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De 'vaquinha' a dívida: Como startups estão mirando fontes alternativas de financiamento

Com juros altos, dinheiro de capital de risco secou e forou empresas de tecnologia a encontrar novas formas de levantar dinheiro

29 jun 2022 - 05h10
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Até o ano passado, as startups brasileiras viveram um período de euforia. Juntas, elas captaram US$ 9,4 bilhões em 2021, segundo dados da empresa de inovação Distrito — isso alimentou contratações e expansão de atividades. Porém, a escalada de juros e maior aversão ao risco têm deixado os fundos de venture capital, patrocinadores tradicionais desse mercado, receosos em assinar cheques. Esse cenário tem forçado as empresas iniciantes de tecnologia a recorrer a fontes alternativas de financiamento.

Um desses caminhos é o equity crowdfunding. O modelo funciona como uma "vaquinha virtual" em que investidores, físicos ou jurídicos, aportam de forma coletiva em startups majoritariamente em fase inicial. Como se trata de um modelo de equity, os participantes da rodada recebem uma participação e são remunerados a partir do desempenho da investida ou pela venda total ou parcial da empresa, conhecida no mercado como "exit" (ou saída).

Com uma base de 46 mil investidores potenciais, a EqSeed, fintech de equity crowdfunding, levantou mais de R$ 60 milhões para 41 empresas por meio de 51 rodadas desde a sua fundação, em 2015. O recorde temporal registrado pela plataforma foi de R$ 1,3 milhão em seis horas na startup Aeroscan, que opera drones inteligentes para segurança.

"Apesar do momento delicado para o mercado tradicional, o crowdfunding está amadurecendo. É uma alternativa ágil que permite mais controle e rapidez na captação", aponta Igor Monteiro, sócio e diretor de negócios da EqSeed. O processo, que pode durar até 12 meses com fundos, é reduzido para um prazo médio de 15 dias, segundo o executivo.

Lucas Magalhães e Fernando Fegyveres, executivos do Voiter; banco digital oferece ‘venture debt’
Lucas Magalhães e Fernando Fegyveres, executivos do Voiter; banco digital oferece ‘venture debt’
Foto: Divulgação/Voiter / Estadão

Instrumentos de dívida

Outra opção são os instrumentos de dívida — entre eles está o venture debt, financiamentos baseados em dívidas não conversíveis, ou seja, que não podem ser transformadas em participação na empresa. Nesse caso, as instituições que fornecem o capital entram como credoras e não sócias, diferente do que acontece com investimentos de equity.

O banco digital Voiter começou a operar recentemente no mercado de venture debt, responsável hoje por apenas 1% do total levantado por startups no Brasil, segundo Fernando Fegyveres, CEO e conselheiro do banco. "Estamos em estágios iniciais, mas vemos uma demanda bem aquecida", relata, destacando que, nos Estados Unidos, o modelo chega a representar cerca de 10% dos investimentos em empresas de inovação.

Fegyveres projeta que as avaliações de mercado mais pressionadas em meio à atual crise de liquidez podem atrair startups para o venture debt. "Operações de dívidas entre rodadas ajudam a postergar novas captações e promovê-las a valores mais atrativos", explica

Não precisar abrir mão de uma parte da empresa foi o que motivou a "agtech" (startup agrícola) Smartbreeder, de inteligência agronômica digital, a optar pelo venture debt. Com auxílio do Voiter, estão previstos desembolsos entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões.

"Por um lado, temos que gerar caixa e pagar a amortização do financiamento, mas não há diluição de participação", diz o diretor financeiro da empresa, Felipe Ninni. Ele cita o conhecimento em agronegócio oferecido pelo banco digital como mais um atrativo.

Já o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) são alternativas atrativas para as proptechs. O primeiro é um título que gera direito de crédito, sendo lastreado por financiamentos de imóveis e contratos de aluguéis de longo prazo, por exemplo. Enquanto o FII é destinado à aplicação em ativos relacionados ao mercado imobiliário. Com a aquisição dos imóveis, o fundo obterá renda com sua locação, venda ou arrendamento.

A startup imobiliária Yuca, por exemplo, captou R$ 155 milhões no ano passado, sendo R$ 100 milhões vindos de investidores imobiliários e o restante de fundos tradicionais. "O dinheiro levantado por venture capital vai direto para a operação da startup, enquanto o de investidor imobiliário, como CRI e FIIs, são voltados para rentabilizar melhor os imóveis", diferencia o CEO da companhia, Paulo Bichucher.

Os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs), que destinam acima de 50% do patrimônio líquido para aplicações em direitos creditórios, também estão no radar das startups brasileiras. A carteira de um FIDC abrange créditos que uma empresa tem a receber, como duplicatas, cheques e outros. Recentemente, a Plugify captou R$ 120 milhões por meio desse instrumento. A fintech de aluguel de notebooks, celulares e desktops usa os contratos atuais e máquinas já existentes como garantia para financiar novas compras e expandir a base de clientes.

Na semana passada, o banco digital Neon captou R$ 400 milhões para seu FIDC voltado a cartões de crédito. É a segunda captação que a fintech realiza no mercado de crédito privado neste ano. A primeira, de pouco mais de R$ 200 milhões, foi destinada ao FIDC de crédito consignado privado. Tudo isso foi feito apesar de a Neon ter captado em fevereiro deste ano US$ 300 milhões por meio de uma rodada liderada pelo grupo bancário espanhol BBVA.

Crescimento orgânico

Enquanto as fintechs podem mirar os FIDCs, Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) , considera que o crowdfunding é a melhor alternativa às empresas em estágio inicial. Já o venture debt é uma solução mais indicada para aquelas que possuem modelos de receita validados e consolidados. "Mas, no final das contas, a melhor fonte de capital para uma startup é o crescimento orgânico, usar o próprio faturamento para reinvestir no negócio e ajustar caixa para ser mais sustentável", ressalta.

A Urmobo, startup de gerenciamento de dispositivos móveis corporativos, aposta nessa estratégia por meio do modelo conhecido como "bootstrap" ou "camelo", buscando um crescimento menos acelerado, mas sustentável. Fundada em 2017, cresceu com o investimento dos próprios sócios, que injetaram R$ 500 mil entre o início das operações até o ano de 2019. Desde então, é financiada pelo próprio caixa. "Focamos em primeiro atingir o equilíbrio financeiro para depois buscar um parceiro de fora. Com a diferença de que agora temos muito mais poder de escolha", diz o CEO da empresa, Vicente Oliverio.

Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação Spiralem, dá mais um motivo para que startups olhem com carinho para o próprio caixa. "Não vai ter crédito para todo mundo, porque o mercado de dívida abraça menos do que o de venture capital", afirma ele. Diniz espera que, com a menor oferta de investimentos, os critérios de seleção e as condições fiquem cada vez mais rigorosos.

E, apesar da maior diversificação, Daniel Magalhães, fundador e CEO da Virgo, estima que os investimentos baseados em participação societária devem continuar a ter mais relevância, principalmente à medida que as avaliações de mercado sejam corrigidas. "As outras alternativas dificilmente irão superar as de equity em volume, porque possuem particularidades que não atendem todos os segmentos e tamanhos de empresas", afirma o executivo da plataforma de soluções financeiras no mercado de capitais.

Estadão
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