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Discurso de ódio e desinformação podem levar à prisão na Alemanha

País aprovou em 2017 uma lei para punir quem espalha conteúdo ofensivo na internet

17 out 2022 - 05h11
(atualizado em 17/10/2022 às 16h16)
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Quando a polícia bateu na porta de uma casa no Noroeste da Alemanha antes do sol raiar, um jovem com cara de sono apareceu. Os policiais perguntaram pelo pai dele, que estava no trabalho, e disseram que o homem de 51 anos havia sido acusado de violar leis contra o discurso de ódio, insultos e desinformação online. Ele tinha compartilhado uma imagem no Facebook com uma declaração raivosa sobre a imigração atribuída erradamente a um político alemão. "Só porque alguém estupra, rouba ou comete crimes graves, isso não é motivo para deportação", dizia o comentário falso.

A polícia vasculhou a casa durante mais ou menos 30 minutos, apreendendo um laptop e um tablet como provas, disseram os promotores.

Naquele exato momento em março, a mesma cena se repetiu em cerca de cem outras casas na Alemanha, parte de uma ação coordenada em todo o país que continua até hoje. Depois de compartilhar imagens no Facebook com informações falsas, os criminosos tiveram os dispositivos confiscados e alguns foram multados. "Estamos deixando claro que qualquer pessoa que publique mensagens de ódio deve esperar a polícia aparecer na porta da sua casa depois", disse Holger Münch, chefe do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Federal alemã.

A origem do mal

O discurso de ódio, o extremismo, a misoginia e a desinformação são subprodutos bem conhecidos da internet. Mas as pessoas por trás da maior parte de postagens desse tipo costumam escapar de consequências graves no mundo real. Quando muito, Facebook, YouTube ou Twitter removem uma publicação ou suspendem a conta dos usuários. Mas, nos últimos anos, a Alemanha trilhou outro caminho, acusando criminalmente as pessoas por discursos de ódio.

As autoridades alemãs apresentaram acusações por insultos, ameaças e assédio. A polícia realizou batidas em casas, confiscou aparelhos eletrônicos e levou pessoas para serem interrogadas. Os juízes aplicaram multas de milhares de euros e, em alguns casos, enviaram os infratores para a prisão.

As autoridades argumentam que estão defendendo a liberdade de expressão ao proporcionar um espaço onde as pessoas podem compartilhar opiniões sem medo de serem atacadas. "É necessário existir um limite", disse Svenja Meininghaus, promotora que participou da batida na casa do pai daquele jovem. "Tem de haver consequências."

Mas mesmo na Alemanha, país onde as cicatrizes do nazismo levam à crença de que a liberdade de expressão não é absoluta, a ação está suscitando um debate acalorado: a partir de qual ponto significa ir longe demais?

Momento decisivo

Walter Lübcke era um político local muito querido, porém modesto, no Estado alemão de Hesse, onde é conhecido mais por sua defesa das turbinas eólicas do que por provocações.

Entretanto, como um simpatizante das políticas de imigração da então chanceler Angela Merkel, ele se tornou alvo constante de insultos depois que um vídeo seu de 2015 começou a circular na extrema direita. No vídeo, Lübcke sugeria que qualquer pessoa que não apoiasse o acolhimento aos refugiados poderia deixar a Alemanha.

Em junho de 2019, um neonazista deu um tiro à queima roupa e matou Lübcke na varanda da casa do político, mostrando como o discurso de ódio online é capaz de levar a uma profunda violência no mundo real.

Fiscalização

Exibir publicamente suásticas e outros simbolismos nazistas é ilegal na Alemanha, assim como negar ou desdenhar o significado do holocausto. Comentários considerados como incitação ao ódio são puníveis com pena de prisão. Mas as autoridades têm sofrido para traduzir as leis de expressão para a era da internet.

Em 2017, a Alemanha aprovou a Lei de Fiscalização da Rede, que obrigou empresas de internet, como o Facebook, a tirar do ar o discurso de ódio apenas 24 horas após serem notificadas ou terem de pagar multas.

As empresas reforçaram a moderação de conteúdo para cumprir a lei, mas muitos formuladores de políticas alemães disseram que a norma não era abrangente o suficiente porque mirava nas empresas, e não nos indivíduos. O discurso de ódio continuou a se espalhar após a aprovação da lei e, em 2021, o governo adotou regras que facilitaram a prisão de pessoas que atacam figuras públicas na internet.

Daniel Holznagel, ex-funcionário do Ministério da Justiça que ajudou a redigir as leis de fiscalização da internet aprovadas em 2017, comparou as medidas repressivas ao combate aos violadores de direitos autorais.

Ele disse que as pessoas pararam de baixar músicas e filmes ilegalmente depois que as autoridades começaram a emitir multas e avisos legais. "Você não pode processar todos, mas isso terá um grande efeito se deixar claro que a ação penal é uma possibilidade", disse Holznagel, que agora é juiz.

A polícia da internet

Documentos com provas enchem os corredores, as estantes e as mesas da força-tarefa especial instalada em um Tribunal reformado em Göttingen. Os arquivos estão cheios de cópias impressas de palavras e imagens de comentários no Facebook, tuítes e postagens no Telegram, que transbordam antissemitismo, racismo, ameaças violentas, insultos e muito mais. "Essa pessoa tinha apenas 17 anos", disse Svenja, enquanto folheava mais de 20 páginas de imagens e memes abomináveis, alguns idolatrando Hitler, outros fazendo piadas com Anne Frank.

