“Queria mostrar para o Brasil inteiro um pouco mais do Norte, da minha cultura e de onde venho”. Foi assim que Alane Dias apareceu pela primeira vez ao público, oficialmente, como participante do Big Brother Brasil, no ano passado. De lá para cá, sua carreira ganhou novos rumos, mas a vontade de apresentar o Pará para o mundo permanece até hoje.
- Esta reportagem integra a série de reportagens Filhas do Pará, que conta as histórias de grandes artistas paraenses (Gaby Amarantos, Zaynara, Dona Onete e Viviane Batidão), que exaltam a força da região.
Com Belém sob os holofotes por causa da COP30, Alane não se preocupa em perder engajamento ao defender pautas ambientais: “É mais fácil quando você escolhe ser uma pessoa pública isenta, mas eu não conseguiria”, disse em entrevista ao Terra.
Quando entrou no BBB24, a bailarina não fazia ideia do que aconteceria dentro da casa. As alianças que formaria, os paredões que enfrentaria e até a eliminação amarga a poucos dias da final. Nada disso ela imaginava. A única certeza da paraense era que estaria lá para representar o lugar de onde veio, como já fazia antes de ir ao confinamento.
“Sempre fui muito apaixonada pela minha cultura e isso sempre foi uma coisa muito natural para mim. As minhas amigas brincavam dizendo que eu vivia Belém como turista, porque eu sempre fui muito apegada à cultura paraense”, relembra.
Para Alane, vestir a camisa de seu estado estava longe de ser uma estratégia para atrair público. Faz parte de quem é. “Eu não imaginei que isso fosse ser tão representativo quanto foi”, admite.
Com 5 milhões de seguidores nas redes sociais, a paraense pretende usar a visibilidade para continuar falando do Norte.
“Me sinto cada vez mais responsável em continuar falando sobre o Pará, sobre o Norte, sobre a Amazônia. Mas isso começou de uma forma muito intuitiva, muito espontânea. É por isso que é tão significativo e eu consigo atingir tantas pessoas: porque é verdadeiro”
‘As pessoas olham para cima com uma visão xenofóbica’
Vários dos momentos mais marcantes de Alane no confinamento têm o Pará representado neles. Seja nos famosos brincos de vitória-régia, na camisa da bandeira paraense ou no choro entalado ao saber que Joelma se apresentaria em uma das festas da casa. Tudo remete ao local onde cresceu.
Se, para artistas do Sul e Sudeste do Brasil, a afirmação cultural pode não parecer tão importante, a bailarina garante que o orgulho faz parte do dia a dia do paraense. Por isso mesmo, o sentimento de pertencimento e o uso dos símbolos vem de forma tão natural.
“As pessoas costumam olhar para cima, com um olhar mais preconceituoso mesmo. Eu tentei achar uma palavra um pouco mais tranquila, mas não tem como tranquilizar. É com uma visão xenofóbica, muitas vezes”, opina.
Mas o preconceito não atinge, nem de longe, a autoestima paraense. Pelo menos é o que garante a artista. “No Norte, a gente se consome muito. Aprendemos que temos que ser receptivos com quem vem de fora e somos, mas sempre nos reafirmamos muito”, completa.
O orgulho de sua origem aumentou ainda mais a quase 2,9 mil km dali, quando precisou se mudar para São Paulo para estudar teatro. Na época, a bailarina conheceu outras pessoas do Norte e do Nordeste que também saíram de suas casas em busca de novas oportunidades. “A nossa rede de apoio acaba sendo a gente mesmo, em muitos momentos”, afirma.
“Existe esse movimento de ter que sair da sua terra para buscar oportunidades e eu acredito que tinha que ser o contrário. As pessoas de lá também deveriam vir para cá [para Belém] para estudar a nossa cultura tão grandiosa”, opina.
Quando o curso acabou, Alane já emendou no BBB24 e hoje vive no Rio de Janeiro, onde também se dedica a um curso de teatro na famosa Casa de Artes de Laranjeiras (CAL). Com a nova vida pública, ela celebra a facilidade de ir e vir de Belém mais vezes, mas fala com a voz embargada sobre a saudade de casa.
“Eu não conseguiria ficar muito tempo longe daqui e, hoje, eu preciso morar lá. Estou tentando encontrar esse equilíbrio”, disse, durante visita à Belém para a COP30.
Uma dessas idas à cidade natal foi com o namorado, Francisco Gil, para apresentar o maior evento religioso do Brasil: o Círio de Nazaré. Para Alane, é importante mostrar sua cultura para as pessoas que mais ama no Sudeste.
