O olfato processa sinais rapidamente e com poucos filtros, tornando lembranças mais vívidas, já que o cérebro não distingue passado e presente ao reconhecê-las.Na Alemanha, à medida que o Natal se aproxima, os aromas de pinheiro fresco, biscoitos de açúcar e vinho quente se espalham pelo ar, pois são itens tradicionais consumidos pelas famílias e encontrados nos mercados de Natal nessa época do ano.

Os aromas são processados em uma das áreas mais primitivas do cérebro
Os aromas são processados em uma das áreas mais primitivas do cérebro
Foto: DW / Deutsche Welle

Por isso, é muito provável que esses cheiros despertem emoções e memórias na mente de muitas pessoas, assim como o cheiro de "quentão" facilmente pode nos transportar à memória de uma festa junina, no Brasil, ou, no Natal, o cheiro de pernil e panetone.

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"Quando você sente esse cheiro [familiar] novamente, você volta direto para a memória - para a cozinha da avó, fazendo biscoitos de Natal", disse Olaf Conrad, médico otorrinolaringologista do Hospital Universitário de Erlangen.

"O grande momento lá em casa era quando montávamos a árvore, que sempre era grande demais para o pequeno cômodo onde ficava", continuou ele. "O cheiro de pinheiro fresco sempre me colocava no clima de Natal."

No entanto, como os cheiros ativam gatilhos na memória das pessoas, muitas vezes sendo necessários também para o reconhecimento de imagens, gostos e de outros estímulos ligados às experiências passadas?

Um poderoso gatilho para memórias

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Os cheiros são processados no paleocórtex, uma das estruturas cerebrais mais primitivas, ligada à sobrevivência.

Os processos olfativos acontecem próximos à amígdala, responsável por nossas respostas emocionais, e ao hipocampo, que é crucial para a formação de memórias, explicou Conrad. Na prática, isso significa que quando sentimos um cheiro, o sinal contorna as áreas racionais do cérebro e seguem para as regiões ligadas às emoções e lembranças.

Diferente de outros sentidos cujos sinais passam primeiro pelo tálamo, como a visão, no caso do olfato a informação é processada diretamente. As células receptoras do nariz repassam sinais ao bulbo olfativo, que os enviam sem filtro ao paleocórtex, também conhecido como córtex olfativo, uma estrutura menos complexa.

"Testes mostraram que o nosso olfato é a impressão sensorial mais forte quando se trata de ativar memórias", disse o médico. "E isso também vale para memórias negativas. Pessoas que retornam da guerra ou crianças que cresceram em zonas de conflito, por exemplo, podem ser desencadeadas pelo cheiro de pólvora."

O motivo pelo qual a conexão entre cheiros e memórias formativas é tão intensa é que, além da proximidade anatômica com a amígdala e o hipocampo, memórias importantes e marcantes são "armazenadas no cérebro sem um carimbo de tempo", afirmou Conrad.

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Em outras palavras: quando um cheiro ligado a uma memória formativa nos atinge, o cérebro não fornece a informação crucial de que aquilo que estamos vivenciando pertence ao passado. Isso vale tanto para experiências traumáticas quanto para tradições de Natal ou lembranças de uma pessoa querida.

Um olfato altamente sensível pode ser doloroso

A maioria das pessoas vai experimentar, em algum momento, a conexão entre um cheiro e uma memória ou emoção. Mas uma Pessoa Altamente Sensível (PAS) vivencia estímulos sensoriais em um nível muito mais intenso do que a média.

Para muitos indivíduos, isso significa sentir cheiros que pessoas sem essa condição nem chegam a perceber - ou os percebem de forma muito mais intensa. Isso porque sutilezas no ambiente são percebidas e processadas com grande profundidade, tanto cognitivamente quanto emocionalmente.

Aromas, por exemplo, podem fazer com que PAS se sintam fisicamente mal, entrem em turbulência emocional ou tenham dificuldade de se concentrar. Estudos já indicam que essa sensibilidade leva a respostas cerebrais diferentes, ou seja, não se trata apenas de um traço emocional, além de não ser visto como um transtorno, mas uma diferença individual.

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Daphne, uma jovem empreendedora da Alemanha, é uma PAS. Para ela, o cheiro do perfume que sua mãe costumava usar é um forte gatilho emocional.

"Tenho esse problema com o Chanel Nº 5", contou Daphne à DW. "Quando sinto esse cheiro, sou jogada de volta diretamente para a dor que senti com a [morte da] minha mãe."

Ela disse que a diferença entre uma PAS e pessoas com um nível regular de sensibilidade sensorial é que, uma vez que o cheiro a leva de volta à memória da morte da mãe, ela permanece nessa lembrança por longos períodos, a menos que faça "um esforço ativo para sair disso".

"O mundo desaparece em questão de segundos, e você sente exatamente a mesma coisa que sentiu naquela época", disse Daphne.

Como os cheiros são usados na medicina

A forte ligação entre aromas e emoções pode ser usada de forma positiva. "Profissionais de cuidados paliativos reconheceram o quanto a aromaterapia calmante pode ajudar", afirmou Conrad. Por exemplo, ela é usada aromas podem influenciar o humor, reduzir o estresse ou, por outro lado, atuar como um energizante.

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Embora os cheiros não ajudem no tratamento da doença de Parkinson, por exemplo, eles também funcionam como um indicador da condição neurodegenerativa, já que os pacientes acabam perdendo o sentido do olfato.

"Não há ninguém nos estágios iniciais do Parkinson que ainda consiga sentir cheiros normalmente", disse Conrad.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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