quando alguém me procurava para fazer algum casamento, foto e vídeo, eu falava 'nossa equipe faz'. A equipe era eu e o Fabio; eu fazia foto e o Fabio o vídeo”, relembra Eduardo.

O estúdio do Social Podcast fica na casa do próprio Eduardo. Primeiramente em um quarto. Agora, depois que ele ganhou um filho, nos fundos da residência. É lá onde a dupla recebeu os mais de 150 entrevistados em um ano e meio de programa.

O foco do Social Podcast é sempre conversar com personagens periféricos, e Eduardo confessa que eles são até um pouco “bairristas” na hora de escolher os convidados.

“90% da galera que vem no nosso podcast é daqui [da Pedreira]. A gente precisa valorizar o que é nosso para depois a gente valorizar o de fora. A gente quer que tenha uns 10 podcasts, um em cada quebrada, para todo mundo ir somando”, comenta.

A dupla Robson e Max já produziu 85 programas para o Da Ponte Pra Cá
A dupla Robson e Max já produziu 85 programas para o Da Ponte Pra Cá
Foto: Léu Britto/Agência Mural

O Da Ponte Pra Cá é um exemplo de mesacast nascido em outra quebrada. Como o nome sugere, por conta da música dos Racionais MC's, ele é gravado no Capão Redondo.

O primeiro episódio do canal foi publicado um pouco depois do Social Podcast, em maio de 2021, mas a ideia do canal estava na cabeça do produtor audiovisual Robson Novaez, 39, desde antes da virada do ano.

“[O podcast] surgiu com a ideia de um amigo meu lá do Japão. Ele sempre perguntava como estava os trampos. Eu estava sem trabalhar, bancado pela minha esposa. Ele sugeriu fazer um podcast, me perguntou do que eu precisava. Aí falei que precisava só de uma chance”, conta Robson.

“Ele mandou lá do Japão dois braços articulados para colocar microfone, um suporte de TV, que era uma das coisas mais caras, e uma cortina”.

Com parte dos equipamentos em mãos, faltava o lugar para gravar as entrevistas. E foi aí que entrou em cena o técnico de áudio Vagner Cruz, 37, também conhecido como Max.

Ele e Robson já eram amigos de projetos em comum na igreja que frequentavam e Max estava ampliando o estúdio que tinha em casa. No primeiro momento, a reforma visava artistas que também pudessem gravar clipes ou lives no espaço.

“A galera não estava mais focada em fazer apenas áudio, mas eu não tinha estrutura para a pessoa gravar. Tinha acabado de entrar de férias, em setembro de 2020, e foi liberado aquele FGTS. Corri atrás, vi que tinha um valor lá para pegar, e foi a hora que falei 'ou faço ou paro'", conta Max.

O estúdio, que é um dos maiores orgulhos do Max, demorou mais de 10 anos para ser construído, também nos fundos da casa dele. “O sonho mesmo [de fazer o estúdio] vem desde 2005. Trabalhando, juntando de moedinha em moedinha”, diz.

No Da Ponte Pra Cá, Robson conduz as conversas enquanto Max cuida de toda a parte operacional. De maio de 2021 até aqui foram 85 programas produzidos, sendo o primeiro deles com o músico Cocão Avoz, cunhado do Robson. “Tinham caras que não podiam dizer ‘não’ para mim”, brinca o host.

Nome e propósito

Apesar da já citada associação do nome Da Ponte Pra Cá à música dos Racionais, Robson garante que a inspiração na verdade veio de um projeto que ele participava na igreja que frequentava com o Max.

“Era um projeto de samba, mas a gente não cantava música gospel, a gente cantava música de temas sociais dentro da igreja e trazia pessoas que não eram gospel. Marcio do Art Popular, Vanessa Jackson, Fernandinho Beatbox… Eles vinham e cantavam dentro da igreja”, conta.

“É uma metáfora né, as periferias [em São Paulo] se ligam a uma ponte para um lugar com um capital maior. E nesses lugares falam que da ponte pra cá nada presta, nada dá certo. Quero mostrar que isso não é verdade”.

O foco do mesacast de Robson e Max é sempre levar artistas e empreendedores de origem periférica, não necessariamente da região do Capão Redondo. “Tem vários empreendedores com história de sucesso local. Menina com uns 10 mil seguidores que é do meu bairro e eu não conhecia, fazendo sucesso na tribo dela, fazendo dinheiro com o negócio dela”, comenta Robson.

O estúdio do mesacast fica na casa do fotógrafo Eduardo Cruz
O estúdio do mesacast fica na casa do fotógrafo Eduardo Cruz
Foto: Arquivo pessoal

Já o Social Podcast foi transformando o nome em propósito durante o caminho. No começo, a ideia era associar o nome à gíria “fazer uma social”, que remete justamente a encontrar amigos para uma conversa informal. Depois passou a ligar ao perfil de entrevistados que o programa buscava.

