Favelados cariocas já eram chamados de “facção” pela ditadura, mostram arquivos

Segundo a Comissão da Verdade do Rio, remoções forçadas de favelas atingiram mais de 100 mil pessoas entre 1964 e 1973

8 jul 2025 - 06h57
(atualizado às 07h05)
Resumo
Perseguição pela ditadura aconteceu no contexto das remoções forçadas de favelas, que retirou mais de 100 mil pessoas de comunidades nos primeiros anos do regime militar. Incêndios, homens amarrados uns aos outros pelo pescoço, entre outras brutalidades, marcaram as desocupações.
A violência das remoções forçadas de favelas obrigava moradores a saírem amarrados pelo pescoço.
A violência das remoções forçadas de favelas obrigava moradores a saírem amarrados pelo pescoço.
Foto: Arquivo Nacional

Um dado emblemático tem passado batido nos arquivos da ditadura divulgados nos últimos anos: os favelados organizados do Rio de Janeiro eram chamados de “facção”.

Em um documento confidencial da Polícia Militar, de 21 julho de 1981, o assunto é “atuação de grupo de trabalho nas favelas – apoio à facção de Irineu Guimarães na FAFERJ”.

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Guimarães era presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ), fundada em 1963, com articulações anteriores. A palavra “facção” não foi usada aleatoriamente.

O mesmo documento confidencial da PM, ao descrever a luta política pelo controle da FAFERJ, informa que “algumas entidades já estariam tendendo a aderir à facção de Irineu”. Ele morreu, mas o atual dirigente da entidade, Rossino de Castro Diniz, conta que “os presidentes sofriam mais”.

Relatório detalha as atividades de Irineu Guimarães, presidente da FAFERJ. Repare no “assunto”, onde se lê “facção”.
Foto: Reprodução

Remoções violentas sufocaram a organização de favelados

Pouca gente sabe, mas a articulação das comunidades cariocas foi duramente perseguida pela ditadura. Segundo o Relatório da Comissão da Verdade do Rio, as remoções forçadas de favelas atingiram mais de 100 mil pessoas “somente entre 1964 e 1973”.

A organização das comunidades e a atuação de lideranças como Irineu Guimarães se torna mais forte com a política de remoção de favelas, iniciada em 1962 pelo governador Carlos Lacerda. A ditadura implantada em 1964 intensificou o processo.

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Caminhões da empresa de limpeza levavam moradores de favelas para regiões distantes do trabalho, além de separar vizinhos.
Foto: Reprodução

Em dezembro daquele ano, teve início a expulsão de moradores da Favela do Esqueleto. Uma remoção emblemática foi a da Favela da Ilha das Dragas, em uma pequena ilha na Lagoa Rodrigo de Freitas, em frente ao canal do Jardim de Alah. A remoção teve início em fevereiro de 1969.

No mesmo ano, ocorre a remoção da Favela da Praia do Pinto, no Leblon, onde hoje é o condomínio de edifícios conhecido como Selva de Pedras. No processo de expulsão da comunidade, três diretores da Federação de Favelas foram presos, e Abdias José Santos, torturado na Ilha das Flores.

Incêndio misterioso destruiu a favela da Praia do Pinto, com 20 mil moradores à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Foto: Biblioteca Nacional

Comissão de Anistia reconheceu perseguição

Segundo o Relatório da Comissão da Verdade Rio, “como efeito direto dos sequestros, prisões e incêndios ocorridos na Ilha das Dragas e Praia do Pinto, as remoções nos anos subsequentes das outras favelas do entorno da Lagoa e de outras áreas ocorreram praticamente sem oposição aberta”.

A articulação das favelas foi reprimida, mas não parou. Rossino de Castro Diniz, 70 anos, atual presidente da FAFERJ, era então diretor e participava ativamente do movimento dos favelados.

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Remoção da favela do Brás de Pina, em meio a protestos dos moradores. 110 mil pessoas removidas entre 1964 e 1973.
Foto: Correio da Manhã

“Eu atuo desde os 16 anos, venho desde antes da ditadura. Eu participava de grupos de jovens em Olaria, fazia reuniões na Mineira, Tijuca”, conta Rossino. “Fui muito esculachado.”

Em 2024, a Comissão de Anistia reconheceu oficialmente a perseguição à FAFERJ e sugeriu que um imóvel fosse cedido para a sede da instituição, ou terreno para a construção, como reparação. A Federação continua ocupando um prédio no centro do Rio de Janeiro, sem sede própria.

Fonte: Visão do Corre
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