Ter mais potência muscular — ou seja, conseguir combinar força e velocidade — pode estar associado a uma menor taxa de mortalidade em pessoas de meia idade e idosos, segundo um estudo liderado por pesquisadores brasileiros e publicado nesta quarta-feira, 30, na revista Mayo Clinic Proceedings.
Força e potência muscular são conceitos diferentes. O primeiro diz respeito à capacidade de segurar um determinado peso, como um galão de água ou um bebê. Já o segundo é o resultado da força multiplicada pela velocidade (P = F x V).
"Imagine que eu tenho um peso de 5 kg na mão e vou fazer uma flexão de braço, levantando o peso em direção ao meu tronco. Eu posso fazer isso devagar ou rápido. A força é a mesma, 5 kg, mas a potência vai depender da velocidade com que eu executo o movimento", explica Claudio Gil Araújo, médico do exercício do esporte, diretor médico da Clinimex e primeiro autor do estudo.
"Quando eu faço um movimento de forma devagar, uma parte do músculo trabalha. Quando eu faço de forma mais rápida, mais músculo tem que trabalhar para gerar a velocidade", acrescenta.
Araújo cita o jogador Roberto Carlos, ex-lateral da seleção brasileira conhecido pelos seus chutes. "É comum ouvir que ele tem um chute fortíssimo. Não, ele não tem um chute fortíssimo, ele tem um chute potente. A bola vai com tanta velocidade que o goleiro não consegue chegar. O peso da bola é igual", diferencia.
Guilherme Artioli, professor do Instituto de Ciência Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do Estadão, explica que a potência muscular costuma ser mais útil no dia a dia. "Precisamos de mais ações musculares rápidas do que de ações musculares que precisam de força máxima."
Um exemplo rotineiro é subir rapidamente um lance de escadas. Isso envolve tanto a força para impulsionar o corpo contra a gravidade quanto a velocidade com que esse movimento é realizado. Quanto mais rápido o movimento, maior a potência envolvida, mesmo que o peso do corpo seja o mesmo.
Qual a relação com a mortalidade?
Os pesquisadores acompanharam 3.889 indivíduos (68% homens) por uma média de 10,8 anos e verificaram que aqueles com baixa potência muscular relativa (rPOW) tiveram risco de morte 5,9 vezes maior (homens) e 6,9 vezes maior (mulheres) em comparação com os mais potentes. Já a força muscular (rSTR) apresentou associação menos significativa, com aumento de risco de 1,6 a 1,7. Os participantes tinham idades entre 46 e 75 anos.
Araújo destaca que a pesquisa é observacional, portanto, não foi desenhada para explicar os resultados. Mas existem hipóteses. "As pessoas com menor potência têm maior tendência a cair e, especialmente a partir dos 60 anos, a queda pode ter efeitos extremamente graves", diz. "A pessoa pode até morrer em decorrência das complicações do acidente."
"(Sem potência muscular) a pessoa não consegue levantar da cadeira, não consegue sair bem de um carro. Se tem um degrau à frente, ela tem dificuldade para subir ou descer", acrescenta sobre os riscos de quedas.
Como os dados foram analisados?
A potência muscular dos participantes foi avaliada por meio de um teste de remada superior, no qual os indivíduos levantavam cargas progressivas usando um dispositivo digital que calculava a potência média (watts/kg).
Já a força muscular foi medida com um dinamômetro de preensão manual, registrando a melhor de quatro tentativas. Ambos os resultados foram ajustados pelo peso corporal, gerando as medidas relativas (rPOW para potência e rSTR para força).
Os participantes foram divididos em quatro grupos conforme o desempenho, estratificados por sexo. Ao longo dos quase 11 anos de acompanhamento, 484 participantes morreram. Eles tiveram seu estado vital verificado por registros oficiais. Mortes por covid-19 e causas externas foram excluídas.
Como treinar para melhorar a potência
É comum que a potência diminua com o envelhecimento, mas essa "não é uma sentença transitada em julgado e cabe recurso", brinca Araújo.
Pessoas que praticam musculação com enfoque em potência muscular, como no "velocity-based training", podem manter e até melhorar a potência muscular.
Um exemplo seria, em um treino de força, realizar duas ou três séries de seis a oito repetições o mais rápido possível na fase de contração do músculo, com apenas 15 a 30 segundos de descanso entre as séries.
"O treino de potência muscular é muito parecido com o treino de musculação normal, mas nele você faz a parte concêntrica do movimento, quando você levanta o peso, de forma mais rápida", detalha Artioli.
"Se você quer treinar força máxima, vai colocar mais peso e o movimento, consequentemente, vai ficar mais lento. Mas, se você quiser treinar potência muscular, vai colocar menos peso e fazer o levantamento de forma mais rápida", finaliza.