Em meio a polêmicas sobre hospedagens, redução de delegações e atrasos dos países para a entrega de suas novas metas climáticas para a COP30, a cientista Thelma Krug, líder do Conselho Científico da Conferência e ex-vice presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se mantém otimista. “O Brasil não vai fazer feio, não vai”, frisou.
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Em entrevista ao Terra, ela ressaltou o que chamou de ‘liderança inquestionável’ do Brasil e disse não se preocupar que o encontro em Belém tenha público menor, desde que as negociações não desviem o foco dos combustíveis fósseis, principal fonte de emissões de gases de efeito estufa e agravador da crise climática. No entanto, pondera que o caminho da descarbonização de nações não é uma coisa simples e que há muitas pressões no jogo. “A COP é uma COP de economia. Ela não é ambiental. Nunca foi.”
"A COP é na floresta, mas ela não é das florestas. Não podemos desviar o olhar dos combustíveis fósseis. (...)A gente não pode perder esse momento, essa oportunidade de continuar discutindo e chamando realmente para esse tipo de redução." - Thelma Krug
Thelma já representou o Brasil em mais de dez Conferências das Partes, as COPs, e explica que o País é “extremamente respeitado” por apresentar suas opiniões de forma clara e transparente, garantindo confiança e conforto ao trocar com outros países. E, nessa COP, ela acredita que não será diferente.
Por o evento acontecer na Amazônia pela primeira vez, a avaliação é que a valorização do papel de comunidades indígenas e tradicionais irá proporcionar um ambiente positivo para as negociações. Isso mesmo considerando o pedido feito pela ONU para que, ‘gentilmente’, as delegações fossem reduzidas considerando ‘limitações de capacidade’ de Belém.
“Eu não estou preocupada que venha menos gente. Acho que, às vezes, até pode funcionar um pouco melhor”, disse. Para ela, mesmo que sejam 10 países participantes presentes, vai ser positivo se houver foco.
Além disso, a cientista frisa que “a COP não se encerra em Belém”, pois o resultado real é o que virá a ser construído de forma conjunta ao longo dos meses após a conferência. Para ela, sob o ponto de vista de eficiência, inclusive, pode-se ter mais sucesso com a cobrança da sociedade civil engajada nas discussões pós-COP30 do que com a presença no evento, em si.
Thelma também não critica a escolha de Belém como sede da Conferência. Ela considera que isso vai voltar os olhares do mundo para a região Norte do Brasil e que nos dará a oportunidade de mostrar um “outro lado” do Brasil que vai além do sudeste. “Um lado riquíssimo”.
“Acho que é questionável a gente falar de ‘local certo’. Eu já vi COP em um passado recente que não acho que foi no lugar certo. Não é certo que a gente esteja falando de um problema tão sério [com relação à escolha de Belém]”, disse.
Atraso nas NDCs
China, União Europeia e Índia, que atuam como os principais emissores globais, ainda não submeteram suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) junto à ONU --que são as metas climáticas previstas para 2035, a serem discutidas na COP. “São lacunas importantes, mas tenho certeza que eles estão passando por um processo maior de amadurecimento para realmente colocarem à mesa aquilo que acreditam que vão realizar. Como sou otimista, tendo a ver as coisas por essa ótica”, comentou Thelma.
No total, até a publicação desta matéria, dos 195 participantes do Acordo de Paris, apenas 71 apresentaram suas novas metas até o momento. Embora o prazo esperado fosse de que todos os países protocolassem suas NDCs até o início de outubro, o sistema segue aberto.
Com relação ao que já está submetido, Thelma avalia que há um alinhamento com a busca pela triplicação do volume de renováveis até 2030 e o net zero --equilíbrio entre a quantidade de gases de efeito estufa emitidos e a quantidade ‘removida’ da atmosfera. Mas, por mais que ainda faltem muitos países, no fundo, são as submissões dos países com maiores emissões globais anuais que pesem mais, pois permitem que balanços mais precisos sobre a trajetória de aquecimento da Terra possam ser elaborados.
A China lidera o ranking de maior emissor. Mesmo sem ter submetido oficialmente suas metas, adiantou parte das NDCs durante reunião de alto nível na Assembleia Geral das Nações Unidas, no último mês, anunciando o comprometimento com a redução das emissões em até 10% até 2035.
