O presidente Lula liderou um movimento fora da agenda oficial da COP30, com apoio de mais de 80 países, para criar um "mapa do caminho" visando a eliminação dos combustíveis fósseis e a aceleração da transição energética.
Os combustíveis fósseis são o principal ‘vilão’ do aquecimento global. Mesmo assim, em meio às burocracias que circundam uma Conferência das Partes (COP), o assunto, em si, não entrou na agenda oficial das discussões da COP30 -- que são definidas de modo conjunto em encontro antes da conferência. Mas o Brasil está saindo do script, e fazendo diferente. Em uma virada de chave, o presidente Lula puxou um ‘mutirão’ paralelo às negociações para que fosse criado um “mapa do caminho” com metas específicas rumo à eliminação gradual destes recursos que são os responsáveis pela maior parcela das emissões globais de gases de efeito estufa. E, em movimentação histórica, mais de 80 países têm apoiado a medida.
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Apesar de já circular esse número de apoiadores, ainda não veio à público a listagem nominal de todos os países que estão ‘assinando embaixo’. Mas ministros de países como Alemanhã, Reino Unido, Colômbia, Quênia e Serra Leoa, grandes articuladores, anunciaram em coletiva de imprensa marcada às pressas na tarde de terça-feira, 18, o suporte à iniciativa e convocaram as demais partes da Conferência a também se comprometerem.
Na coletiva, que lotou uma das salas de reunião da Zona Azul em clima de que algo grande estava para acontecer, reforçaram a importância de que o mutirão reúna tanto países tidos como desenvolvidos, quanto os em desenvolvimento. “Somos uma coalizão global, do sul e do norte, para enfrentar um problema que não pode ser ignorado”, chegou a afirmar Ed Miliband, secretário de Segurança Energética e Net Zero do Reino Unido, na ocasião.
O presidente Lula trouxe a questão à tona ainda durante a Cúpula dos Líderes em Belém, em esquenta da COP30 no início de novembro. Em discurso forte, ele frisou a importância de que sejam superados os combustíveis fósseis -- mesmo que, de forma contraditória, sua fala tenha acontecido dias após a liberação de estudos para exploração na Foz do Amazonas.
“Acelerar a transição energética e proteger a natureza são as duas maneiras mais efetivas de conter o aquecimento global. Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, disse Lula, na ocasião.
Desde então, países têm se articulado nos bastidores da Zona Azul sobre a questão e o assunto tem sido reforçado por representantes brasileiros sempre que há a oportunidade. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, por exemplo, tem tocado neste tópico em todas as suas agendas públicas.
O presidente Lula chegou a Belém nesta quarta-feira, 19, na reta final das negociações -- que estão previstas para serem concluídas até sexta-feira, dia 21. Sua agenda oficial não foi divulgada, mas fontes indicaram ao Terra que o presidente deve participar de reuniões bilaterais com líderes em busca de mais apoio ao ‘mapa do caminho’, reforçando as agendas.
O que está em jogo na COP30?
Muito está sendo articulado, em muitas frentes, nesta reta final da COP30. O principal objetivo da Conferência é determinar compromissos que guiarão as ações dos países em combate à crise climática, e isso é destrinchado em algumas frentes principais. Mesmo assim, muito segue em aberto e deve vir à tona com maior precisão nas próximas horas.
Conforme últimas indicações da presidência da COP30, o que se espera é que seja entregue o “Pacote de Belém” até sexta-feira, 21. Mas André Corrêa do Lago, o presidente da edição, tem pressionado as delegações para que sigam em esquema de força-tarefa para que uma parte do consolidado seja oficializado ainda nesta quarta-feira, 19.
Ainda não está claro de que forma, especificamente, serão essas entregas. Há possibilidade de que esse pacote substitua a Decisão de Capa (cover decision), recurso tradicional utilizado para sintetizar resultados gerais em cúpulas complexas e que é “bancado” pelo país que preside a COP.
É importante destrinchar que há três frentes principais em jogo:
A primeira diz respeito ao que faz parte da agenda oficial da negociação, que são os temas mandatados. Eles são destrinchados em dezenas de tópicos, debatidos um a um em reuniões a portas fechadas com as delegações. Até que, com total consenso, cada item passa a ter um texto final a ser aprovado em plenária.
Esses temas fazem parte de grandes blocos de assunto, como:
- JTWP (‘Just Transition Work Programme’, o Programa de Trabalho para uma Transição Justa);
- GST (‘Global Stocktake’, o Balanço Global, avaliação periódica sobre o andar do Acordo de Paris);
- GGA (‘Global Goal on Adaptation’, a Meta Global de Adaptação);
- MWP (‘Mitigation Work Programme’, o Programa de Trabalho de Mitigação);
- E artigos 9.5 e 2.1 do Acordo de Paris (que dizem respeito a questões financeiras).
Esses assuntos são os que foram trazidos à tona no "esquenta da COP", nas Reuniões de Bonn (Alemanha), usadas anualmente para alinhar o diálogo das negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Depois, em paralelo, há quatro temas que não fazem parte da agenda oficial da COP30, mas que foram acordados entre os países para que não ficassem de fora da edição da conferência. São temas espinhosos:
- Provisão de Financiamento Norte para o Sul. Referente ao artigo 9.1 do Acordo de Paris: "Países desenvolvidos Partes devem fornecer recursos financeiros para auxiliar os países em desenvolvimento Partes, no que diz respeito tanto à mitigação quanto à adaptação na continuação das suas obrigações no âmbito da Convenção";
- Medidas unilaterais de clima que impactam o comércio;
- Relatórios de transparência das Partes;
- Insuficiência das metas climáticas, as Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs), que somam 118 entregas até o momento.
E, por fim, há as articulações em torno do ‘mapa do caminho’, para que seja traçada uma rota para uma transição do mundo para longe dos combustíveis fósseis de forma justa. Esse é o movimento que foi puxado por Lula, e que está sendo acolhido por Partes na COP30.
Por também não fazer parte do escopo “oficial” da Conferência, segue em aberto como isso será entregue -- e se será entregue.
*A repórter Beatriz Araujo viajou a Belém com apoio do ClimaInfo