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'Temos que tratar o planeta como um paciente doente', alerta Johan Rockström sobre risco de colapso ambiental

Cientista sueco participou do Encontro Futuro Vivo, realizado nesta terça-feira, 26,

26 ago 2025 - 11h47
(atualizado às 13h00)
'A Terra está mandando a conta para a gente', diz cientista sueco ao alertar sobre limites climáticos
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O cientista sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, alertou que o planeta já ultrapassou seis dos nove limites planetários que garantem a estabilidade da Terra e está “como um paciente doente que precisa de atendimento urgente”. Em participação no Encontro Futuro Vivo, realizado nesta terça-feira, 26, ele destacou o risco de colapso da Amazônia e os impactos crescentes da crise climática sobre a economia global.

Rockström é referência mundial no tema e faz parte de um estudo que pontuou os nove limites planetários, que, de acordo com o cientista, uma vez ultrapassados, colocam em risco a estabilidade do planeta Terra. Segundo ele, seis desses limites já foram superados, e sinais apontam que o oceano pode ser o próximo.

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“A Terra vem perdendo sua capacidade de absorver o estresse adicional. Vemos sinais de que o planeta está perdendo resiliência, a capacidade de suportar o abuso que estamos impondo a ele”, afirmou.

Entre as maiores preocupações do cientista está o colapso da Floresta Amazônica, que, segundo ele, já mostra sinais de que deixa de ser um sumidouro de carbono --um sistema natural que absorve mais dióxido de carbono da atmosfera do que emite. “Será que o planeta está perdendo resiliência? A parte brasileira da bacia amazônica está mostrando sinais de não ser mais um ‘carbon sink’. Isso é gravíssimo”, alertou.

Para Rockström, atravessar os chamados pontos de não retorno pode transformar ecossistemas essenciais em ameaças à própria vida humana. “Se ultrapassarmos esses pontos, sistemas importantes, como a Amazônia, podem deixar de sustentar a vida e se tornar ameaças à vida na Terra”, explicou.

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Impactos econômicos já são reais

Além do impacto ambiental, o cientista destacou que os efeitos da crise climática já estão cobrando um alto preço da economia mundial. Ele citou que, em 2024, o planeta ultrapassou pela primeira vez o limite de 1,5°C de aquecimento, o que custou US$ 200 bilhões em perdas globais. “Até 2035, vamos ver 7% de queda nos ganhos anuais por conta dos eventos extremos, da destruição de infraestrutura e da queda da produtividade do trabalho”, afirmou.

Segundo ele, o aumento do nível do mar já chega a quase 0,5 cm por ano, o dobro da média histórica. “Isso já demonstra uma situação crítica”, disse.

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O cientista lembrou que a Terra entrou numa nova era, o Antropoceno, em que o ser humano se tornou a força dominante sobre o planeta. Ele comparou a situação com o passado geológico: “O Holoceno foi o único estado do planeta capaz de sustentar a vida como conhecemos. Mas agora somos a força dominante e estamos colocando isso em risco”.

Foto: The Sustainability Speakers Agency

Rockström explicou que os limites planetários funcionam como as linhas de um jogo de futebol: “Se a bola sair da linha, você não pode jogar. Como o jogo será jogado depende da economia mundial. Os limites planetários nos dão um mapa de navegação para agir dentro de um espaço seguro”.

Ele também criticou a centralidade do PIB como métrica de desenvolvimento. “Talvez não precisemos de um PIB enorme para lidar com as questões. Quanto mais o PIB cresce, pior saímos em termos ecológicos e climáticos. O PIB é uma mensuração obsoleta do que realmente importa para os seres humanos e para a sociedade”, disse, defendendo novos modelos de economia circular.

"Ainda há tempo"

Apesar dos alertas, Rockström enfatizou que ainda é possível reverter o quadro. “Estamos em uma situação complicada, mas não estamos na zona vermelha. Temos provas de que podemos voltar atrás e, ao fazermos isso, criaremos um mundo mais próspero, seguro, saudável e igualitário. Por isso a COP30 é tão importante, porque chegou o momento de abordar um diálogo mundial sobre o tema.”

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Também presente na conversa, o climatologista Carlos Nobre, um dos mais reconhecidos cientistas brasileiros, reforçou a centralidade da Amazônia para a estabilidade climática global. Ele lembrou que a floresta evoluiu por centenas de milhares de anos, formando um sistema ecológico-climático “único e singular”, altamente eficiente na reciclagem da água. Para Nobre, a presença e a preservação feitas pelos povos indígenas foram fundamentais para que a Amazônia resistisse até hoje. “Temos que ser muito gratos a eles”, afirmou.

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O cientista destacou que, desde a ditadura militar, a floresta passou a ser vista como inimiga, marcada por queimadas, exploração mineral e avanço da soja e da madeira. Segundo Nobre, o desafio atual é transformar o modelo econômico da região, criando alternativas que valorizem a biodiversidade e melhorem a vida da população local.

Ele citou cooperativas que desenvolvem produtos da floresta como bons exemplos a serem ampliados. “Temos a maior biodiversidade do planeta e não a utilizamos para criar uma economia sustentável”, alertou, defendendo que a COP30 seja um marco para definir os caminhos de transição.

Amazônia próxima do 'ponto de não retorno'

Em conversa com o Terra após participar do Encontro Futuro Vivo, o climatologista Carlos Nobre alertou que a Amazônia está “muito, muito próxima do ponto de não retorno”. Segundo ele, todo o sul da floresta já apresenta sinais graves de degradação, com a estação seca se estendendo, em média, cinco semanas a mais do que há 40 anos.

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“Se a temperatura global continuar aumentando, o desmatamento avançar e não houver uma restauração florestal em grande escala, a Amazônia pode perder até 70% de sua cobertura até 2050”, afirmou.

Nobre explicou que apenas a área próxima aos Andes resistiria, devido ao regime intenso de chuvas, mas alertou para o impacto global: a floresta degradada liberaria mais de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico até 2100, além de significar a perda da maior biodiversidade do planeta.

O cientista também chamou atenção para os riscos sanitários de um eventual colapso da floresta. Segundo ele, a degradação de ecossistemas tropicais pode provocar o surgimento de novas zoonoses. “A Amazônia já tem pelo menos 48 zoonoses mapeadas pela Fiocruz, e duas já viraram epidemias no último ano: a febre Mayaro, ainda restrita à região, e a febre Oropouche, que já se espalhou para vários estados, inclusive o Espírito Santo”, relatou.

Nobre lembrou que doenças transmitidas por insetos, como malária, dengue e chikungunya, podem ganhar novas variantes. “Se continuarmos desmatando, nós vamos ter inúmeras epidemias e até pandemias”, alertou ele, que reforçou ainda a importância da COP30, que será realizada em Belém, para garantir avanços concretos.

Para ele, essa pode ser a conferência mais decisiva desde o Acordo de Paris, em 2015. “As COP27, 28 e 29 não avançaram quase nada. Agora, precisamos de compromissos reais para reduzir emissões e do fundo climático global de US$ 1,3 trilhão anuais”, disse, explicando que ao menos US$ 500 bilhões devem ser destinados à adaptação e resiliência, e outros US$ 800 bilhões para a transição energética e a agricultura regenerativa. Segundo Nobre, “essa tem que ser a COP que mostre que o mundo inteiro vai agir mais rápido do que vem se comprometendo até agora”.

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Fonte: Futuro Vivo
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