Perseguição pela ditadura aconteceu no contexto das remoções forçadas de favelas, que retirou mais de 100 mil pessoas de comunidades nos primeiros anos do regime militar. Incêndios, homens amarrados uns aos outros pelo pescoço, entre outras brutalidades, marcaram as desocupações.
Um dado emblemático tem passado batido nos arquivos da ditadura divulgados nos últimos anos: os favelados organizados do Rio de Janeiro eram chamados de “facção”.
Em um documento confidencial da Polícia Militar, de 21 julho de 1981, o assunto é “atuação de grupo de trabalho nas favelas – apoio à facção de Irineu Guimarães na FAFERJ”.
Guimarães era presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ), fundada em 1963, com articulações anteriores. A palavra “facção” não foi usada aleatoriamente.
O mesmo documento confidencial da PM, ao descrever a luta política pelo controle da FAFERJ, informa que “algumas entidades já estariam tendendo a aderir à facção de Irineu”. Ele morreu, mas o atual dirigente da entidade, Rossino de Castro Diniz, conta que “os presidentes sofriam mais”.
Remoções violentas sufocaram a organização de favelados
Pouca gente sabe, mas a articulação das comunidades cariocas foi duramente perseguida pela ditadura. Segundo o Relatório da Comissão da Verdade do Rio, as remoções forçadas de favelas atingiram mais de 100 mil pessoas “somente entre 1964 e 1973”.
A organização das comunidades e a atuação de lideranças como Irineu Guimarães se torna mais forte com a política de remoção de favelas, iniciada em 1962 pelo governador Carlos Lacerda. A ditadura implantada em 1964 intensificou o processo.
Em dezembro daquele ano, teve início a expulsão de moradores da Favela do Esqueleto. Uma remoção emblemática foi a da Favela da Ilha das Dragas, em uma pequena ilha na Lagoa Rodrigo de Freitas, em frente ao canal do Jardim de Alah. A remoção teve início em fevereiro de 1969.
No mesmo ano, ocorre a remoção da Favela da Praia do Pinto, no Leblon, onde hoje é o condomínio de edifícios conhecido como Selva de Pedras. No processo de expulsão da comunidade, três diretores da Federação de Favelas foram presos, e Abdias José Santos, torturado na Ilha das Flores.
Comissão de Anistia reconheceu perseguição
Segundo o Relatório da Comissão da Verdade Rio, “como efeito direto dos sequestros, prisões e incêndios ocorridos na Ilha das Dragas e Praia do Pinto, as remoções nos anos subsequentes das outras favelas do entorno da Lagoa e de outras áreas ocorreram praticamente sem oposição aberta”.
A articulação das favelas foi reprimida, mas não parou. Rossino de Castro Diniz, 70 anos, atual presidente da FAFERJ, era então diretor e participava ativamente do movimento dos favelados.
“Eu atuo desde os 16 anos, venho desde antes da ditadura. Eu participava de grupos de jovens em Olaria, fazia reuniões na Mineira, Tijuca”, conta Rossino. “Fui muito esculachado.”
Em 2024, a Comissão de Anistia reconheceu oficialmente a perseguição à FAFERJ e sugeriu que um imóvel fosse cedido para a sede da instituição, ou terreno para a construção, como reparação. A Federação continua ocupando um prédio no centro do Rio de Janeiro, sem sede própria.