“A gente foca muito em quem está trabalhando com projeto social, querendo ajudar o próximo. Essa é a nossa prioridade aqui dentro, é o primeiro nível de convidado. Com base nisso a gente vai selecionando os convidados e as indicações”, comenta Eduardo.

As indicações são a principal forma de conhecer novos convidados em ambos os mesacasts. Um convidado sugere outro, formando uma rede, como o próprio Eduardo compara:

“Desde o começo a gente vem entrevistando amigos e conhecidos. Se hoje chamo fulano, ele sugere mais alguém que ele pararia para assistir. E essa indicação do fulano indica outro. É assim que a gente está fazendo há quase um ano e meio”.

Nesses mais de 140 publicados, Eduardo e Fabio divergem sobre qual a entrevista favorita deles até aqui. Para Fabio, é o rapper Marcos Yamada: “acho que pelo menos uns 50 convidados indicaram ele”.

Já Eduardo aponta Tio Cláudio como o papo favorito dele. Cláudio é cadeirante e dá aula de futebol para as crianças na região da Pedreira: “ele me treinou quando eu tinha uns 8 ou 10 anos. Depois de todo esse período que a gente passou afastado, a gente voltou a se encontrar e consegui ouvir um pouco da história dele, isso me emocionou muito”.

No caso do Da Ponte Pra Cá, Robson e Max são unânimes sobre qual a conversa favorita deles: o poeta Sérgio Vaz.

“A gente estava bem apreensivo, vinha entre erros e acertos, com alguns contratempos técnicos, de áudio e imagem, e nesse dia rolou tudo muito bem. Foi o primeiro podcast que ele participou, foi bem marcante para a gente”, relembra Max.

O Social Podcast é apresentado por Fabio (à esq.) e Eduardo (à dir.)
O Social Podcast é apresentado por Fabio (à esq.) e Eduardo (à dir.)
Foto: Arquivo pessoal

Grana e futuro

De acordo com Eduardo Cruz, atualmente o Social Podcast “já se paga”, ou seja, ele e o Fabio não precisam tirar dinheiro do próprio bolso. O programa conta com patrocinadores fixos, que exibem a marca em todos os episódios. Todos são empreendedores da região da Pedreira.

“Eles que sustentam a base para o projeto acontecer”, comenta Fabio. De acordo com a dupla, eles já receberam feedback de lojas que tiveram crescimento nas vendas após exibir a marca nas entrevistas.

Fabio reforça que esse retorno dos patrocinadores os ajuda a terem maior compromisso com o canal no YouTube. “Graças a essa cobrança que a gente tem um do outro que o projeto vai para frente”, diz.

No Capão Redondo, Robson e Max apostam em um modelo diferente para financiar o programa. Ao contrário dos patrocinadores fixos, eles visam alcançar empresas grandes dispostas a investir em um pacote de episódios.

A estratégia da dupla é que o dinheiro desse patrocinador maior seja usado para impulsionar entrevistas que tenham merchans de empresas locais, dando assim mais visibilidade para elas.

“Minha ideia foi sempre ver esse ciclo alcançando mais, vai ser bom para a empresa, para o pequeno e para nós também”, diz Robson.

Muito dessa visão de negócio do Da Ponte Pra Cá veio após a participação deles como expositores na Expo Favela, realizada em abril em São Paulo. Robson conta que, além do networking que rendeu vários convidados para o programa, o evento os ajudou a se organizar melhor como negócio.

“Serviu para a gente entender que não é só fazer o podcast, tem uma parte burocrática que a gente não conhecia. A gente deu início a vários processos que se não fosse isso [a Expo] não estaríamos preparados para ter. A gente nem sabia como falar como empresa, não sabia números, quantas pessoas a gente tinha alcançado”.

Além da estratégia para patrocínios, a dupla pretende investir na marca “Da Ponte Pra Cá” como vestuário. E essa é a principal aposta deles para além do mesacast. “Vai ser uma extensão, com um Instagram próprio. É um nome que tem um puta potencial para atingir muita gente, acredito muito nisso aí. É o próximo passo que a gente está dando”, projeta Robson.

Já Eduardo e Fabio querem que o Social Podcast tenha mais conteúdo além das conversas no estúdio. A dupla já produziu externas para o canal, como vídeos na Copa Pioneer e em quermesses do bairro.

“O diferencial que a gente tem para outros podcasts é justamente esse, de sair ali do quadradinho do podcast e ir para a rua, ouvir a galera. A gente sabe que tem muita coisa que, se a gente não tivesse lá para produzir o conteúdo, ninguém ia produzir”, comenta Fabio.

Além das externas, a dupla tem a meta de produzir séries sobre nichos presentes na quebrada deles, como o samba, funk e hip hop. “A gente já desenhou tudo isso e quer colocar em prática o mais rápido possível”, idealiza Eduardo.

Agência Mural
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