A organização da 30ª Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP30) publicou a Decisão Mutirão, o texto oficial da conferência em Belém (PA), neste sábado, 22. O documento estabeleceu uma meta para triplicar o financiamento com contribuição dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, mas deixou de fora um dos assuntos mais esperados do encontro na Amazônia: os combustíveis fósseis.
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Entre os principais temas esperados, além dos combustíveis fósseis, estão energia, transição justa, adaptação e preservação das florestas. Os minerais, citados pela primeira vez em uma Conferência das Partes, também ficaram fora do texto final. Mas o plano de mitigação apresentado acabou adiando os planos do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, de encerrar a edição. A Colômbia --que recebeu o apoio do Uruguai-- se manifestou contrária à proposta e solicitou o acréscimo de um parágrafo sobre transição justa se afastando do uso de combustíveis fósseis. Mediante o pedido, a plenária foi interrompida por volta da 14h15.
Ao retornar a sessão, Lago afirmou que a questão será tratada com mais cuidado em 2026. "Isso será refletido no relatório, para garantir que vamos realmente fazer isso no ano que vem. Como eu disse, o posicionamento sobre preservação feito pelas Partes será registrado no relatório da sessão, incluindo todos os procedimentos de hoje que foram levantados. E solicitarei à Secretaria que prepare boas práticas para orientar a transparência, algo que sempre foi uma prioridade. Vocês podem ter certeza de que isso é — absoluta, absolutamente — uma prioridade para mim.”
Apesar de não ter avançado com o 'mapa do caminho' contra o fim dos combustíveis fósseis, o Brasil conseguiu implementar o Acelerador Global de Implementação (GIA, na sigla em inglês), uma plataforma cooperativa destinada a ajudar países a executar suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e Planos Nacionais de Adaptação (NAPS), aprimorar a cooperação internacional e compartilhar o apoio à implementação entre os atores.
"Em resposta à urgência, às lacunas e aos desafios, a presidência decide lançar o GIA como uma iniciativa cooperativa, facilitadora e voluntária sob a orientação das Presidências da sétima e oitava sessões (novembro de 2026) da Conferência das Partes atuando como a reunião das Partes do Acordo de Paris para acelerar a implementação entre todos os atores para manter o limite de 1,5ºC ao alcance", diz um trecho da Decisão Mutirão.
A discussão sobre o fim dos combustíveis fósseis não foi totalmente derrubada da Conferência das Partes, mas o assunto só deve vir à tona novamente na COP31, na Turquia, no ano que vem.
"A presidência brasileira, até a próxima COP, mesmo que essas questões não estejam refletidas neste texto, deve continuar o trabalho para promover a transição para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa; permitir que o mundo supere sua dependência de combustíveis fósseis; deter e reverter o desmatamento; mobilizar recursos para esses propósitos", afirmou André Côrrea do Lago.
Sob aplausos, o presidente da COP30 se comprometeu a criar dois mapas: um para reverter desmatamento e outro para fazer transição para longe dos fósseis. Na plenária, ele também anunciou a conferência internacional dedicada ao tema, que ocorrerá em abril de 2026, na cidade de Santa Marta (Colômbia), que será organizada pela Colômbia em parceria com a Holanda.
Combustíveis fósseis e minerais de fora
Durante a COP28, em 2023, em Dubai, as delegações chegaram a um consenso sobre a necessidade de eliminar o uso de combustíveis fósseis para uma transição energética justa e limpa. O tema foi ignorado na COP29, no ano passado, em Baku, mas ganhou força com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP30, em Belém (PA).
O objetivo do governo federal era entregar um "mapa do caminho" (roadmap, em inglês) que indicasse as metas para eliminar o uso de combustíveis fósseis. Mesmo com o apoio de 29 países para a inclusão do tema na carta final, não houve adesão das demais delegações.
Por pressão da China, os minerais também ficaram fora do documento final da COP30. Pela primeira vez, o tema havia entrado formalmente nas negociações climáticas de uma Conferência das Partes, um feito inédito ocorrido em 14 de novembro após a divulgação de um texto pelo Programa de Trabalho para uma Transição Justa (JTWP, sigla em inglês).