“Quanto mais eu puder ser porta-voz ou possibilitar que as pessoas conheçam o Norte, melhor. Quando existem pessoas que têm curiosidade de conhecer Belém, de conhecer a Amazônia, eu faço questão de trazer. Se não puder, indico as pessoas que podem recebê-las para que elas tenham a melhor experiência possível”, garante.
Agenda cheia na COP30
Mesmo com uma onda de comentários negativos e ‘torcidas’ de nariz, a COP30 começou em Belém no último dia 10 e vai até o dia 21 de novembro. Para Alane, ter a Amazônia como protagonista e cenário da discussão climática é fundamental. No entanto, as deliberações só sairão do papel se as vozes dos povos originários forem escutadas.
“Acredito que o futuro é realmente ancestral e que o que está sendo decidido na Bluezone precisa contar com todo o aprendizado indígena. A partir do momento em que os povos indígenas forem escutados e acrescentados nessa discussão, eu acredito que as coisas vão ser boas para todo mundo”, defende.
Como artista paraense, não tem faltado trabalho durante a Conferência. Alane fez uma viagem para denunciar áreas desmatadas à convite do Greenpeace e até deu aula de dança para crianças de Belém a convite do Observatório do Clima.
Para a ex-BBB, essa é a prova que arte e sustentabilidade podem andar juntas.
“Foi incrível. Mais de 100 crianças se inscreveram e outras quiseram participar. Eu acredito que a arte e a sustentabilidade caminham lado a lado. O projeto é a prova de que tem como, desde cedo, comunicar para essas crianças que elas podem fazer a diferença no futuro e se tornarem adultos responsáveis”, diz.
Aos 26 anos, a própria Alane lembra que foi conscientizada ainda muito pequena. “Sempre fui essa criança que falava ‘desliga a torneira’, sabe? (risos). Através da escola e dentro de casa também, isso sempre foi colocado de uma forma muito natural para mim”, conta.
Outro momento marcante da carreira foi integrar o time de apresentadores do Global Citizen Festival em Belém, o primeiro da franquia na América Latina. O line-up aguardado contou com nomes como Chris Martin, do Coldplay, Anitta e Viviane Batidão.
“Estou muito feliz ainda de viver todas essas experiências incríveis e ajudar a ampliar essas vozes amazônicas. Tudo isso dentro da minha própria casa. Esse final do ano está sendo muito intenso, com muitas programações, eu estou muito feliz de fazer parte da maioria delas”, celebra.
Mesmo ‘batendo o ponto’ em eventos grandiosos da agenda da COP30, Alane garante que o momento mais marcante foi do lado de fora, durante a Cúpula dos Povos.
“Posso afirmar que existem duas COPs acontecendo: a de lá de dentro e a daqui de fora. A COP lá dentro acaba sendo mais inacessível para a maioria das pessoas, o que é muito contraditório porque o que as pessoas estão pedindo aqui fora é justamente o que tem de ser escutado lá dentro”, argumenta.
Quando a COP30 encerrar sua programação oficial no dia 21 e a capital federal voltar a ser Brasília, Alane espera que Belém não seja esquecida. “Espero que as pessoas continuem olhando para a Amazônia com muito respeito e cada vez mais interesse responsável”, deseja.
‘Tem pessoas que preferem não entrar no debate’
Nas redes sociais, quem se posiciona constrói um público fiel, mas pode perder a mina de ouro dos influenciadores: o engajamento. Trabalhando com a internet, Alane dispensa seu lugar em cima do muro.
“Não tem como ignorar que tem pessoas que às vezes optam por conteúdos diferentes, né? E tem pessoas que preferem não entrar nesse tipo de debate, às vezes se alienar... Eu não sou esse tipo de pessoa. É mais fácil quando você escolhe ser uma pessoa pública isenta, mas eu não conseguiria”, destaca.
Mesmo avaliando mais pontos positivos que negativos em abraçar as pautas ambientais, Alane admite que já sofreu com comentários preconceituosos. “Acho que se algum nortista ou nordestino disser que não, vai estar mentindo”, pontua.
Antes de ser influenciadora, bailarina, atriz e qualquer outra função que possa exercer, Alane gosta de lembrar que é paraense, além de tudo. “Não consigo me separar do Pará. Não consigo falar de mim sem falar do Pará”, tenta definir.
“Tem gente que acha que esse discurso pode ser forçado ou mentiroso, mas não tem como. É algo que me comove demais, que faz parte de quem eu sou”, completa.