A obesidade passou a ser tratada com mais formalidade na arena internacional após a divulgação, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de orientações específicas sobre o uso de terapias à base de agonistas do GLP-1 para controle de peso. Essas medicações, já presentes no tratamento do diabetes tipo 2, vêm ganhando espaço como alternativa farmacológica para adultos com índice de massa corporal elevado. Isso ocorre em um cenário em que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com obesidade no planeta. Assim, as recomendações recém-publicadas buscam organizar esse uso dentro de protocolos claros e de longo prazo.
Ao mesmo tempo em que os remédios com GLP-1 ganham espaço, cresce o debate sobre custo, acesso e impacto nos sistemas públicos de saúde. Governos e instituições observam o avanço da procura por medicamentos como semaglutida, tirzepatida e liraglutida. Ao mesmo tempo, discutem como incluí-los de forma segura, sustentável e equitativa nos serviços de atenção primária e com especialização. Portanto, a orientação da OMS tenta equilibrar o potencial benefício clínico com as incertezas sobre uso prolongado e o risco de aprofundar desigualdades.
Terapias com GLP-1 para obesidade: o que a OMS passou a recomendar?
A nova diretriz da OMS sobre GLP-1 para obesidade estabelece recomendações condicionais para o uso desses medicamentos em adultos com IMC igual ou superior a 30, excetuando gestantes. Assim, o caráter condicional significa que as indicações devem ter avaliação caso a caso, levando em conta fatores como perfil clínico, riscos, benefícios esperados, custo e disponibilidade local. Ademais, a orientação destaca que o tratamento precisa ser de longo prazo. Isso porque a obesidade está no rol de doenças crônicas, com tendência à recidiva quando há interrupção de intervenções.
Esses fármacos, que têm o nome de agonistas do receptor de GLP-1, imitam a ação de um hormônio intestinal que participa da regulação do apetite, da saciedade e da secreção de insulina. Assim, estudos apontam redução significativa do peso corporal quando combinados com mudanças estruturadas em estilo de vida. Por isso, a diretriz da OMS reforça que não deve haver aplicação da medicação isoladamente, mas sempre com associação a alimentação equilibrada e atividade física regular, dentro de um plano de cuidado abrangente.
Quais medicamentos GLP-1 entraram nas recomendações?
A orientação internacional contempla três agentes principais da classe dos agonistas do GLP-1: semaglutida, tirzepatida e liraglutida. A semaglutida e a tirzepatida já haviam sido adicionadas, em 2024, à lista de medicamentos essenciais da OMS para o tratamento do diabetes tipo 2 em grupos de maior risco. Portanto, isso sinalizou a importância clínica dessa tecnologia. Agora, a organização amplia a discussão para a farmacoterapia da obesidade, embora ainda não as tenha classificado como essenciais especificamente para essa indicação.
A inclusão da liraglutida, medicamento mais antigo da mesma família, demonstra que a evidência disponível não se limita às moléculas mais recentes. Apesar disso, a própria OMS e especialistas ressaltam que há incertezas sobre o uso contínuo em doses elevadas. Em especial, no que diz respeito a efeitos adversos de longo prazo, abandono do tratamento e manutenção da perda de peso após a suspensão. Por esse motivo, a recomendação condicional exige acompanhamento próximo e reavaliação periódica da indicação.
- Semaglutida - já muito estudada em obesidade e diabetes tipo 2;
- Tirzepatida - atua em mais de um alvo hormonal, com impacto expressivo em redução de peso;
- Liraglutida - agonista de GLP-1 de uso consolidado, com dosagem geralmente diária.
Como integrar GLP-1 ao tratamento da obesidade de forma responsável?
A diretriz da OMS destaca que o tratamento da obesidade com GLP-1 deve inserir-se em um modelo de cuidado contínuo, que considere também intervenções comportamentais e suporte multiprofissional. Assim, profissionais de saúde recebem a orientação de avaliar histórico clínico, presença de doenças associadas, uso de outros medicamentos e capacidade de o paciente manter o seguimento. Assim, a proposta é que o uso dos agonistas de GLP-1 seja parte de um plano estruturado, e não uma solução isolada para perda de peso rápida.
Entre as estratégias descritas estão:
- Monitorar peso, IMC e circunferência abdominal em intervalos regulares;
- Acompanhar sinais de eventos adversos gastrointestinais e outros efeitos descritos em estudos;
- Reforçar orientação nutricional com foco em alimentação saudável e sustentável;
- Estabelecer metas realistas de redução de peso e manutenção a longo prazo;
- Reavaliar periodicamente a necessidade de continuidade da farmacoterapia.
Do ponto de vista de saúde pública, a OMS sugere que países avaliem o impacto orçamentário dessas terapias e estudem formas de incorporação gradativa, priorizando grupos com maior risco de complicações metabólicas, como pessoas com obesidade grave e múltiplas comorbidades.
Desafios de acesso aos medicamentos GLP-1 até 2030
Apesar do crescimento da oferta, a OMS projeta que, até 2030, menos de 10% das pessoas que poderiam se beneficiar das terapias com GLP-1 terão acesso efetivo a esses remédios. O principal obstáculo é o custo elevado, que se soma à capacidade limitada de produção global e às diferenças de poder de compra entre países e entre grupos sociais dentro de uma mesma nação. Por isso, sem medidas coordenadas a tendência é que o uso se concentre nas populações com maior renda.
Para enfrentar esse cenário, a organização propõe que governos e parceiros avaliem mecanismos de:
- Ampliação da produção, incentivando fabricantes a aumentar a capacidade industrial;
- Negociação de preços em escala, por meio de compras conjuntas ou consórcios internacionais;
- Criação de modelos de financiamento que priorizem grupos de maior risco clínico;
- Integração das terapias com GLP-1 às políticas nacionais de obesidade e doenças crônicas.
Essas iniciativas são consideradas fundamentais para limitar o risco de que as medicações para emagrecimento com GLP-1 ampliem disparidades entre ricos e pobres. Isso tanto em países de alta renda quanto em regiões de baixa e média renda.
Qual é o impacto econômico da obesidade e por que o GLP-1 entra nesse debate?
A OMS estima que o impacto econômico da obesidade possa alcançar perto de 3 trilhões de dólares anuais até 2030, somando gastos diretos em saúde e perdas de produtividade. Nesse contexto, as terapias com GLP-1 para emagrecimento passam a ser observadas não só sob a ótica clínica, mas também como parte de estratégias para reduzir custos associados a complicações como diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.
A organização sinaliza que, em 2026, pretende trabalhar com governos e demais atores do setor para definir prioridades de acesso, identificando grupos que mais se beneficiariam da incorporação dessas medicações. A expectativa é alinhar o uso dos agonistas do GLP-1 a políticas amplas de promoção de saúde, prevenção de obesidade e manejo de doenças crônicas, reduzindo, a longo prazo, o peso financeiro dessa condição sobre sociedades e sistemas de saúde.