Não existem dados nacionais a respeito do número de pessoas acusadas, mas, analisando os registros do governo alemão, o The New York Times encontrou mais de 8,5 mil casos. No geral, mais de mil pessoas foram acusadas ou punidas desde 2018, número que especialistas acreditam ser muito maior.

Grande parte do trabalho diário de monitoramento fica a cargo das equipes locais, como a de Göttingen, responsável por cuidar dos casos na Baixa Saxônia, Estado no Norte da Alemanha. Criado em 2020, o grupo de seis advogados e investigadores é um dos mais atuantes no país. Em 2021, o grupo investigou 566 crimes de discurso de ódio online, número que a equipe espera mais do que dobrar em 2022.

Cerca de 28% dessas investigações tiveram como consequência uma multa ou outra punição. Em um caso envolvendo um homem que fazia ameaças de morte pelo Telegram, os promotores o internaram em uma instituição psiquiátrica.

Frank-Michael Laue, que fundou a unidade após duas décadas como promotor criminal, disse que as penas severas chamam a atenção e mudam o comportamento. Quando as pessoas se recusam a dar acesso a seus smartphones para obtenção de provas, disse Laue, o dispositivo é enviado a um laboratório do governo alemão que usa um software capaz de contornar senhas, semelhante ao utilizado pelo FBI nos EUA.

Caça aos anônimos

Swen Weiland, um desenvolvedor de software que se tornou investigador de discurso de ódio na internet, é responsável por desmascarar pessoas por trás de contas anônimas. Depois que um usuário anônimo do Twitter comparou as restrições provocadas pela covid-19 ao holocausto, ele usou um registro online de arquitetos para ajudar a identificar o culpado como uma mulher de meia-idade. "Eu tento descobrir o que eles fazem na vida real", disse Weiland. "Se descubro onde vivem ou seus parentes, consigo chegar até a pessoa de verdade."

Policiais e promotores dizem que o trabalho de detetive é necessário porque as redes sociais raramente entregam informações dos usuários. A Meta, o Google e o Twitter venceram recentemente um recurso judicial para deter uma ampliação da Lei de Fiscalização da Rede que exigiria que as empresas notificassem o governo quando detectassem discurso de ódio online e outros conteúdos ilícitos, uma regulamentação que poderia ter levado a milhares de novos casos por ano.

O Google disse em um comunicado que compartilhou informações de usuários 85% das vezes que elas foram solicitadas pelas autoridades, mas que a proposta de lei para entregar os dados das pessoas ao governo alemão sem uma ordem legal "compromete direitos fundamentais". O Twitter disse que trabalhava em estreita colaboração com a polícia alemã, ao mesmo tempo em que mantém um equilíbrio com "a proteção da liberdade de expressão". A Meta não quis se pronunciar.

Punições

Com recursos limitados, as autoridades processam apenas uma fração das publicações com discurso considerado ilegal - a maioria dos infratores fica impune.

Assim, às vezes, as vítimas decidem fazer elas mesmas o trabalho de detetive. No ano passado, Christian Endt, jornalista em Berlim cuja cobertura da covid-19 atraiu um fluxo constante de insultos online, chegou ao limite. Depois de um usuário anônimo do Twitter o chamar de "burro" e mentalmente doente, ele se lançou em uma missão para ver se poderia processar a pessoa.

A conta não incluía um nome verdadeiro, mas tinha uma foto na página de perfil. Isso permitiu que Endt realizasse uma pesquisa de imagens para ver onde mais na internet aquela foto poderia ser encontrada. A busca o levou a uma página no LinkedIn de um pequeno empresário.

Endt compilou seus achados (site da empresa, número de telefone e endereço residencial do agressor) em um memorando e o enviou a um procurador. Em dezembro, o caso chegou à unidade de ódio online na Baixa Saxônia, onde o acusado vivia. Após analisar as provas, eles enviaram ao homem uma multa de mais ou menos € 1 mil. "Essa pessoa recebeu um sinal de que há alguns limites para a liberdade de expressão", disse Endt.

Julgando o que é dito

Vários casos relacionados com o discurso de ódio na internet estão surgindo agora no sistema jurídico alemão. Os resultados têm o potencial de criar uma nova área de jurisprudência sobre o que pode ou não ser dito online, o que pode diminuir o papel das empresas de internet como os principais árbitros do discurso online e deixar a tarefa mais nas mãos dos tribunais. A experiência da Alemanha está sendo observada por outros países, como a Grã-Bretanha e a França, onde os formuladores de políticas querem regular de forma mais rigorosa o discurso na internet.

Em junho, na cidade de Kassel, um homem de 49 anos foi julgado por comentários feitos no Facebook de que Lübcke, o político assassinado em 2019, era "culpado".

Dirk B., o réu cujo nome completo não foi divulgado devido às rígidas leis de privacidade da Alemanha, disse a uma juíza que os comentários haviam sido tirados do contexto.

O acusado afirmou que sua publicação era a respeito da recusa de Lübcke de ter proteção policial e que ele tinha, nos mesmos comentários, dado condolências à família. "Isso se enquadra na liberdade de expressão em nosso estado democrático livre", disse o réu. A juíza discordou e, ao fim da audiência, disse que, na prática, ele havia aprovado o assassinato. Dirk foi multado em € 2,4 mil.

Estadão
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