Os minerais são essenciais para a transição energética por serem a base das tecnologias limpas que substituem os combustíveis fósseis. Materiais como lítio, cobalto, cobre e terras raras, por exemplo, são indispensáveis para a produção de baterias de veículos elétricos, painéis solares e turbinas eólicas.
No texto em questão, os países que integram o grupo de negociações do JTWP consideraram que a formalização do uso de minerais era necessária para proteger os direitos humanos e o meio ambiente, além de atender às necessidades de desenvolvimento de energia.
Os EUA, maior emissor histórico, ficaram de fora da conferência no Brasil.
'Missão Belém'
Mesmo com divergências de alguns países e de cientistas, o texto reforça ser possível manter a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme estabelecido no Acordo de Paris (2015). A justificativa é que metas mais ambiciosas podem tornar isso possível, especialmente com financiamento, capacitação e transferência de tecnologia. Além disso, o documento destaca que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) devem ser seguidas de maneira ambiciosa pelos países, a fim de alcançar a meta estabelecida na COP21.
"A Comissão decide também lançar a 'Missão Belém para 1,5', com o objetivo de viabilizar a ambição e a implementação das contribuições nacionalmente determinadas e dos planos nacionais de adaptação, para refletir sobre a aceleração da implementação, a cooperação internacional e o investimento nas contribuições nacionalmente determinadas e nos planos nacionais de adaptação em matéria de mitigação", afirma o texto final.
Meta Global de Adaptação (GGA)
A definição dos indicadores da Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês) foi uma das grandes promessas da COP30. A GGA foi incluída no Acordo de Paris, mas carecia de estrutura e definições práticas sobre como os países deveriam diminuir os impactos das mudanças climáticas.
"Provisão de apoio financeiro e técnico a países em desenvolvimento para elaboração de relatórios e para fortalecimento de capacidades", explica um trecho do documento,
Os indicadores serão usados para medir o avanço da adaptação climática. Eles não têm como intuito apenas avaliar o estado dos países, mas também fornecer um horizonte de como alcançar a meta de adaptação em cada tópico.
Os indicadores abrangem temas como saúde, saneamento básico, infraestrutura, segurança alimentar, cultura e patrimônio e sociobiodiversidade. Entre as questões avaliadas estão: o financiamento destinado a estratégias de adaptação, o número de sistemas de saúde adaptados e o nível de cobertura de água potável no país.
No texto, há um pedido para "triplicar o financiamento de adaptação em relação aos níveis de 2025 até 2035", com contribuição dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Apesar da citação, o texto ficou muito vago, sem definições claras sobre a implementação.
Fundo Florestas Tropicais para Sempre
Criado pelo Brasil durante a COP30, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) com o objetivo de pagar aos países em desenvolvimento para que protejam e conservem suas florestas.
Na prática, o fundo é um incentivo financeiro climático para que países que abrigam florestas tropicais, como Brasil e Indonésia, trabalhem na preservação de seus biomas. A seguir, entenda os principais pontos do TFFF e seu impacto esperado na economia global e na conservação florestal.
O governo federal confirmou o aporte de 1 bilhão de euros da Alemanha (cerca de R$ 6,1 bilhões) no fundo, que se soma às contribuições de Noruega (US$ 3 bi), Indonésia (US$ 1 bi), França (US$ 500 mi), e o próprio Brasil (US$ 1 bi), anunciado na 80ª Assembleia Geral da ONU em setembro.
O TFFF foi lançado oficialmente em 6 de novembro de 2025 durante a Cúpula de Líderes, em Belém (PA). A proposta do Brasil é levantar US$ 125 bilhões (cerca de R$ 625 bilhões), tendo como meta inicial a capitalização de US$ 25 bilhões durante a COP30.
De acordo com o governo federal, o novo modelo de financiamento climático prevê que os países sejam recompensados financeiramente pelo fundo por preservarem suas florestas tropicais. O Brasil lidera os esforços de criação do TFFF desde 2023, quando o presidente Lula abordou o tema publicamente pela primeira vez durante a COP28, em Dubai.
*Essa reportagem foi produzida como parte da Climate Change Media Partnership 2025, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network, da Internews, e pelo Stanley Center for Peace and Security.
*A repórter Beatriz Araujo viajou para Belém com apoio do ClimaInfo.