Por séculos, o Atol das Rocas, pedaço de Brasil que fica a 269 km de Natal, foi visto como um estorvo para navegantes que circulavam pelo recém descoberto Novo Mundo: ausência de água doce, natureza rebelde que mal se deixa criar árvores e obstáculos naturais escondidos pelo mar raivoso que, sem dó, levavam embarcações para o fundo do mar.
E, desde 1995, o local, única formação do gênero, em todo o Atlântico Sul, é administrado por uma potiguar linha dura, Maurizélia de Brito Silva, chefe da primeira Reserva Biológica Marinha do Brasil, criada em 1979, e Patrimônio Natural Mundial da Unesco, desde 2001.
Atol das Rocas
Neste berçário natural, com águas protegidas de até mil metros de profundidade, acontece a reprodução de baleias, golfinhos e tubarões. "É uma maternidade no meio do Atlântico", explica Zelinha, como a gestora é conhecida.
Como lembra, em entrevista para o Viagem em Pauta, o atol "é um laboratório natural para estudos de comportamento, ecologia, genética, geologia, dentre outros, e atua como modelo nos estudos de comparação de área com condições ideais em relação às áreas impactadas".
De proteção integral e endereço cobiçado de pesquisadores, o local tem acesso apenas para fins científicos, devido ao seu alto grau de fragilidade.
Isso tudo graças ao trabalho insistente de Maurizélia.
Toda vez que eu desembarco em Fernando de Noronha, o Brasil que fica mais perto das Rocas, a 148 km dali, coleciono histórias de profissionais que tiveram a oportunidade de trabalhar com ela em viagens para o atol.
Admiração e temor, assim juntos, são os sentimentos mais presentes nos relatos que escuto. Zelinha parece ser apenas o apelido que ameniza o título de "xerifa do Atol", como já foi chamada.
A potiguar teve seu primeiro contato com o atol, em 1991, durante a implantação da reserva, sob o comando de Gilberto Sales, de quem acabaria virando a sucessora.
Em 2011, junto com Leonardo Sakamoto, Jean Wyllys e Ronaldo Fraga, ganhou o prêmio Transformadores, concedido pela revista Trip a pessoas que inspiram mudanças no Brasil e no mundo.
Não fosse seu trabalho, o local continuaria a receber barcos de pescadores, armados com rede, linha e até arpão. Ou pior, ser mais um destino paradisíaco do Brasil turístico, lotado de turistas fazendo snorkel em piscinas naturais, fazendo selfies sobre frágeis plataformas de recifes.
Atualmente, o atol conta com uma estação de pesquisa, equipada com botes, energia solar e internet via satélite.
E isso é tudo nessa reserva biológica de cerca de 360 km², segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do Ministério do Meio Ambiente que gere o local.
O que é um atol?
3º51´S 33º48´W são não só as coordenadas geográficas do Atol das Rocas, mas o subtítulo do livro que registra o extenso trabalho da bióloga Alice Grossman e das fotógrafas especializadas em imagens submarinas, Zaira Matheus e Marta Granville.
Nessa espécie de biografia do atol, a obra reúne dez anos de pesquisa, dividida em capítulos que abordam o local desde seus primeiros registros cartográficos, em 1529, até a atualidade (o livro foi lançado em 2012).
"Atol das Rocas 3º51´S 33º48´W" (BEĨ Editora) é como um memorial vivo que detalha a ilha em retrancas sobre aves, crustáceos, marés e outros tantos assuntos possíveis no atol.
Segundo lembra as autoras desse belo livro de fotografias, a palavra atol foi usada pela primeira vez pelo naturalista Charles Darwin, em um trabalho científico, emprestando o termo da língua nativa das Maldivas (atolu).
Trata-se de um lento processo, de milhares de anos, de rebaixamento de uma ilha oceânica, dando origem a uma área interior inundada, rodeada por recifes em constante crescimento, em busca de luz da superfície.
O Atol das Rocas, assim como o arquipélago de Fernando de Noronha, são as únicas elevações que podem ser vistas sobre o nível da água, ao longo de uma extensa cordilheira submarina que corta todo o Atlântico.
No mundo, outros exemplos de atóis são as formações localizadas nas Maldivas, Seichelles, Micronésia, ilhas Salomão, Polinésia Francesa e Nova Zelândia.
A 24 horas de navegação de Natal (RN), aproximadamente, o atol se preserva ao redor de uma laguna no anel de recifes que o separa das águas agitadas do Atlântico.
De norte a sul, são 2,5 km de extensão e outros 3,7 km, de leste a oeste, com entrada por canais naturais que levam a seu interior, por onde "circula o maior fluxo de água" e "passagens mais utilizadas dos animais de maior porte que entram e saem do anel recifal".
Se fosse um destino turístico, o que nunca será, a melhor época para visitá-lo seria durante a temporada de chuvas, de março a junho, quando não há as temidas ondulações da região que complicam a chegada ao atol.
Já a seca vai de julho a fevereiro, cujo início do verão marca o acasalamento de tartarugas no atol e as ondas podem chegar a quatro metros de altura.
Além do platô de recifes e de piscinas naturais, Rocas é formada por apenas duas pequenas ilhas interiores, a do Farol e a do Cemitério, onde aves fazem seus ninhos nos pontos mais elevados.
Com 800 metros de comprimento, a primeira é a maior delas, endereço da base dos poucos pesquisadores autorizados a permanecerem no local, em temporadas que costumam durar 35 dias, quando é feito o revezamento de pessoal (para proteger o atol, o local é, permanentemente habitado).
A segunda ilha recebe esse nome por abrigar os náufragos e faroleiros que morreram na região.
E se alguém ainda tem dúvidas da complexidade daquelas águas de temperamento explosivo, a maré baixa trata de lembrá-lo, descobrindo restos de naufrágios, nas areias do anel.
Dizem que a fauna local é pobre em variedade de espécies, se comparada com outras regiões recifais do Brasil. Ainda assim, o Atol das Rocas é refúgio de arraias, peixes, polvos, caranguejos, lagostas (aos montes), tartarugas e tubarões.
Com cerca de 150 mil, Rocas é considerado a maior colônia de aves marinhas do país, atraídas pelo isolamento e fartura de alimentos.
Pelas descrições que se leem, Rocas poderia ser até um daqueles pedaços de terras imaginados por navegadores de séculos passados. Mas fica bem aqui, no Brasil, mas para nossa sorte, a gente nunca vai poder visitar.