Thelma explica que tem acompanhado os esforços do país asiático e que por mais que seja “inequívoca sua contribuição como maior emissor”, sua situação é diferente da maior parte dos países: “Ela tende a ser conservadora nos seus anúncios de redução de emissões e depois faz mais.”
A cientista cita os esforços da China com reflorestamento e restauração, por exemplo. “Eu acredito que a China também vai ter um papel importante, como a gente já está vendo, em ajudar outros países, mesmo o Brasil, na redução de suas próprias emissões”, argumenta.
A situação é diferente com relação aos Estados Unidos, também um dos principais emissores. Quando o presidente Donald Trump tomou posse, ele assinou um decreto de retirada do país do Acordo de Paris --assim como fez em seu primeiro mandato. A questão ainda espera para ser oficializada e, em paralelo, o país segue membro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês). Mas, além das questões burocráticas, o que preocupa são os discursos de negacionismo do governo dos Estados Unidos, que tem elaborado relatórios que encobrem a realidade.
“O mais trágico seria isso acabar tendo um efeito dominó, acabar levando outros países a também começarem a ter dúvidas de que o aquecimento está acontecendo”, pontua a especialista.
‘2024 não comprometeu o Acordo de Paris’
O Acordo de Paris tem como meta manter a temperatura média global “bem abaixo” de 2ºC, limitando o aquecimento global a 1,5ºC até o final deste século. Em 2024, o mundo chegou a esse teto em relação ao período pré-industrial. No Brasil, por exemplo, as altas temperaturas também foram registradas. O verão 2024-2025 foi o sexto mais quente em 60 anos, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Porém, a especialista explica que, apesar do quadro pontual, o Acordo de Paris não foi comprometido. No momento, as estimativas são de que estejamos por volta de 1,3ºC. “Não estamos no 1,5ºC, mas estamos muito rapidamente chegando a ele. E se as coisas continuarem como estão, chegaremos muito provavelmente em 5 a 10 anos”.
Para Thelma, quando se fala em limitar o aumento da temperatura média a 1,5ºC dos níveis pré-industriais, se fala de zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050. “E claro que isso dificilmente vai acontecer”, adverte.
Segundo a especialista, a própria ciência aponta que é possível ter uma trajetória onde vai ser superado temporariamente o nível de aquecimento, até que, depois, com esforços de remoção de CO2 e outros gases da atmosfera, é possível conseguir trazer a temperatura ‘para baixo’ até o fim do século. Esse seria o objetivo de longo prazo de temperatura do Acordo de Paris.
O que esperar da COP30?
Ao Terra, Thelma Krug elencou três pontos que acredita serem os principais a serem discutidos na COP30. Confira:
1. Desmistificar o que é transição justa
Um ponto que se fala muito é o da transição justa [dos combustíveis fósseis para fontes renováveis]. Mas acho que a gente não entende muito bem o que é uma ‘transição justa’. Acredito que essa COP vai ajudar a gente a avançar um pouco nisso. Não sei se resolver, mas avançar um pouco mais no entendimento do que vem a ser isso.
2. Adaptação entrar em pauta
Eu acho que, infelizmente, a adaptação teve que entrar na pauta, porque nós não conseguimos fazer suficiente mitigação.
A gente não pode se esquecer que ainda há diferenças entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, particularmente na sua capacidade de ter condições nacionais do que se fazer em termos de mitigação e adaptação.
Agora temos que entender também como é que vamos melhorar o sucesso na implementação das ações de adaptação. É muito mais difícil do que mitigação, muito mais. É um caminho mais longo para a adaptação do que realmente é para mitigação.
3. Não desviar o olhar dos combustíveis fósseis
Não podemos desviar o olhar dos combustíveis fósseis. Nós tivemos, no período de 2005 a 2015, COPs que você pensava que você estava entrando numa discussão que era só floresta, só floresta... Demorou muito para a temática do fóssil cair de cabeça. A gente não pode perder esse momento, essa oportunidade de continuar discutindo e chamando realmente para esse tipo de redução.
Extra: Financiamento
Não tenho muita esperança, para falar honestamente com você, sobre a questão do financiamento. Eu acho que vai haver, sim, alguns pronunciamentos de algum dinheiro, mas nada é comparado àquilo que a gente realmente precisa, que é da ordem de trilhões por ano.