O que é um ciclone extratropical e qual a relação com o tornado que atingiu o Paraná?

Em entrevista ao Estadão, a meteorologista Sheila Paz, do Simepar, explica o fenômeno que devastou a cidade de Rio Bonito do Iguaçu

8 nov 2025 - 19h41
(atualizado às 19h55)

O tornado que devastou o município de Rio Bonito do Iguaçu, no interior do Paraná, na sexta-feira, 7, foi resultado de uma combinação rara, mas conhecida pelos meteorologistas: a passagem de uma frente fria intensa, associada à formação de um ciclone extratropical extremamente organizado entre a costa do Rio Grande do Sul e o oceano Atlântico.

Publicidade

O Estadão conversou com a meteorologista Sheila Paz, do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), que explicou que esse ciclone foi o ponto de partida para as instabilidades que deram origem a supercélulas de tempestade, estruturas capazes de gerar tornados.

"O que observamos foi o avanço de uma frente fria sobre a região Sul do Brasil, associada à formação de um ciclone muito organizado", disse Sheila. "Essa frente fria passou rapidamente sobre o Rio Grande do Sul nas primeiras horas da manhã e chegou ao Paraná no meio da tarde de sexta-feira. À frente dela, algumas células de tempestade se formaram e se organizaram em supercélulas. Nessas supercélulas houve formação de tornados."

Segundo análises preliminares do Simepar, três tornados podem ter ocorrido entre as 18h e 20h de sexta-feira. O mais intenso atingiu Rio Bonito do Iguaçu, com ventos estimados em 250 km/h, o que corresponde a um tornado de categoria F3 na escala Fujita, considerado "violento".

"Foi o pior evento de tempestade da história recente do Paraná", afirmou a meteorologista. "Infelizmente, o tornado atingiu em cheio uma cidade pequena, trazendo danos a cerca de 80% do município." Ao menos seis pessoas morreram e 773 ficaram feridas.

Publicidade

Apesar do fenômeno em Rio Bonito do Iguaçu ter chocado pelo impacto, segundo a especialista, ele se encaixa no comportamento esperado da atmosfera sob certas condições.

"Tornados fazem parte da climatologia do Paraná", afirmou. "O que tivemos foi um ambiente altamente instável, com muito calor e umidade, o que serviu de combustível para que as tempestades ganhassem força. Infelizmente, uma delas passou exatamente sobre uma cidade."

Mas, afinal, o que é um ciclone extratropical?

O ciclone extratropical é uma área de baixa pressão atmosférica. No caso do Sul, ele se formou sobre o oceano e a costa do Rio Grande do Sul, dando origem a uma frente fria, caracterizada pelo encontro entre uma massa de ar quente e úmida e outra fria e seca.

"O ar frio é mais pesado e empurra o ar quente e úmido para cima, formando nuvens carregadas", explicou Sheila. "É nesse encontro que surgem as tempestades mais fortes. À frente da frente fria é onde a atmosfera fica mais instável, e as supercélulas se organizam — algumas delas capazes de gerar tornados."

Publicidade

O ciclone, portanto, não é o tornado, mas cria as condições para que ele ocorra, ampliando a instabilidade atmosférica e favorecendo a formação de tempestades rotativas.

Diferença entre tornado, furacão e ciclone

Apesar de todos envolverem ventos intensos, tornados, ciclones e furacões são fenômenos distintos.

"O furacão é um sistema de centenas de quilômetros de extensão, visível claramente por satélites. Ele tem ventos intensos que duram horas", explicou Sheila.

"Já o tornado é um fenômeno muito menor, de dezenas de metros, que se forma de baixo para cima dentro de uma supercélula. Quando o funil toca o solo, chamamos de tornado — e ele dura poucos segundos ou minutos."

O último furacão registrado no Brasil foi o Catarina, em 2004, que atingiu o litoral de Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul. Tornados, por outro lado, fazem parte da climatologia da região Sul, embora sua intensidade e frequência tenham aumentado nos últimos anos.

Publicidade

Em resumo, a diferença entre os fenômenos:

Ciclone extratropical

  • É uma área de baixa pressão atmosférica comum nas latitudes médias.
  • Surge do contraste entre massas de ar quente e frio.
  • Gera frentes frias e tempestades intensas, mas atua em grandes extensões territoriais.

Tornado

  • É um vórtice de vento extremamente concentrado que se forma dentro de uma supercélula de tempestade.
  • Dura poucos segundos ou minutos e tem diâmetro de dezenas a centenas de metros.
  • Pode alcançar ventos de mais de 300 km/h e causar destruição localizada.

Furacão (ou ciclone tropical)

  • É um sistema de baixa pressão formado sobre oceanos quentes, com diâmetro de centenas de quilômetros.
  • Os ventos intensos duram horas ou dias.
  • Não é comum no Brasil — o único registrado foi o furacão Catarina, em 2004.

Mudanças climáticas

Estudos recentes apontam que o aumento da frequência e da severidade das tempestades no Sul do País pode ter relação com as mudanças climáticas.

"São eventos que sempre fizeram parte da nossa climatologia, mas hoje estão mais frequentes e intensos", explicou Sheila. "A 'chavinha já virou'. Temos observado eventos cada vez mais severos, como o do Rio Grande do Sul no ano passado, e isso nos preocupa."

O Simepar, segundo ela, tem investido em novos radares meteorológicos e na capacitação técnica das equipes para melhorar o monitoramento e o alerta à população.

Publicidade

"Estamos ampliando nossa rede de radares, que será a maior do País, e trabalhando junto à Defesa Civil para que a população saiba como agir. A educação e a preparação são fundamentais diante desses eventos que tendem a se tornar mais comuns."

Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se